28 jun Parque do Peri, do papel à omissão
Criado por decreto municipal, entre 1981 e 82, para proteger o manancial que abastece pelo menos 100 mil moradores do Sul e parte do Leste da Ilha, além de preservar as atividades de subsistência das comunidades tradicionais do entorno, hoje o Parque Natural da Lagoa do Peri, não serve a uma coisa nem a outra. Sem plano de manejo definido, tampouco estrutura adequada de fiscalização, desmatamentos, corte ilegal de palmitos e ocupações irregulares chegam cada vez mais perto das nascentes e dos pontos de captação de água potável.
Tombada em 1988 como patrimônio natural, a lagoa do Peri, maior manancial de água doce da costa catarinense, atualmente contribui com 200 litros por segundo no sistema da Casan (Companhia Catarinense de Água e Saneamento). No entanto, o parque ainda não está cadastrado oficialmente no SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação).
Sem o registro no Ministério do Meio Ambiente, a Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente) não tem como buscar recursos para investir no parque, nem mesmo por meio de compensações ambientais. “Com o cadastro, teríamos acesso a várias formas de financiamentos”, lamenta o biólogo Danilo Funke, chefe do Departamento de Unidades de Conservação Ambiental de Florianópolis.
Burocracia e estrutura deficiente são fatores que, de acordo com o biólogo, comprovam a falta de política municipal para implantação definitiva da unidade de conservação ambiental, talvez a mais importante da cidade. Não existe, por exemplo, pessoal técnico para o trabalho junto aos moradores tradicionais, orientando sobre a importância da adubação orgânica para manter a fertilidade do solo e evitar roças itinerantes em áreas de preservação. “Não temos nem fiscais”, diz Funke. As visitas da administração do parque às comunidades do Sertão também são raras. “Nem sempre temos carro disponível para subir lá”, admitiu.
Plano de manejo nem na teoria
A presença das comunidades tradicionais, com a readequação de suas atividades de subsistência a plano de manejo específico, é uma das formas mais práticas de proteger as matas e o manancial do Peri. Sem elas por perto, a especulação imobiliária e a ocupação desordenada podem apressar o processo de degradação causado por desmatamentos e erosões de nascentes. Uma das consequências mais drásticas, em longo prazo, seria o desaparecimento do manancial.
O biólogo Danilo Funke, da Floram, sabe disso e defende que os moradores nativos sejam tratados como aliados no processo. “Sem recursos, não temos como demarcar, fiscalizar, nem regulamentar atividades no parque”, explica.
E para não ficar totalmente de mãos amarradas, Funke propõe parceria com agrônomos interessados em, como voluntários, repassar assistência técnica a quem ainda depende da terra fértil das montanhas do sertão Peri para sobreviver.
Ensinamento que, na prática, a maioria dos moradores mais antigos sabem de cor. “Desde menino, aprendi com meus pais que em áreas de nascente não se faz roça, nem se desmata para pastagem. Dependemos da água pura que brota das pedras, lá do alto do morro”, aponta o artesão e agricultor João Ramos dos Santos, o João dos Balaios, um dos moradores mais ilustres do lugar.
Restrições confundem comunidades tradicionais
Na outra ponta, esquecidas no vale, quem nasceu e se criou na lida das lavouras e se acostumou ao movimento sem pressa dos engenhos, vê seus meios de subsistência, cada vez mais, ameaçados pela especulação imobiliária. “Agente vive como viveram nossos pais, avós e bisavós, mas está cada vez mais difícil. Não se pode mais nem construir uma cocheira ou abrir uma roça. Só quem vem de fora e tem dinheiro dá um jeito”, diz Mausir João Santos, 39.
Funcionário público municipal, ele é um dos seis responsáveis pelo rebanho de 40 cabeças de gado que alimentam com cana, mandioca e capim-elefante, cultivados no quintal de casa. “Aqui está o patrimônio da família. É um bico, mas ajuda, e muito, no orçamento da casa. Quando o freezer está vazio, botamos um novilho na engorda para carnear”, completa Mauri, 43, o mais velho dos irmãos Santos.
Oestilo de vida deles é o mesmo que mantém no sertão a agricultora aposentada Maria Julia Lopes Vieira, 70, prima do lendário Francisco Thomaz dos Santos, o Chico do Alambique, assassinado em 1996. “Aqui, a gente planta o que come, não precisa das coisas da cidade”, diz.
Engenhos de farinha e alambiques resgatam o período colonial
Terra fértil para café, milho, feijão, mandioca e cana-de-açúcar, das encostas no entorno do parque também já saíram muita farinha e cachaça das boas. Mercadorias que até a juventude de João Ramos dos Santos, 79, ainda eram transportadas no lombo de cavalo e carro de boi até a Costeira do Pirajubaé, de onde seguiam de canoa ao porto do Mercado Público. Com boa memória, João dos Balaios garante que na época contou 28 engenhos e 26 alambiques.
De outra geração, o militar aposentado Ailton Bonifácio Barbosa, 57, que se criou na beira da praia, na Armação, mas sempre teve paixão pelo mato e está há 10 anos no Sertão, ouviu falar em 22. Hoje, ele é dono de um dos dois últimos engenhos de cangalha da região.
O dele, escondido num dos vales ao sul povoado e montado pelo carpinteiro Jaime Duarte, da Armação, ainda parece novo. Erguida com tijolos maciços sobre alicerces de concreto armado, a estrutura que reconstitui a construção colonial do século 19 produziu a primeira farinhada no inverno de 2006. As peças internas, a exceção da roda grande, foram reproduzidas por Duarte – pião (eixo central), roda do cevador, manjorra da cangalha, cocho para lavagem da mandioca, prensa, barrica, esfarelador e forno.
Para Aílton, está cada vez mais difícil criar gado e plantar mandioca naqueles morros, tarefas que ajudam no orçamento da casa, mas que lhe dão mais prazer quando pode mostrar aos visitantes. “Hoje, não se pode mais nem abrir uma roça, a fiscalização vem em cima”, diz. Ele também anda desanimado com a ação devastadora de palmiteiros. “Atrás deles, vêm os ladrões de gado”, denuncia.
(ND, 26/06/2012)