07 dez AL pode evitar dano ambiental irreversível
Relatório da ONU alerta para necessidade de América Latina substituir modo de exploração de recursos naturais por plano mais sustentável
A manutenção de práticas não sustentáveis de exploração de recursos naturais na América Latina e Caribe vai levar ao registro de danos praticamente irrecuperáveis, que afetarão diretamente o crescimento econômico da região. É o que afirma o relatório A Importância da Biodiversidade e dos Ecossistemas para o Crescimento Econômico e a Igualdade na América Latina e Caribe: Uma Avaliação Econômica dos Ecossistemas.
O estudo, conduzido pelo PNUD em parceria com PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), UNCTAD (Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento) e outros órgãos e agências, tem como objetivo alertar autoridades e empresas sobre os riscos de se empreender tais atividades.
O relatório traz ainda uma série de recomendações em áreas como agricultura, pesca, produção farmacêutica, serviços hídricos, áreas protegidas e turismo para que os países da região realizem a transição para um modelo de manejo ambiental mais sustentável por meio de políticas que o tornem economicamente competitivo com o exploratório no curto prazo. Isso pode ser feito por meio de subsídios, isenções tributárias, pagamentos por serviços ambientais e esquemas de certificação.
Segundo o documento, a América Latina e o Caribe são “superpotências da biodiversidade”, pois concentram cerca de 40% das espécies do planeta e reúnem cinco dos dez países com maior riqueza biológica no mundo: Brasil, Colômbia, Equador, México e Peru.
“A América Latina e o Caribe possuem um dos maiores capitais naturais do mundo”, diz Heraldo Muñoz, Secretário-Geral Adjunto da ONU e Diretor do PNUD para a região. “As políticas recomendadas em nosso relatório possuem o potencial de transformar modelos tradicionais de desenvolvimento – elevando a qualidade de vida de milhões de pessoas ao preservar e recuperar nossa biodiversidade e serviços ligados ao ecossistema.”
No entanto, esse potencial não está sendo utilizado para reduzir a desigualdade, alerta o estudo. Apesar de o Produto Interno Bruto (PIB) da região ter crescido continuamente entre 2002 e 2008, um em cada quatro habitantes locais ainda vivia com menos de US$ 2 por dia. Estima-se que todos os anos seja derrubados 4 milhões de hectares de bosques tropicais na região, e os membros carentes da sociedade são os que mais dependem deles para sobreviver.
Entre os elementos responsáveis pela degradação dos sistemas naturais destacam-se a destruição e alteração de habitats, a superexposição e o uso não sustentável dos recursos, práticas equivocadas de gestão de terras, contaminação terrestre e aquática, propagação de espécies exógenas que afetam a estrutura dos ecossistemas e mudança climática.
“As empresas precisarão entender melhor e quantificar o quanto podem se beneficiar e que impacto geram na biodiversidade e nos serviços ligados ao ecossistema”, afirma Enrique Iglesias, titular da Secretaria-Geral Iberoamericana e membro da Comissão de Biodiversidade, Ecossistemas, Financiamento e Desenvolvimento do relatório.
Recomendações de transição
O estudo identifica que os obstáculos para a adoção de um modelo de manejo sustentável na região incluem o preço demasiadamente baixo cobrado por áreas florestais, água e fertilizantes, o que estimula a superexploração dos recursos. Além disso, a transição implica em investimentos em tecnologia, capacitação e em abrir mão dos ganhos regulares no curto prazo, até que o novo sistema comece a dar lucros.
Para superar essas barreiras, o estudo recomenda que os governos locais façam uma análise das vantagens e desvantagens de uma política que maximize a produção e vise lucros no curto prazo e de outra que preserve os recursos dos ecossistemas.
Além disso, o documento destaca a necessidade de desenvolvimento de instrumentos de compensação para as perdas ambientais, fazendo com que os responsáveis por contaminar ou danificar recursos compensem o Estado por isso, dando maiores condições para que se invista na conservação.
Agricultura
A atividade tem vital importância para a economia da América Latina e Caribe, representando 44% de suas exportações em 2007 e empregando cerca de 9% da população local. Apesar de sua relevância, mais da metade das pessoas que vivem no campo está abaixo da linha da pobreza. Um dos principais problemas do setor é a adoção de um modelo que não respeita a capacidade produtiva do solo e vai provocando sua erosão, o que torna o negócio cada vez menos lucrativo, visto que aumentam os gastos com tecnologia, agrotóxicos e mão de obra para que a produtividade seja mantida.
O estudo sugere ainda que mais da metade das áreas florestais que são derrubadas para a criação de gado acaba abandonada por causa da degradação do solo. Enquanto nos primeiros quatro anos a média por hectare é de dois animais, após este período a taxa cai para apenas 0,3.
Outro fator preocupante é elevado o uso de agrotóxicos. Se, por um lado, ele triplicou a produtividade na região desde 1960, por outro estima-se que sejam aplicados anualmente 30 quilos de pesticidas por hectare, dez vezes mais do que nos países desenvolvidos. Isso leva a um aumento de gastos para o tratamento das enfermidades causadas por essas substâncias, especialmente no caso de trabalhadores que são muito pobres, em que os tratamentos representam uma pesada carga financeira.
Já culturas de exportação, como a soja, podem trazer benefícios econômicos aos agricultores da ordem de US$ 180 milhões. Porém, seus custos, considerando os danos ambientais causados pela destruição de habitats para aumentar as superfícies cultivadas, ficam entre US$ 762 milhões e US$ 1,9 bilhão.
Para reverter essa situação, o documento destaca a importância de se disseminar a visão de que as terras agrícolas não oferecem apenas comida. Com uma boa gestão, elas também podem fornecer serviços como os de captura de carbono, regulação da qualidade da água e conservação da biodiversidade.
Entre os exemplos positivos citados no documento destaca-se a adoção de adubos orgânicos na região Sul do Brasil, que aumentou a renda agrícola anual em US$ 98.460 para o milho, em US$ 56.071 para a soja e em US$ 12.272 para o feijão. Já no México, a rotação de cultivos de feijão e abóboras aumentou a produtividade entre 47% e 74% em relação à monocultura.
Pesca
De acordo com o relatório, das 49 populações de peixes da América Latina e Caribe sobre as quais existem dados disponíveis, apenas 12% apresentam algum potencial para aumentar a produção. Cerca de 30% delas têm sido exploradas de forma moderada ou completa e, portanto, estão se aproximando de seus limites de sustentabilidade. Outros 12% são totalmente explorados ou superexplorados. Mais de um terço (35%) das unidades populacionais estão além do seu limite ou esgotadas, enquanto 10% estão se recuperando.
Essa situação é possibilitada por fatores como a sobrecapacidade das frotas marítimas, os subsídios que a pesca predatória encontra e a falha no controle legal, já que muitas vezes não há qualquer regulamentação ou registro. Como consequência, a perda de produtividade implica em custos mais elevados de viagem, já que, em resposta à deterioração, a frota deve mover-se para áreas cada vez mais distantes da costa.
Como a maioria dos recursos do setor estão em níveis críticos de exploração, o estudo recomenda a reconstituição das unidades populacionais de peixes, criando cotas ou reduzindo a capacidade de pesca para níveis que correspondam à produtividade dos recursos, além de reorientar os subsídios do setor.
Produção farmacêutica
O relatório alerta que as operações florestais predatórias na região são viabilizadas por condições como abundância relativa de recursos, presença limitada do governo, extração ilegal de madeira, falta de direitos de propriedade de terras bem definidos, subsídios perversos e insuficiência de informações sobre os custos reais da degradação. Essa situação faz com que os recursos florestais sejam vistos como bens livres, e o Estado deixa de se beneficiar com a renda resultante da sua extração.
Além disso, a produtividade do setor depende de vários elementos, como chuva e umidade do solo, reciclagem de nutrientes, fertilidade, polinização e controle de pragas. Caso algum desses fatores sejam alterados significativamente, as florestas podem mudar sua natureza, ou mesmo entrar em colapso. Por isso, estima-se que a adoção de técnicas de baixo impacto e uma redução de 10% nas taxas de desmatamento anual na América Latina e Caribe poderia gerar lucros entre US$ 600 milhões e US$ 2,5 bilhões por ano.
Um exemplo positivo citado são as Áreas Protegidas do México, como parques nacionais, que contribuem com pelo menos US$ 3,5 bilhões por ano para a economia nacional. Cada peso mexicano (cerca de US$ 0,07) investido em áreas protegidas gera 52 pesos (US$ 4) para a economia.
Turismo
América Latina e Caribe concentram 5% do mercado mundial de turismo e, segundo o documento, têm um grande potencial de expansão, pois contam com atrativos como praias e água limpa, recifes, rios cristalinos, aves, peixes, baleias e florestas. Porém, o setor é ameaçado por modelos de turismo em massa, como os vigentes no Caribe e caracterizados por grandes hotéis e resorts, cruzeiros e assentamentos urbanos de férias que utilizam aspectos não sustentáveis. A demanda turística per capita por água potável, por exemplo, varia entre 3 e 10 vezes a de usuários residenciais da região.
Em vista disso, o estudo alerta que o turismo dedicado à natureza pode se tornar uma ferramenta vital não só para combater esse modelo, como também para gerar emprego e renda em áreas subdesenvolvidas, mas ricas em recursos naturais. A atividade pode estimular a venda de artesanato, alimentação, serviços culturais e transporte para grupos de turistas, além de proporcionar outros benefícios para os mais pobres, como, por exemplo, infraestrutura e melhoria dos serviços.
A maioria dos turistas internacionais que chegou à região no período abrangido pelo estudo – entre 66% e 75% –, por exemplo, visitou pelo menos uma área protegida, e aproximadamente 94% das empresas de turismo e hospedagem do Caribe, consultadas para o relatório, indicaram depender do meio ambiente para sua sobrevivência.
(BRUNO MEIRELLES, PrimaPagina / PNUD Brasil, 02/12/2010)