14 mar Coleta de lixo orgânico revoluciona favelas de Florianópolis
Projeto elimina ratos, reduz risco de leptospirose, fomenta a agricultura local e ajuda jovens carentes
O projeto “A Revolução dos Baldinhos” faz juz ao nome. Realmente mudou as comunidades de Chico Mendes, Monte Cristo e Novo Horizonte, no Continente. Há dois anos e meio, começou a fazer, com baldinhos, a coleta do lixo orgânico produzido por cinco famílias e a transformação do material em adubo. Hoje, com bombonas fechadas para evitar a presença de animais, são 100 famílias participando. O trabalho fez esse tipo de resíduo desaparecer das ruas, diminuindo a quantidade de ratos e o risco de leptospirose. A qualidade de vida e a autoestima dos moradores, que passaram a ter casas mais limpas, aumentou. Hortas foram criadas em residências e escolas. Jovens largaram o crime para trabalhar como bolsistas.
Um deles foi Maicon William de Jesus, 21. Em 2007, o então adolescente de 17 anos era traficante. “Eu cheguei a ser o gerente da boca aqui. Comecei porque minha mãe, meu padrasto e meu irmão usavam crack. Cresci vendo minha mãe vender as minhas roupas para comprar pedra. Daí eu ficava sozinho em casa, ia para a rua e me envolvia com essas coisas”, conta. Depois de assaltar uma loja do Mc Donald’s, Maicon foi preso. Ficou um ano e 11 meses no Centro Educacional São Lucas, em São José.
Durante esse tempo, começou a escrever letras de rap. Quando saiu, fez uma pequena participação no show de um amigo. “Todo mundo se amarrou”, lembra. Em seguida, foi chamado para compor uma música para o projeto, que é uma parceria entre a comunidade e a ONG Cepagro (Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo). Daí nasceu o “Rap dos Baldinhos”, que transformou o rapaz em Mc Maicon. “Antes, o pessoal passava por mim e perguntava se eu tinha pedra ou maconha. Agora, pergunta se tenho música nova. Coisa boa que é”, diz.
Hoje, Maicon é bolsista do projeto, assim como outros três jovens da Chico Mendes. Ele trabalha todo dia de manhã e ganha R$ 335. À tarde, é funcionário de outro projeto social, do qual recebe mais R$ 300. Além disso, faz shows como cantor de rap. Por meio do “A Revolução dos Baldinhos”, Maicon já foi para Rio de Janeiro, Brasília e Itália fazer exposições sobre o seu trabalho. Mas ele ainda tem muitos planos. “Quero montar um centro cultural e um estúdio aqui na Chico Mendes. Também estou tentando gravar um CD”, revela.
Saem ratos e entram plantas
“A Revolução dos Baldinhos” também melhorou o problema da quantidade de ratos nessas comunidades. A dona de casa Maria Helena Nogueira, 56 anos, lembra que era comum ver roedores comendo lixo na frente da sua casa. “Nunca mais vi”, afirma. A chamada dona Nena gostou tanto dos resultados do projeto que passou a incentivar os vizinhos a aderir. “Comprei baldinhos para eles colocarem os resíduos deles e também uma bombona extra para mim.”
Com o adubo produzido com os dejetos, dona Nena planta cebolinha, rúcula e folhagens. Na Creche Municipal Chico Mendes, outra parceira da iniciativa, há uma horta, que também utiliza o fertilizante. Lá, crescem espinafre, milho, batata e outras verduras e legumes que são servidos na merenda. “Antes, as crianças nem comiam salada. Depois que se envolveram com a horta, mexendo na terra e ajudando a plantar as sementes, passaram a comer”, relata a educadora Kátia Lalau.
Projeto quer virar do governo
Atualmente, o projeto, que recolhe dez toneladas de resíduos por mês, não pode incorporar novas famílias por causa da falta de estrutura. Falta dinheiro para pagar mais bolsistas e um terreno maior, adequado para a compostagem. “Não dá para continuar fazendo no jardim da escola”, diz o engenheiro agrônomo da Cepagro Marcos de Abreu. “É uma pena porque tem tanta gente querendo participar”, completa a bolsista Ana Karolina da Conceição, 29, que está no grupo desde quando a ideia começou a ser desenvolvida..
Segundo ele, a intenção é repassar o trabalho para a Prefeitura de Florianópolis. “Eles pagariam para a comunidade o mesmo valor que hoje vai para empresas que fazem esse serviço em outros locais. E isso é trabalho para o poder público. Podemos implantar projetos, mas não mantê-los para sempre”, diz. Por enquanto, nada foi decidido sobre o assunto.
Dia a dia do projeto
Moradores colocam o lixo orgânico nas bombonas do projeto espalhadas pelas comunidades.
Duas vezes por semana, os bolsistas recolhem as bombonas.
Os recipientes são levados para a Escola Estadual América Dutra Machado.
O lixo orgânico é despejado nas composteiras, que ficam no pátio do colégio.
Depois de cerca de seis meses, os resíduos transformam-se em adubo e os moradores podem pegá-lo para utilizar nas suas plantações.
“Rap dos Baldinhos”
O bonde dos baldinhos tá chegando de cantinho
Mostrando pra você qual é a dos baldinhos (3x)
Se você fica jogando lixo na rua
Está acabando com nosso planeta
Alimentando os vermes e as baratas
Fora o maldito do rato que rasgas as sacolas lá de casa
Aí não dá…
A doença do rato eu não vou pegar
Tô fora…
É aí que o balde entra, mostrando a humildade
A Lene e a Carol
Fazendo essa fita de bondade
São os baldinhos, eu vou explicar:
Elas levam o balde em casa pra você coletar
Resíduos de comida
E você vai ver, isso vai mudar sua vida
O bonde dos baldinhos tá chegando de cantinho
Mostrando pra você qual é a dos baldinhos (3x)
Mano é muito fácil
É só botar os resíduos no balde
E depois despejarem em mais outro balde
Aí leva os resíduos e faz a compostagem
Com esta compostagem plantaremos muitas árvores
Nós estamos de boa
E a Eletrosul está com nós e não à toa
Também tô ajudando, tô fazendo a minha parte
A creche, o Dodô eles estão com a gente
Fora o pátio do América e a nossa Horta
Com as plantas que eles doam pra comunidade
(ND, 14/03/2011)