13 maio Coletivos artístico-culturais mantêm ativo o circuito de artes em Florianópolis
Os dicionários de língua portuguesa descrevem a palavra “coletivo” como aquilo que abrange, pertence ou é utilizado por muitos. Se existisse um dicionário exclusivo de práticas artísticas, o significado com certeza seria utopia. Sem “mimimis” ou tempo para esperar o apoio do poder público ou patrocínios de empresas, artistas de diferentes áreas, produtores culturais ou simplesmente interessados em cultura descobriram que por meio da coletividade é possível chegar lá, em Utopia, o mundo ideal das artes, em que cultura é algo democrático e acessível a todos.
Em Florianópolis, coletivos artísticos e de comunicação são responsáveis por manter o circuito ativo na cidade, por abrir as portas para artistas iniciantes ou não e por promover a arte de forma descentralizada. Dos seis espaços descobertos pelo Plural, cinco localizam-se em bairros diferentes.
“Arte tem que sair da coletividade, tem que ter iniciativa privada. Se isso acontecesse mais seria maravilhoso, em vez de as pessoas somente reclamarem que o poder público tem que fazer”, afirma o publicitário Wander Levy, 60, sócio do Coletivo Arte & Comunicação, na Lagoa da Conceição.
Ponte para Utopia
“Vivemos uma utopia. Mas não é fácil”, declara a artista e professora de artes Meg Tomio Roussenq, 52. Ela integra o Nacasa Coletivo Artístico, que existe há cinco anos na Trindade – há três anos no casarão de número 359 da rua José Francisco Dias Areias. O espaço de 458 m² é ocupado por arte e intenções culturais em cada um dos 13 cômodos, incluindo jardim, terraço, churrasqueira.
No Nacasa são realizadas oficinas de desenho, ilustração, fotografia, desenho, pintura e serigrafia artística e funciona também como ateliê de vários artistas, que sublocam as salas para ter um local onde criar. Tem também uma galeria com exposições mensais.
O coletivo foi criado quando as oficinas de artes do CIC (Centro Integrado de Cultura) foram fechadas para reforma do prédio. O artista visual Diego de los Campos, 41, o ilustrador naturalista e biólogo Leandro Lopes de Souza, 34, e Meg então uniram forças, alugaram uma casa e se juntaram a outros artistas para dividir os custos. Hoje o coletivo é formado também pela fotógrafa Virgínia Maria Yunes, o serigrafista artístico Zé Fagundes e a artista Elaine Maritsa.
“O coletivo está de pé porque não temos grandes aspirações. Estamos vivendo. Aqui damos cursos, trabalhamos”, afirma Diego de los Campos. “Existe o respeito à individualidade e ao jeito de ser de cada um”, complementa Meg Roussenq, seguida pelo Zé Fagundes: “A liberdade de um começa onde termina o outro.”
Entre pinceladas, desenhos e projetos, os artistas também trocam ideias sobre a arte em si, a maneira como é tratada a cultura na cidade e o comportamento dos artistas e da própria população. “A gente trabalha com o real. E as discussões são cruas”, diz Meg. “Mas sinto um crescimento das coisas, dos coletivos”, diz o ilustrador Leandro Lopes de Souza.
Alta rotatividade de artistas
Uma das formas de manter ativo o circuito artístico da cidade é por meio de exposições. No Nacasa Coletivo Artístico elas são mensais. “A galeria é democrática, tem desde quem está dando os primeiros passos até quem faz arte a vida inteira”,comenta Diego de los Campos, responsável pela agenda de mostras.
No Coletivo Arte & Comunicação, na Lagoa, a alta rotatividade de exposições também é um chamariz. Uma nova exposição é inaugurada toda a primeira quarta-feira de cada mês. “Alguns artistas nunca tiveram oportunidade de mostrar seus trabalhos em galerias”, comenta o publicitário Wander Levy, sócio do espaço junto com Luiz Sebastião Rosa, o fundador da Imaginarium.
O Coletivo fica no Canto dos Araçás, num casarão tombado do final do século 19. Ocupa o andar de cima da casa – embaixo está a Creperia De Grau em Grau. “Não tem parâmetros oficial, legal ou comercial. O Coletivo é aberto a qualquer iniciativa e de qualquer pessoa. É o que temos feito. Claro, não vou botar algo de algum artista que não está maduro. Mas não tem limites, nem grana. É diletante”, diz Levy.
Além de galeria, o local é também espaço para shows de música, tem telão para exibição de filmes – já foram realizados alguns festivais de cinema –, e diferentes espaços onde se pode ler, conversar, simplesmente estar. A caixa d’água no jardim também inspira artistas. Todo mês recebe pintura diferente de algum artista urbano. A deste mês é de autoria de Danka.
O coletivo é também de comunicação, como diz o próprio nome, e reúne diferentes profissionais da área. “Na medida do possível se fornece capacidade criativa para o coletivo e contribui-se oferecendo coisas, não com dinheiro”, diz Levy.
Vocação para o teatro
Na servidão do Morro Verde, no Campeche, uma casa que em princípio até parece difícil de encontrar (mas uma vez que se acha o caminho não esquece mais) foi construída com vocação para o teatro. É um lar das artes cênicas, da literatura, de música, de poetas e de pintores – o patrono é Pablo Picasso (1881 – 1973), por que não?. Desde o ano passado, a casa construída pelos atores Margarida Baird, 68, e José Faleiro, 66, chama-se Círculo Artístico Teodora.
“O foco é o teatro, essa é nossa função. Mas também diversificamos para dança, fotografia e vivências holísticas, além de espaço para terapias”, diz Margarida. Antes de chamar-se Círculo Artístico Teodora (uma homenagem a Theodora, uma das amantes de Picasso que ficou conhecida como Dora Maar), a associação foi criada com o nome de Mocó dos Abacates – Ateliê de Teatro, em 1990. Na mesma casa eram realizadas oficinas de teatro, e depois, a partir de 1998, os famosos Ágapes, encontros culturais em que pequenos grupos mostravam seus trabalhos. Eram saraus, que tanto podiam ser conversas sobre metafísica, tropicalismo, relatos de viagens e interpretação de poesias.
A associação hoje conta com dez pessoas, entre eles Isolete Dozol, Cristina Lopes, Paulo Wolf e Claudia Venturi, que é a presidente. Além de espaço cênico, com capacidade para até 40 pessoas (ou mais, para quem não se importa com almofadas), o Círculo sedia também oficinas artísticas, saraus e apresentações de música. A programação aos poucos vai tomando forma. Em maio, tem a temporada da peça “Urano quer mudar”. Para junho, está programado o Chicorrasco, festa em homenagem ao aniversário de Chico Buarque.
Alternativos Pioneiros
Não é de hoje que iniciativas privadas e espaços alternativos ajudam a manter forte a cena cultural em Florianópolis. O Sol da Terra, na Lagoa da Conceição, foi um dos pioneiros. Criado em 2002 em princípio para ser uma escola de música, acabou agregando outros profissionais e transformou-se num centro cultural. “Começou com a corda toda”, lembra a musicista Ana Maria Schneider Bianchi, 47, que há quase dez anos investe amor, tempo e dinheiro no espaço.
Há alguns anos o Sol da Terra era referência por sediar mostras multiculturais e até um cineclube. Mas nem sempre tanto esforço foi reconhecido e o espaço cultural sofreu uma baixa na programação. Desde o começo do ano, no entanto, Ana Maria tem sublocado salas para outros artistas. O ator Regis Brandão, por exemplo, alugou a antiga sala de cinema para ensaios e apresentações e está voltando a levar público para o local.
Outro espaço pioneiro é a Cor Galeria de Arte, criada em 2007 pela arquiteta Marina Baldini para ser um espaço de arte contemporânea. “Foi o primeiro espaço de arte urbana”,lembra ela. A galeria tem também uma agenda frenética de exposições, são dez ao ano. “Quase todos os artistas urbanos já passaram por aqui.” Marina lamenta que sua galeria, localizada na rodovia SC-401, tenha um pouco papel de museu. “Os museus são muito estagnados.”
O centro terá em breve um centro cultural
Inaugurada há algumas semanas para ser a sede oficial e local de ensaios do grupo Teatro em Trâmite, a Casa Vermelha em breve será também um centro cultural. Localizada na rua Concelheiro Mafra, no Centro histórico de Florianópolis, a ideia de um espaço no local não passa pela proposta de revitalizar a região. “Porque o Centro nunca morreu. É uma região que sofre preconceito”, diz o ator Marcus Maglia, 30, gestor da casa. O centro cultural Casa Vermelha será pequeno, mas com arte de excelência, e deve começar a funcionar a partir do segundo semestre deste ano.
Saiba mais
Nacasa Coletivo Artístico, rua José Francisco Dias Areias, 359, Trindade, Florianópolis, tel. 3028-8185. http://nacasaartes.wordpress.com/
Coletivo Arte & Comunicação, rua João Pacheco da Costa, 595, Canto dos Araçás, Florianópolis. http://www.coletivo.net.br/
Círculo Artístico Teodora, servidão do Morro Verde, 786, Campeche, Florianópolis, tel. 3304-0966. http://circuloartisticoteodora.blogspot.com.br/
Sol da Terra Espaço Cultural, rua Afonso Delambert Neto, 885, Lagoa da Conceição, Florianópolis, tel. 3232-2303. http://www.soldaterra.com.br/
Cor Galeria de Arte, rod. SC-401, 7.135, subsolo, Santo Antonio de Lisboa, Florianópolis, tel. 9615-1227. http://corgaleriadearte.blogspot.com.br/
Casa Vermelha, rua Conselheiro Mafra, 590, Centro, Florianópolis, tel. 3209-2312. http://www.teatroemtramite.com.br/
(ND, 11/05/2013)