05 fev Direito de propriedade e função social
(Artigo, por Valdez Adriani Farias* , DC, 05/02/2014)
Certa feita, o então governador Leonel Brizola, ao ser criticado no sentido de que sua política de reforma agrária representava ameaça ao direito de propriedade, afirmou que gostava tanto da propriedade que queria que todos a tivessem. A afirmação sugere reflexão acerca dos argumentos que têm embasado debates em razão da ocupação de uma área às margens da SC-401, no norte da Ilha, por famílias sem teto. Muitas das vozes contrárias aos interesses das famílias ocupantes se agarram ao direito de propriedade e desconsideram outros direitos garantidos aos cidadãos acampados.
O mesmo ordenamento constitucional que garante o direito de propriedade assegura o direito à moradia digna. O mesmo artigo 5o que garante o direito de propriedade também garante o acesso à propriedade. Não se trata de mera semântica. Mais: todo esse ordenamento deve ser interpretado à luz do princípio da dignidade humana.
Pela Constituição, o direito de propriedade não é mais absoluto, pesando sobre ele uma hipoteca social, consistente no cumprimento de uma função social, sem a qual poderá vir a ser desapropriado, ou não poderá receber proteção possessória. O que impressiona é que a manutenção de extensa área, intocada por décadas, não causava preocupação dos setores conservadores, mas a ocupação por famílias sem teto para reivindicar direitos constitucionais historicamente sonegados provoca verdadeira ojeriza.
A falsa celeuma sobre a localização do imóvel, se rural ou urbano, em nada afeta a legitimidade das famílias ocupantes em pleitear direitos constitucionais. Espera-se que sejam apresentadas soluções para essa importante demanda, resultado da histórica má distribuição da propriedade, sem esquecer que um dos princípios fundamentais da República é o da dignidade humana.
*VALDEZ ADRIANI FARIAS PROCURADOR FEDERAL. MORADOR DE FLORIANÓPOLIS