29 jul Cidades devem se preparar para revolução com Pré-Sal
Depois de historiar os processos de ocupação, urbanização e de modernização de capitais como Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Porto Alegre, Vitória e São Paulo, que têm em comum a intervenção radical do colonizador no meio ambiente (desmontes de morros, aterros, destruição de mangues etc), a pesquisadora Maria Cristina Leme, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi incisiva ao anunciar uma revolução na vida das cidades e das populações litorâneas a partir da exploração das potencialidades das camadas do Pré-Sal. Maria Cristina proferiu nesta quarta, 28/07, a conferência ´Cidades brasileiras: interação com o mar`, realizada dentro da programação da 62ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que acontece no campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal.
A arquiteta, que foi apresentada ao público pelo professor Elson Manoel Pereira, do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), foi coordenadora de uma rede brasileira de pesquisa sobre a formação do urbanismo, que resultou no livro Urbanismo no Brasil 1895-1965. A conferência é uma iniciativa da Associação Nacional de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Anpur) com vistas a “contribuir na reflexão sobre o passado, a herança, e as possibilidades, o futuro, que o espaço localizado próximo ao mar, o litoral, pode oferecer ao conhecimento científico e tecnológico brasileiro”.
Secretário executivo da Anpur, Elson Manoel Pereira substituiu na mesa a presidente da entidade, Leila Christina Dias (UFSC), ausente por problemas de saúde. A Anpur, que já foi presidida por Maria Cristina Leme, fez um reconhecimento público à decisão da SBPC em eleger o mar como centro das suas atenções. “A escolha do tema é adequada e oportuna; olhar o mar não significa ficar de costas para o Brasil, como dizia a canção de Milton Nascimento; olhar o mar hoje no Brasil significa olhar o Brasil em sua integridade. É preciso reconhecer o mar como continuidade do território brasileiro e campo de possibilidades para o desenvolvimento”.
Doutora em Arquitetura e Urbanismo, a conferencista Maria Cristina Leme lembrou que as cidades brasileiras sempre foram mediadas pelos conflitos com o mar. Citou que a construção dos portos foi determinante na formação e modificação dos espaços urbanos. “A relação entre porto e cidade definiu praticamente a modernização das cidades a partir do século XX”, exemplificou.
A intervenção do homem, segundo ela, levou em conta fatores econômicos, sociais e políticos que desprezaram qualquer preocupação com a preservação do meio ambiente. Nesse sentido, a derrubada de morros, os aterros e a destruição dos mangues foram comuns nos processos de urbanização.
A pesquisadora observou que as ações do homem se deram de forma bastante radical. Avançou-se sobre o mar numa espécie de experimentação, isto é, sem amparo de conhecimentos científicos e sem levar em consideração os riscos embutidos nessa operação. Os aterros, informou Maria Cristina, têm servido para o desenvolvimento de novas formas de se exercer a arquitetura, o urbanismo e o paisagismo. Ela também constatou a desvalorização gradativa dos centros históricos urbanos. “A centralidade das cidades vai se deslocando com a perda do poder político e econômico”. Os desafios comuns, sublinhou, passam pela renovação e revitalização desses espaços, privilegiando, sobretudo, opções para o entretenimento e a cultura. O mesmo fenômeno ela nota nas zonas portuárias.
Embora fugisse um pouco da temática proposta pela conferência, a pesquisadora colocou lenha na polêmica do Pré-Sal, prevendo uma revolução urbana decorrente da exploração das suas potencialidades. “O volume de dinheiro é impressionante e os impactos e conflitos serão inevitáveis”, alertou. Além dos impactos econômicos e sociais, Maria Cristina prevê reflexos sérios na pesca e nas reservas ecológicas. Afora a briga na partilha dos royalties, os conflitos passam pela infraestrutura urbana e pela adequação dos portos e rodovias à nova realidade. Ou seja, as polêmicas e desafios transitam, como no passado, pelos conflitos e identidades que banham os doces e salgados mares brasileiros.
Considerando ser um tema estratégico e caro para o momento vivido pelo país, a Anpur, que é uma entidade científica e reúne hoje 53 programas universitários de pós-graduação, não se limitou à Conferência. Promoveu também na SBPC uma mesa redonda sobre as formas de apropriação do território com a urbanização do litoral. Coordenada por Elson Manoel Pereira, secretário executivo da entidade, contou com a participação de Norma Lacerda, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Paulo Pereira de Gusmão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e de Rodrigo Valente Serra, da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Elson destacou a importância de uma visão global, de conjunto, no cenário que se vislumbra no horizonte das cidades. “Até aqui, vimos uma irrigação da riqueza para o interior; com o Pré-Sal, o fenômeno deverá se inverter para o mar”, previu.
(Por Moacir Loth, Agecom/UFSC, 28/07/2010)