Mesmo sem infraestrutura adequada, expansão imobiliária está consolidada na Bacia do Itacorubi

Mesmo sem infraestrutura adequada, expansão imobiliária está consolidada na Bacia do Itacorubi

O barulho de betoneiras, serras elétricas e marteladas ao lado da janela do quarto amenizou. “Parece que a construtora faliu”. Mas, faz muito tempo que a aposentada Maria Agostinho, 78, não vê o sol surgir atrás do morro do Quilombo, e só com a luz do meio-dia consegue secar a roupa estendida no varal.

É também quando diminuiu a umidade que os cachorros e a netinha podem brincar no quintal apertado, quase um buraco cimentado, onde o pequeno chalé resiste espremido pelos prédios ao lado.

“Os vizinhos de antigamente venderam e foram embora. Só nós ficamos”, diz, resignada também com o barulho dos carros na rua Pastor William Richard Schisler Filho, trecho inicial da rua velha do Itacorubi.

O número de terrenos e casas à venda confirma tendência que consolidou a bacia do Itacorubi como a região de Florianópolis com maior expansão urbana nos dois últimos anos. Depois da malograda moratória de 2007, a ordem no setor é aproveitar a brecha do Plano Diretor para erguer edifícios com até 12 andares.

Com a aprovação da nova lei, o gabarito na região caiu para quatro e seis pavimentos. “Deu uma segurada”, confirma o presidente do Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção Civil), Hélio Bairros. A explicação para a demanda, segundo ele, é óbvia.

“É estratégica geograficamente, perto da UFSC e da Udesc e do Centro”, diz Bairros que aponta outra vantagem: Caminho para Norte e Leste da Ilha. “É normal que as pessoas queiram morar lá, apesar de o poder público não fazer a parte dela na infraestrutura necessária”, argumenta.

As construtoras, segundo ele, investem onde há demanda de clientes e terrenos disponíveis. Da Prefeitura Bairros cobra, especialmente, fiscalização contra obras clandestinas e pressa na aprovação dos planos setoriais.

Valorizada, mas sem infraestrutura

Separada da Trindade pelos 187 hectares que restaram do manguezal, a “nova” cidade surge a Leste da baía Norte e muda o perfil dos bairros João Paulo, Saco Grande e Itacorubi. Prédios de dez e 12 andares na parte baixa formam paredão de concreto que parece brotar do outro lado da gleba verde cortada pelos riachos que deságuam, poluídos, entre as pontas do Lessa e do Goulart.

Região valorizada pela posição geográfica privilegiada, mesmo quem mora nas ruas principais, onde os prédios altos engoliram chalés e pequenas chácaras, se ressente da falta de infraestrutura urbana, pública e privada.

“Houve crescimento do fluxo de pessoas e de carros. Mas o bairro inteiro tem só um supermercado, não tem lotérica, nem banco, também falta posto de saúde e mais ônibus. Às vezes falta água e luz”, reclama Lia Moraes, 28, que há dois anos administra com a irmã Sabrina o salão de beleza da esquina das ruas do Quilombo e Antônio Amaro Vieira, no Itacorubi.

Independentemente da grande oferta, preços de imóveis seguem a tendência de mercado mesmo em prédios mais antigos. Condomínio de 156 apartamentos, construído há 12 anos na via principal do Itacorubi e ocupado basicamente por estudantes, é um dos exemplos.

Lá o aluguel mensal é de R$ 1.300 e apartamento com dois quartos não sai por menos de R$ 450 mil. “E dificilmente ficam desocupados, a procura é grande”, confirma uma das zeladoras, Maria Freitas, 49. “O bairro cresceu, mais ainda é tudo de bom”, sorri.

Em dois anos, mais 4.000 carros nas ruas

A bacia foi tema do TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) do arquiteto Eduardo Souza, 30, que fez levantamento das principais vias públicas e obras em andamento entre os bairros João Paulo e Itacorubi – incluindo Trindade e Córrego Grande. A pesquisa abrange prédios licenciados em construção entre 2011 e 2016, alguns na etapa inicial e outros já nos acabamentos.

Segundo projeção feita a partir da pesquisa de Souza, nos dois próximos anos a expansão imobiliária representará 4.000 novas vagas de garagem na região, número correspondente ao futuro volume de carros no afunilado sistema viário local. “Colocados a distância de metro e meio um do outro, teríamos uma fila indiana de veículos entre Florianópolis e São Paulo, ou seja, cerca de 900 quilômetros”, diz.

Baseado na mobilidade não motorizada, o trabalho do arquiteto levou em conta, também, a existência e o estado de conservação de ciclovias, calçadas, pavimentação, equipamentos de segurança e drenagem pluvial. A intenção é concluir projeto para implantação de rede cicloviária integrada com transformação das ruas em áreas prioritárias aos ciclistas.

“Trata-se de região universitária, com faixa etária predominante entre 20 e 30 anos. Muita gente usa bicicleta, meio de transporte saudável, barato e eficiente”, defende Souza, preocupado com a segurança de quem pedala. “São muitos acidentes, inclusive com mortes”, diz.

Cruzamentos da rodovia Admar Gonzaga (SC-404) e acessos ao Tecnópolis e ao bairro João Paulo, na SC-401, são gargalos históricos da região. “Nos horários de pico, pela manhã e no fim da tarde, isso aqui vira um inferno”, confirma o servidor municipal aposentado Silvio Manoel Teixeira, 70, morador na rua Antônio Amaro Vieira, no Itacorubi. “Falta de planejamento para longo prazo”, emenda.

Comunidade cresce com vida própria

Filha de migrantes lageanos que desceram a serra há quatro décadas, Bruna Moraes, 20, trabalha ao lado de casa, na rua Pedra de Listras, privilegiada com uma das vistas exuberantes da Baía Norte de Florianópolis. Ela é secretária da Amsol (Associação dos Moradores do Sol Nascente), onde mora desde a infância, e uma das tarefas mais importantes no início de cada mês é a cobrança da taxa de R$ 21 que garante o funcionamento do sistema independente de captação, tratamento e distribuição de água a 800 famílias cadastradas na comunidade.

Casan e prefeitura passam longe de lá, confirma a secretária, que completa sorrindo. “Estamos em outra cidade dentro da cidade”. Como praticamente tudo lá em cima, o sistema de água para cerca de 2.500 moradores foi construído em mutirão, no início com ajuda de políticos. Um deles, o ex-prefeito Sergio Grando (PCB), comunista que administrou a Capital entre 1993 e 1996, é o atual presidente da Agesan/SC (Agência Reguladora de Saneamento em Santa Catarina).

“Ele [Grando] sempre deu uma mão quando faltava uma ou outra barra de cano”, diz o construtor Ivanor Sezário, 55, antigo diretor da Amsol. Hoje, a taxa mensal banca o salário do bioquímico Luiz Carlos Gomes, que atesta a qualidade sanitária da água captada de duas nascentes protegidas pela colossal pedra listrada que dá nome ao morro.

A folha de pagamento da Amsol inclui quatro funcionários encarregados da conservação da rede, consertam vazamentos, limpam os filtros e fazem manutenção da represa e do reservatório de 138 mil litros. São eles, também, que mantém limpas as lixeiras comunitárias e roçam o mato às margens das ruas ou nos terrenos baldios e cuidam do pequeno parque infantil, no pátio da sede comunitária.

Água pura, esgoto no rio

Quem cuida da água no Sol Nascente é Alfredo Ortiz, 51, responsável há 13 anos pelo funcionamento da rede que abastece 800 casas e o comércio local. “Nos dias de muita chuva, passa sobre os pontilhões”, diz. Nestes períodos aumentam também os vazamentos e chamados para consertos.

O rio que mata a sede é o mesmo que carrega os dejetos dos moradores até o mar. Abaixo do ponto de captação, cachoeiras menores formam poções e mudam de cor e odor ao atravessarem becos ladeados de casas de alvenaria e pequenos prédios multifamiliares, colorindo a encosta desmatada.

O rastro do esgoto despejado sem tratamento desce o curso sinuoso do riacho, um dos afluentes do Pau do Barco, e atravessa o manguezal da Estação Ecológica de Carijós [área do Saco Grande] até desaguar na baía.

O barulho da água abundante não aquieta Ortiz, preocupado com o futuro do manancial. Pelos cálculos dele, o consumo diário na comunidade corresponde a três 414 mil litros, ou seja, três reservatórios. “Por enquanto, raramente precisamos racionar. Mas falta rede de esgoto”, completa.

A parceria entre os moradores também viabilizou pavimentação e instalação de drenagem pluvial nas sete ruas e algumas vielas da comunidade, nem todas legalizadas na prefeitura. Aonde as lajotas não chegaram, pistas de concreto facilitam a subida de carros, caminhões e motos.

“Só chamamos a prefeitura para consertar buracos mais graves”, diz o diretor da Amsol, Odari Machado Luiz, 38. Mas, ainda falta muito. “Precisamos de rede de esgoto e asfalto, horários de ônibus e escola”, reivindica. A creche, segundo Machado, está prevista para o segundo semestre em terreno cedido pela associação.

BACIA DO ITACORUBI

Bairros

João Paulo
Saco Grande, Monte Verde
Itacorubi
Santa Mônica
Parque São Jorge
Córrego Grande
Trindade

População estimada: 130 mil pessoas


Maciço Norte

Comunidades do Sol Nascente

Morro do Caju – rua José Cândido Amorim
Morro da Pedra de Listras – ruas Pedra de Listras, Manuel Barcelos, Manuel Amaro, Laura Lima, Belo Horizonte, Paraná Mirim.

Outras no Saco Grande

Morro do Balão

Barreira do Janga

Vila Cachoeira

Itacorubi

Morro do Quilombo

População aproximada: 7.000 pessoas

(ND, 14/06/2014)