Investigação do MP-SC revela ilegalidades na liberação de alvarás para ambulantes em Florianópolis

Investigação do MP-SC revela ilegalidades na liberação de alvarás para ambulantes em Florianópolis

Parte de um esquema montado por um funcionário da Prefeitura de Florianópolis para favorecer interessados em licenças de ambulantes durante a última temporada de verão está sendo analisada pela 3ª Vara Criminal da Capital. A denúncia do MP-SC (Ministério Público de Santa Catarina) entregue na Justiça no dia 24 de abril acusa o então diretor de Serviços Públicos, Edino Rosar Júnior, de advocacia administrativa (patrocinar interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário) e fraude na lei de licitações.

O caso foi apurado por meio de interceptações telefônicas com autorização da Justiça e revela como eram negociadas trocas de pontos de vendas e até a interferência de pelo menos um vereador nos editais para liberação de permissões indicadas pelos políticos. O pedido de quebra do sigilo telefônico de Rosar Júnior foi aceito pela Justiça após o depoimento de uma ambulante, que diz ter pagado R$ 10 mil a um intermediário, para driblar o edital e conseguir a licença em uma praia no Norte da Ilha. Neste depoimento, em 23 de novembro de 2013, um contador, que não entrou na denúncia por falta de provas, e pediu o dinheiro em três parcelas, afirmou que o diretor poderia “conseguir um alvará”.

Na investigação, o vereador Marcelo Fernando de Oliveira (PDT), o Marcelo da Intendência, é figura nas ligações telefônicas com o funcionário público. Nas gravações feitas pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas), o vereador pede que Rosar Júnior “lhe adiante um alvará”. Marcelo diz ao diretor: “Pega uma caneta e anota um número de um processo, pra já adiantar esse alvará pra mim, que já tá tudo certo. É só fazer o alvará e assinar”. O diálogo foi captado pelo Gaeco em 9 de dezembro de 2013 e também é usado como base para denunciar o vereador por advocacia administrativa, que pode ser transformar em pena de multa ou de serviços à comunidade.
Caso aceite a transação penal, usada nos crimes considerados de menor potencial ofensivo, o processo criminal será encerrado e não terá nem mesmo registro do processo contra o vereador. O caso deve ser encaminhado ao Juizado Especial Criminal. Se o juizado não aceitar o pedido, o vereador pode responder ao processo junto com o Rosar Júnior.

No pedido ao juiz, o MP-SC afirma que “por diversas vezes”, o vereador “foi gravado patrocinando interesse privado junto à administração em razão do cargo eletivo que ocupa”. O MP-SC usa como exemplo um dos diálogos entre o vereador e Rosar Júnior. No dia 8 de dezembro de 2013, por volta das 15h, Marcelo ligou para o diretor e pediu que ele “interviesse na classificação de ambulantes para exploração da venda de cangas em favor de pessoas não identificadas que não haviam sido selecionadas”. Neste mesmo dia, as interceptações flagraram o vereador reclamando que seus “amigos” ficaram de fora. Rosar Júnior diz que vai verificar.

Segundo o promotor que conduziu a investigação, Giovani Tramontin, setores da prefeitura resistiram a cumprir a recomendação feita por ele para exonerar o funcionário do cargo de diretor. Por esse motivo, junto com a ação, Tramontin pediu ao juiz que o processo fosse compartilhado com a prefeitura, para que o funcionário não ficasse mais no cargo. “O processo tinha a missão de moralizar a expedição de licenças e que durante a temporada de verão sempre era alvo de denúncias e reclamações de quem queria trabalhar”, diz.

Ex-diretor e vereador negam envolvimento

Procurado pela reportagem, Edino Rosar Júnior negou envolvimento com as denúncias de alvarás. O ex-diretor de Serviços Públicos disse que não participou diretamente do edital de licitação para os ambulantes e rebateu a denúncia: “O Ministério Público pode dizer o que quiser, eu não tenho envolvimento com nada”.

O vereador Marcelo da Intendência (PDT) também negou qualquer tipo de intervenção para burlar o edital ao ser informado que a reportagem teve acesso ao conteúdo da investigação. “A única coisa que eu posso ter pedido para o Edino é sobre os deficientes físicos, mas de resto não pedi mais nada”, disse. Ao ser questionado sobre as gravações do Gaeco, o vereador desconversou. “Não fui intimado de nada”, finalizou.

Conforme o Portal da Transparência da Prefeitura, Rosar Júnior é lotado no cargo de fiscal do meio ambiente na Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano. Em março deste ano, um pedido de sindicância contra os atos do ex-diretor chegou à Secretaria de Administração. A comissão de processos disciplinares avalia o caso. Segundo a prefeitura, o funcionário está de férias, depois de pedir licença médica após a sua exoneração no dia 3 de janeiro de 2014.

Edital foi contestado, suspenso e refeito

O edital para o trabalho dos ambulantes no verão foi aberto em agosto de 2013. Na época, meses antes da temporada, a expectativa da prefeitura era de conseguir definir todos os 1.017 pontos de venda. No entanto, no dia 15 de novembro, depois de muitas reclamações o edital foi suspenso a pedido do Ministério Público. A recomendação do MP — que verificou irregularidades no processo — foi para que as regras fossem mais claras, impedindo que uma mesma família ocupasse vários pontos e que fosse vedada a participação de parentes ligados a funcionários da prefeitura.

O edital foi refeito e a listagem de classificados saiu no início de dezembro. Neste período, segundo as gravações do Gaeco, Rosar Júnior conversou com diversas pessoas que participaram do processo que lhe pediram para interceder no edital de classificação. Entre venda de alimentos com barracas fixas, carrinhos de bebidas e aluguel de cadeiras e guarda-sol, o rendimento de um ambulante na temporada pode variar entre R$ 3 mil e R$ 100 mil, dependendo do ponto.

(ND, 07/05/2014)