Florianópolis: Mais que uma prainha bonita

Florianópolis: Mais que uma prainha bonita

Novos restaurantes, uma sala de concerto e gente que já não liga para ostentação mudam a cara de Floripa – para melhor

Houve um tempo em que fazer turismo em Florianópolis se limitava a ir à praia e depois encarar uma sequência de camarão num restaurante com atendimento deficiente e banheiro indescritível. Depois veio a fase Beverly Hills, quando a cidade passou a ser frequentada por milionários – ou bi – com seus carrões importados e suas festas regadas a champanhes com preços de quatro dígitos. Recentemente, contudo, a capital catarinense parece encontrar entre esses dois extremos uma nova e simpática personalidade: sofisticada mas sem afetação.

Uma das causas da mudança é o fato de a capital do novamente melhor estado no Prêmio VT ter se transformado em reduto de gente de bom poder aquisitivo – empresários, executivos, profissionais liberais e artistas (leia nesta reportagem o que três escritores que adotaram Florianópolis têm a dizer a quem visita a cidade) – que decidiu trocar os grandes centros por um lugar mais tranquilo para viver. Esse contato dos “forasteiros” com a cultura local é um fenômeno recente, pois a relação costumava se limitar à temporada de verão, período de exploração mútua – os turistas a aproveitar as belezas da ilha, e os nativos, o dinheiro dos turistas.

Muitos dos novos moradores se tornaram clientes e às vezes proprietários de empreendimentos bacanas da cidade. Como no caso do Uai di Minas, um armazém mineiro no Porto da Lagoa, fundado pelo casal Carlos Moreira, de 34 anos, e Teresa Siqueira, de 32, ambos de Patos de Minas (MG). O negócio só existe porque, assim que chegaram a Florianópolis, há três anos, nenhum dos dois conseguiu trabalho em suas áreas – ele é formado em turismo, e ela, em artes plásticas. “Decidimos então fazer pão de queijo com uma receita ensinada por minha mãe e sair vendendo”, conta Carlos.

A ideia deu tão certo que a sede inicial, com 20 metros quadrados, teve de ser trocada por outra, sete vezes maior, onde agora serve não apenas pão de queijo como também um bufê de pratos mineiros e 65 tipos de cachaça. Um novo capítulo dessa história foi escrito há quatro meses, com o nascimento de Alice, a primeira filha do casal, chamada pelos pais de “maneirinha” – mistura de mineira com “manezinha”, o apelido dos nativos da ilha.

No campo cultural, onde Florianópolis sempre ficou cabeças atrás das outras capitais do Sul, uma das novidades é o Auditório Jurerê Classic, inaugurado, em junho, em Jurerê Internacional, por iniciativa do italiano Piero Giacomini, de 75 anos. Ex-empresário do setor bioquímico, ele decidiu, ao ficar viúvo, trocar sua empresa por qualidade de vida – e foi morar, em suas palavras, no “lugar do mundo que mais me encantou”. “Eu poderia ter ido para qualquer lugar, mas escolhi Florianópolis pela combinação de alegria, qualidade de vida, clima agradável e beleza natural”, diz. O auditório, para 155 pessoas, foi montado na garagem de sua casa, mas tem qualidade acústica de sala de concerto. Ele custou R$ 700 000, e a programação é de música de câmara e jazz. São três concertos, em média, por mês. Há novidades também nas artes plásticas. Da velha produção naïf, agora a cidade já exibe uma geração de artistas em sintonia com as tendências contemporâneas como o grafite. A casa desses novos artistas, como Pedro Teixeira, é a Cor Galeria, na Lagoa. No campo da gastronomia, a boa-nova é que o chef da hora na cidade é tão manezinho quando Guga Kuerten. Vitor Gomes – duas vezes chef do ano para a VEJA SANTA CATARINA – cresceu vendendo sanduíches na praia, cursou gastronomia na França e estagiou no paulistano D.O.M. Seu Café Riso & Etc., no centro, valoriza os ingredientes típicos e lhes dá roupagem mais contemporânea. Perto de seu restaurante estão outros estabelecimentos bacanas, como o boteco à paulista Cervejaria Original, a balada Jivago Lounge e os já tradicionais Botequim Floripa e Emporium Bocaiuva.

Assim como São Paulo, Salvador e Rio, Florianópolis vem se consolidando também como destino LGBT. Muitas das opções de hospedagem mais charmosas da cidade anunciam sua condição gay friendly. “Ser claro quanto a isso inibe eventuais manifestações de preconceito. Queremos que todos se sintam bem”, diz Talmir Duarte, um dos proprietários da Pousada Natur, no Campeche. Cada um dos 21 quartos tem decoração inspirada em um lugar do mundo, resultado das viagens realizadas por Talmir e pelo companheiro e sócio João Sernaglia.

Curiosa é a pousada Isadora Duncan, conhecido como “o hotel de um quarto só”, que fica na cobertura do bistrô de mesmo nome. Com uma banheira de hidro com bela vista para a Lagoa da Conceição, o quarto pode ser reservado por casais – de qualquer gênero – a R$ 800 a diária, incluídos no valor o café da manhã e um jantar. Os proprietários, o gaúcho Amauri Dornelles e o paulistano Edmilson Laurindo, o Greg, se inspiraram no Hotel Everland, de Paris, que fica sobre o Palais de Tóquio. “Acho que, com um visual desses, não há noite que não se torne inesquecível”, diz Amauri.

Dentro do espírito de valorizar as boas – e mais sofisticadas – coisas da vida, Florianópolis vê também surgirem musas com mais conteúdo que curvas. Como a chef e apresentadora de TV Heaven Delhaye, de 26 anos, nascida em Petrópolis, que chegou à ilha ainda criança. Seus pais, o português José Alexandre e a francesa Marie, ambos professores de inglês, fundaram um restaurante que marcou época, o Bistrô Le Bon Vivant. “Florianópolis é um lugar para quem gosta das coisas importantes da vida, como a família e a natureza”, diz Heaven com seu sotaque de americano da piada – ela foi alfabetizada em inglês pelos pais –, mais estranho que o dos próprios manezinhos. O nome de seu programa, o Heaven’s Kitchen, exibido na Record News, faz clara referência ao programa Hell’s Kitchen, do temido chef britânico Gordon Ramsey. Mas Heaven tem um estilo simpático que lembra muito mais o da apresentadora Nigella Lawson.

Eu já ia encerrando esta reportagem sem fazer menção às belas praias da cidade. É que Florianópolis vive um momento tão Leblon que a gente quase se esquece do Atlântico ali. A temporada deverá assistir a mais um “confronto” entre a Mole e o Riozinho do Campeche pelo título de reduto das musas e dos saradões, enquanto Jurerê Internacional e a Brava disputarão de novo os ricos e famosos. Com crianças, Lagoinha e Daniela são ótimas pedidas pela calmaria de suas águas, enquanto a Lagoinha do Leste é o paraíso dos aventureiros – chegar ali exige uma hora de trilha. Se a ideia é voltar para casa se gabando de ter conhecido lugares pouco frequentados, Solidão e Naufragados são os nomes. A nota triste é Armação, que perdeu parte do encanto ao receber um muro de contenção para proteger as casas das ressacas que se tornaram habituais no local.

Estrela de novela

De estrela turística do Brasil a estrela de novela. Em janeiro deve estrear Insensato Coração, a próxima novela das 8 (ou das 9) da Globo, que irá se passar em Florianópolis. Escrita por Gilberto Braga e Ricardo Linhares, já está em produção. “Floripa é linda e diversificada”, disse Linhares à VT. Pedro, o vilão da história – que é quem importa nas obras de Braga –, será vivido por Fábio Assunção. Vários postais da cidade irão à telinha, como a Avenida Beira-Mar, a Lagoa, a Ponte Hercílio Luz e as praias Mole, Sambaqui e da Joaquina. “Floripa me lembra um pouco o Rio da minha infância. Tem bom astral”, diz Gilberto Braga. A ilha já foi mostrada nas novelas Três Irmãs, em 2008, Como uma Onda, em 2004, e Vira-lata, em 1996.

(Maurício Oliveira, Revista Viagem e Turismo, 11/2010)