Arquitetos cariocas apontam as características que tornam uma rua almejada pela população

Arquitetos cariocas apontam as características que tornam uma rua almejada pela população

Vias estreitas, de paralelepípedo, cercadas por árvores e prédios baixos, com janelas de veneziana. Por ali, passam poucos carros e não há muito barulho. Assim são as ruas consideradas charmosos do Rio: pequenas, bucólicas e com pouco movimento. De acordo com especialistas, são características como essas que contribuem para tornar um lugar melhor para se morar. No artigo “A alma encantadora de uma rua do Rio de Janeiro”, dos arquitetos Paulo Afonso Rheingantz e Denise de Alcântara e publicado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é feito um estudo sobre a Rua Pires de Almeida, em Laranjeiras. Em entrevista ao Morar Bem, a dupla fala sobre os aspectos urbanísticos, arquitetônicos e paisagísticos que a transformam num lugar acolhedor e seguro. Confira:
O que torna uma rua charmosa: sua história, seus moradores, sua arquitetura ou a paisagem dos prédios?
Denise de Alcântara – Uma rua charmosa é a mistura equilibrada de todos esses elementos, além de outros de igual importância: interação da comunidade, a apropriação pelos usuários dos espaços públicos e privados, os cuidados com sua conservação e manutenção – que não devem ficar apenas a cargo de uma instituição, mas também sob o olhar de quem a ocupa. Enfim, são aspectos subjetivos que vão se descobrindo a partir da observação e do contato com os moradores.
Paulo Afonso Rheingantz – Mas acho que também seu desenho urbano, as proporções entre altura dos edifícios e largura das caixas das ruas, a presença de janelas no térreo, o tipo de janelas, a presença das sacadas, os materiais de revestimento, os elementos decorativos etc entram nessa eleição. E tudo que possibilita que se visualize as feições das demais pessoas, aspecto fundamental para a sensação de segurança e acolhimento.
A largura da rua pode torná-la agradável ou desagradável?
Denise – Uma rua muito larga e com edifícios muito baixos proporciona uma sensação de amplitude e vazio não muito agradável. O contrário também acontece: no caso, uma rua muito estreita com edifícios muito altos causa uma sensação de opressão, claustrofobia. A relação ideal é 1/1, ou seja, a largura da rua deve ser próxima à altura dos edifícios que a configuram, de modo a se obter uma sensação de proteção, acolhimento, segurança.
Paulo Afonso – Mas esta avaliação não é uma coisa cartesiana e simples, precisam ser relativizadas em função de diversos outros aspectos, como arborização, arquitetura dos edifícios, materiais de revestimento etc. Ruas antigas do Centro, como a do Carmo, São José e do Ouvidor são bem estreitas e a altura dos prédios são relativamente são extremamente aconchegantes. Mas nestas vias, a arquitetura dos edifícios tem um importante papel, bem como os seus usuários. São ruas onde a vida pulsa. Por outro lado, a Avenida Presidente Antonio Carlos é um bom exemplo de uma rua com largura muito superior à altura dos prédios e sem nenhuma qualidade em termos de acolhimento. É um corredor de passagem. Mas também existem ruas onde, apesar de uma relação de escala interessante, outros fatores impedem que sejam reconhecidas como aconchegantes. Um exemplo disto são ruas e avenidas de grande movimento de veículos, como São Clemente, Voluntários da Pátria, São Francisco Xavier, Dom Helder Câmara.
Nas ruas antigas, as edificações são construídas nas beiradas dos lotes, enquanto em bairros novos há uma tendência para o recuo frontal. Este atual tipo de ocupação pode também propiciar uma paisagem aconchegante?
Denise – Sim, se o afastamento estiver devidamente integrado ao lugar público (a rua), isto é, se funcionar como um espaço transitório entre o público e o privado. Vemos hoje em dia a proliferação de gradis metálicos entre o limite frontal dos lotes urbanos e o portão de segurança do edifício, com um espaço intermediário vazio e inóspito. Configuram apenas barreiras psicológicas que interferem negativamente na relação funcional e formal entre a rua e os edifícios, segregando em vez de integrar o público e o privado.
Paulo Afonso – O recuo frontal, em si, não é um problema. Alguns outros elementos podem assumir maior importância – canteiros, arborização, arquitetura dos edifícios, etc. Mas com os novos edifícios, alguns outros elementos contribuem para a perda de qualidade da rua: primeiro, sua arquitetura pobre, para não dizer, muito ruim. Outro aspecto que contribui para prejudicar a paisagem da rua é o aumento do número de pavimentos de garagem, que joga as janelas dos apartamentos para 4 ou até 5 pavimentos acima (mais de 15 metros de altura da rua), assim como o uso disseminado de vidros espelhados ou fumês. Um bom exemplo é a rua Barão da Torre, que até início da década de 70 tinha diversas casas e edifícios de até 4 pavimentos. Hoje, é uma rua em que o pedestre se sente absolutamente sozinho ao caminhar. Diferentemente da Pires de Almeida, onde as janelas abertas e quase sem grades fazem com que as pessoas se sintam acolhidas e vigiadas pelos moradores.
A Rua Pires de Almeida, objeto de sua pesquisa, se caracteriza por uma certa homogeneidade das construções que se agrupam segundo uma estatura, ocupação do lote e tratamento de fachadas. Esta unidade contribui para compor uma atmosfera agradável?
Denise – Sem dúvida, a Pires de Almeida possui qualidades e atributos que não se vêem mais nos atuais condomínios residenciais. Tanto o posicionamento dos edifícios, no entorno da praça, como sua escala e proporção relativas à escala humana, configuram um ambiente protegido e seguro. As árvores por sua vez corroboram essa sensação, pois suas copas criam um “teto verde” ou abrigo, tornando o ambiente ainda mais acolhedor. As janelas para a praça e a rua são, conforme Jane Jacobs, “os olhos da rua”, ou seja, mantêm em constante vigilância os que por ali circulam e permanecem, ao mesmo tempo protegendo os pedestres e criando mais segurança para os moradores.
(O Globo, 27/02/2010)