01 jun Estaleiro OSX cobra processo transparente
Entrevista: Paulo Monteiro, DIRETOR DE SUSTENTABILIDADE DA EBX
Um relatório da grossura de dois volumes da Barsa dá a dimensão de como é complexo o licenciamento ambiental de um projeto do porte do estaleiro OSX, em Biguaçu, estimado em R$ 2,5 bilhões. Esse documento, enviado pela empresa do bilionário Eike Batista ao Instituto Chico Mendes (ICMBio), na semana passada, é apenas o complemento aos estudos ambientais já apresentados.
Com base na primeira avaliação, a autarquia federal considerou a implantação do estaleiro inviável na área pretendida. Agora, a OSX espera pela nova análise e por uma reunião para tratar do tema. Ontem, o DC ouviu por uma hora e meia Paulo Monteiro, diretor de Sustentabilidade do Grupo EBX, que conduziu mais de cem licenciamentos ambientais para o grupo em áreas delicadas como mineração, siderurgia ou energia. Monteiro apontou as mudanças realizadas no projeto do estaleiro, falou sobre os grandes desafios apontados por ambientalistas. Leia a seguir os principais pontos da entrevista.
ICMBIO
– O que mais chama atenção é o processo do ICMBio. Normalmente, é um órgão que não licencia, dá apenas o seu parecer. O que houve é que o ICMBio, em vez de questionar, negou. Embora tudo já estivesse no EIA-Rima (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente), encaramos como se fosse um questionamento e mandamos a carta. Entregamos na semana passada a complementação (são dois grandes volumes). Não dá para ler em dois dias. Acho que a gente tem que analisar com calma. São respostas mais detalhadas. Eles não perderam aquele resquício de Ibama, porque antes ICMBio e Ibama era uma coisa só. Eles foram como se fossem licenciar. Mas nós fizemos o que sempre fazemos em todos os licenciamentos.
PARECER NEGATIVO
– A negativa do ICMBio foi surpreendente para nós. Porque foi fora do processo normal. Por mais que ele quisesse negar, ele tinha um processo para caminhar antes de dizer isso. Uma coisa é dizer que está preocupado com as áreas de conservação e exigir mais respostas. Pedir que a gente faça o melhor que pode, e, se achar que o nosso melhor é pouco, negar. Daí a gente desiste. Como já desistimos do projeto de Peruíbe. Agora, da forma como foi feito, negar antes das respostas, isso a gente nunca viu. Nós desistimos daquele projeto de Peruíbe porque os ânimos ficaram acirrados, as coisas saíram do âmbito racional. A gente recua, faz parte do jogo.
ACUSAÇÕES
– As dúvidas do ICMBio procedem para quem não leu o EIA-Rima. Procedem para nós, leigos. Não para técnicos, para quem conhece. As respostas estavam ali no relatório. O que nós fizemos foi dar as mesmas respostas com mais detalhamento, mais substanciadas. São técnicos bons, eram do Ibama, devem fazer um bom trabalho nas suas unidades de conservação. Eu não estou duvidando deles. São pesquisadores sérios. Alguém que tenha credibilidade tem que ver o que a gente está fazendo. Mas estão duvidando de nós. Se estão nos acusando, eu quero provas, mesmo que a gente tenha que pagar os estudos para provar. Ou escala um terceiro especialista para fazer estudo.
MINISTÉRIO PÚBLICO
– O maior problema que existe entre o analista ambiental e o empresário é a falta de credibilidade de um com o outro. A fiscalização com transparência é uma necessidade. Para nós, além de uma obrigação, porque as ações estão na Bolsa, é salutar. É o que nos faz ser transparentes, é ser fiscalizado. Para o Eike, o que faz a diferença entre o Brasil e o resto da América Latina é o Ministério Público. O MP às vezes até exagera na função, mas é extremamente importante em termos de fiscalização. A gente faz checagem o tempo todo para saber onde está dormindo o processo.
COMPETÊNCIA
– Para nós é indiferente quem vai fazer o licenciamento, se o Ibama ou o órgão estadual. O nosso problema é o tempo. O que a gente precisa é de credibilidade. Não deixamos o processo ficar parado. E não podem achar que o empresário quer apenas destruir o meio ambiente. Como também não dá para pensar que os ambientalistas estão ali só para atrapalhar os empreendimentos. Existe a função de um e de outro. Hoje em dia, o meio ambiente ganhou espaço dentro das empresas, todas tem departamentos especiais. Na nossa empresa é vocação. Obrigação social e ambiental.
RISCOS
– Nós estamos fazendo nossas obrigações sociais por conta e risco, antes mesmo do licenciamento. Mas isso é para o projeto andar no prazo. Já iniciamos o treinamento de capacitação de mão de obra em Biguaçu, estamos na segunda turma em Governador Celso Ramos. A orientação do Eike Batista é a seguinte: “Não faço negócio com quem não gosta de mim”. O negócio não pode ser bom só para um ou outro. Tem que ser para todos. Estamos socializando por conta e risco. Se perdermos o processo, alguma coisa fica. Da mesma forma quando compramos os terrenos.
LICENCIAMENTO
– Trabalhamos com três vetores: ambiental, tecnológico e econômico. Os três têm a mesma importância. E licenciamento tem uma ordem legal, uma sequência das coisas. Nós começamos com o estudo da Caruso Jr (escritório catarinense especializado em estudos ambientais), em maio de 2009, que fez um ótimo trabalho. Eu falo com a convicção de quem tem vários especialistas por trás. Se passar 45 dias e ninguém pedir audiência pública, não vai ter audiência. Mas nós pedimos sempre. E vamos além. Tentamos ampliar a comunicação. Fizemos audiências prévias, setoriais. Foram 42 até agora. Só interrompemos para responder ao ICMBio. Queremos passar que somos transparentes e temos credibilidade. Não somos donos da verdade. Se alguém achar uma falha, nós vamos corrigir.
GOLFINHOS
– Não contamos quantos golfinhos têm na Baía Norte. Mas o Paulo Flores (responsável pela APA de Anhatomirim) diz que são entre 50 e 60. E ele faz monitoramento há 20 anos. E eles estão morrendo de qualquer jeito. Conosco ou sem nós, estão num processo de perigo de extinção. Eles não ficavam originariamente na Baía Norte. Eles ficavam mais para cima. Derivaram para lá. Observar só a morte não resolve. Tem que ver o que pode ser feito. Não dá para dizer que é uma catástrofe para os golfinhos instalar o estaleiro. É uma catástrofe eles estarem morrendo há 20 anos. O que causa isso: eles tem fragilidade genética porque estão se reproduzindo dentro da mesma família; estão ficando sem alimentação; são perturbados pelos turistas mal-educados, que chegam com os barcos muito próximos deles. Tem que somar isso ao nosso (transtorno), que é transitório.
NÃO É UM PORTO
– O que acontece é que confundem porto com estaleiro. Falam que vai circular petroleiro. Isso não vai acontecer. Não é porto, é estaleiro. Na produção plena serão seis plataformas por ano, no máximo. E quando chegar nisso vamos receber dois navios. Não tem isso de crustáceo preso no casco. Nós vamos transformar os cascos usados lá fora e esses navios vão entrar vazios, rebocados. Sem óleo. Navio cheio precisa de calado entre 11 e 16 metros. Nosso calado é de nove metros. O estaleiro não terá nem tanque de óleo para armazenar. As plataformas saem rebocadas até o RJ, elas não têm propulsão, não navegam. Elas são cercadas (com redes de contenção) por precaução. Temos que fazer as avaliações ambientais no pior cenário possível. Vão entrar duas barcaças com aço por mês. E estipulamos qual será a tinta dos cascos. Isso não estava estipulado, agora escolhemos, e não é tóxica.
ONGS
– Não temos problema de discutir com ninguém. Só não queremos deixar chegar o item “birra” no processo. Não respondemos provocações feitas no Twitter (ferramenta de microblog). Não plantamos matéria. Porque tem coisas que passam para o nível dos xingamentos. Tem gente plantando notícias, fazendo guerrilha, dizendo que estamos comprando pessoas, que mandamos pessoas para a Europa. Nós fizemos audiências com ONGs, foram lá a Montanha Viva e a Sea Sheperd. Mas a gente não faz guerra jurídica. Não atacamos ninguém. Nós fazemos defesas. O Ministério Público é o maior exemplo disso. Em todo processo de licenciamento no Brasil tem que colocar na estratégia que o MP vai entrar com uma ação. É ótimo discutir com o MP porque vai acabar na Justiça, e vamos partir para os pareceres técnicos. Você escolhe os seus técnicos. Quando põe o time técnico em campo, a conversa fica boa. Ruim é quando parte para o campo ideológico. Porque vai para o lado da desconfiança. Aí não dá.
– Nós não vamos falar de prazos porque vai ser o jogo deles. Todo mundo tem um prazo final. Um tempo definido. O que posso dizer é que vamos começar no dia seguinte ao licenciamento prévio. Algumas coisas já estamos fazendo, como o Jardim Botânico (de Florianópolis) e o Instituto Tecnológico Naval. São coisas que ficam, mesmo que o projeto não saia. Dos R$ 2,5 bilhões, 0,5% (R$ 12,5 milhões) são destinados, por lei, para compensações ambientais. Além disso, a gente faz nossas iniciativas próprias, que não são obrigatórias.
ALTERNATIVAS
– Imbituba, Itajaí, São Francisco do Sul e Biguaçu foram estudados como alternativas. Itajaí não tem área de manobra. Imbituba não tem muitos terrenos disponíveis perto do porto. Existem residências, seriam necessárias desapropriações. A agitação marítima é maior, seriam necessárias obras de engenharia costeira e a APA da Baleia Franca.
MUDANÇAS
– Estamos esperando a marcação da reunião com o ICMBio. Nós assumimos algumas premissas para reduzir o impacto. O casco, que seria convertido no estaleiro de Biguaçu, será convertido lá fora. A escolha da janela ambiental (período com menor impacto) para a dragagem e a redução do seu prazo. A definição da tinta que será usada, um produto não tóxico. Além de fazer esclarecimentos, vamos contratar outros pareceres. O processo é contínuo. Vão aparecer mais dados. Para eles e para nós.
REGRAS CLARAS
Uma das coisas que poderia facilitar muito para o empreendedor é a delimitação do que é competência do Ibama e dos órgãos estaduais. Na verdade tanto faz, mas o que interessa é saber quais são as regras e o que se precisa estudar mais ou menos. O parecer do ICMBio no período de silêncio (regra da Comissão de Valores Mobiliários que deve ser cumprida depois da estreia na Bovespa) foi impactante. As ações tiveram um baque. Não vamos culpar o ICMBio por isso.
LICENÇAS
– Eu já perdi a conta do número de licenças ambientais que conseguimos. O pessoal fez a conta. Deu mais de cem. E só recuamos em Peruíbe. No Maranhão entramos numa briga complicada. Fizemos muitas audiências públicas. Havia uma vontade de protelar o negócio. Pegamos água do mar e o licenciamento passou para o Ibama. Demorou mais. Existem formas de pedir para os empreendedores pagarem os consultores para os órgãos ambientais.
CRONOGRAMA
– O nosso cronograma está mantido. Mas temos que aguardar até a Licença Ambiental de Instalação (LAI).
O novo documento
BOTOS-CINZA
– Uma população de menos de 200 botos-cinza habita a área onde ficará o estaleiro. A empresa diz que os golfinhos vivem em até 15 metros de profundidade. Então não haveria problema em dragar para nove metros. No Sul da Baía, vivem famílias de golfinhos da mesma espécie em até seis metros de profundidade, e na Baía da Babitonga, em Joinville, entre 6 e 10 metros. Outro desafio apontado é a perturbação sonora. A empresa reconhece que o barulho realmente vai ocorrer durante a dragagem. Mas diz que fará o trabalho no período em que os golfinhos ficam menos concentrados na região.
ARSÊNIO
– Foi detectada uma concentração maior do que o normal deste metal. O material, atualmente depositado no fundo do mar, seria deslocado para a coluna de água durante a dragagem. A empresa diz que o arsênio depositado na lama é originado pela decomposição das rochas de Anhatomirim. Para ser considerado tóxico, tem que ter concentração de 70 miligramas por quilo. E foram encontradas só duas amostras que passam de 15 miligramas por quilo.
EROSÃO
– Especialistas dizem que a Daniela teria erosão depois do processo de dragagem. Segundo a empresa, a erosão que pode ocorrer seria a 1,28 quilômetro de distância do Pontal da Daniela. O estudo foi feito a partir de cálculos matemáticos que consideraram o movimento das marés, ondas e correntes no período de um ano. A OSX alega ainda que a modificação será mínima no canal. Serão dragados 40 centímetros numa parte e 80 centímetros em outra.
VAZAMENTOS
– Especialistas temem que a movimentação de navios e barcaças com produtos químicos, como tintas anti-incrustrante e óleo, possa resultar em vazamentos, capazes de provocar a contaminação da água. A empresa diz que isso não vai ocorrer porque estaleiro não é porto. Os navios entram vazios e saem transformados em plataformas que são rebocadas porque não têm propulsores. Não existe tanque de óleo no estaleiro. A OSX diz ainda que utilizará tintas que não são tóxica. E os cascos usados serão renovados fora do estaleiro de Biguaçu e já chegarão prontos em Santa Catarina.
ÁGUA DE LASTRO
– Especialistas interpretam que não ficou claro no estudo apresentado pela OSX onde será despejada a água utilizada para equilibrar os navios, a chamada água de lastro, que pode trazer espécies exóticas à região. A empresa diz que a troca de água de lastro será realizada a 200 milhas distantes e se compromete a fazer a fiscalização.
PESCA E MARICULTURA
– A implantação do empreendimento poderia reduzir a disponibilidade de pescado. Na maricultura, o problema viria pelo aumento de material em suspensão na coluna de água, devido às obras de dragagem, já que mariscos e ostras filtram o que há de sujeira no mar. A empresa promete sinalizar a área de dragagem e manter o máximo de espaço livre para a pesca.
Porto de Peruíbe
O projeto de Eike Batista era construir o maior terminal da América Latina na Baixada Santista. O investimento de US$ 3 bilhões foi abortado em 2008 por entraves ambientais. A área escolhida ficava perto da reserva ecológica, tinha grandes trechos de Mata Atlântica nativa e era considerada área de interesse indígena, por abrigar uma tribo guarani
EIA-Rima
Documento composto pelo Estudo de Impacto Ambiental e pelo Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente, análises prévias necessárias para grandes projetos. O EIA é mais técnico e tem acesso restrito, enquanto o RIMA é mais didático e tem acesso público
ICMBio
O Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade é o órgão nacional responsável pela administração das unidades de conservação federais
Golfinhos
Também chamados de botos-cinza, da espécie Sotalia guianenses, que vivem na área onde ficará o estaleiro
Calado
Profundidade mínima de água necessária para uma embarcação flutuar.
Audiência pública
Trata-se de um reunião pública informal. A comunidade é convidada a dar suas opiniões e ouvir as respostas de pessoas públicas
Perigo de extinção
Está nesta situação a espécie que sofre risco muito alto de extinção em um futuro próximo
(Por Simone Kafruni, DC -pág. 12, 01/06/2010)