01 dez Como evitar os problemas mais comuns em um projeto de Cidade Digital
Na hora de estruturar um projeto de Cidade Digital, dúvidas não faltam. Como montar uma rede? Que tecnologia usar? Internet gratuita para os cidadãos? Quais estratégias a serem adotadas? Que aparelhos comprar? Contratar consultores externos ou investir em equipe própria? Requisitos técnicos e legais a serem seguidos? Em meio a tantas decisões a serem tomadas, não raro prefeitos e gestores municipais cometem erros ou negligenciam questões importantes por falta de informação ou informação incompleta.
“O principal cuidado que os municípios devem ter é planejar a sustentação do projeto num prazo longo”, sentencia Newton Scartezini, consultor em Cidades Digitais. Segundo ele, os gestores públicos não têm se preocupado com a etapa de planejamento. “Parece uma verdade geralmente aceita que planejar é perda de tempo!”, assusta-se. “A melhor maneira de planejar é a que começa por definir os serviços que se deseja prestar, a que públicos, quais podem ser cobrados e quais serão gratuitos”, aconselha.
Para Scartezini, um erro comum é se preocupar em custear a implantação e não prestar atenção nos custos de manutenção. “É relativamente fácil conseguir recursos para a implantação de uma rede. O problema maior é sustentar a operação, já que gastos de custeio não tem financiamentos nem verbas de órgãos públicos”, alerta. Usualmente, o custo operacional anual, incluindo a interconexão, atinge cerca de 30% do investimento inicial, segundo o especialista, o que significaria um gasto de uma nova rede a cada três anos. “Depois da festa de inauguração, a conta mensal inesperada pode se tornar um pesadelo”, diz Scartezini.
Para o advogado especializado em Cidades Digitais Luciano Costa, questões jurídicas também não podem ser esquecidas. Ele lembra que equipamentos e a solução de rede proposta precisam ser regularizados e homologados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e que é importante estar atento às licenças necessárias (tiradas também na Anatel), dependendo de quem vá prestar o serviço – se a própria prefeitura ou se uma autarquia ou empresa contratada. Também é preciso se preocupar com a complexidade da gestão da rede.
Internet gratuita
As licenças citadas por Costa são um dos pontos principais nos erros ou armadilhas em que caem as prefeituras, tanto na montagem da infovia própria, quanto na intenção de prover internet gratuita para os munícipes.
Basicamente, há duas licenças que se aplicam aos projetos de Cidades Digitais: a de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) e a de Serviço Limitado Privado (SLP). A primeira é a que se aplica às empresas que prestam serviços de internet e de telecomunicações. Os provedores de acesso à internet, por exemplo, são obrigados a ter uma licença SCM. As prefeituras não podem tirá-la diretamente, somente por meio de alguma autarquia, como fundação ou empresa própria (como as companhias de processamento de dados municipais, por exemplo), o que nem todas as prefeituras têm.
Já as licenças SLP podem ser tiradas diretamente pelas prefeituras e permitem o provimento de determinados – não todos – serviços públicos de internet aos cidadãos, especialmente quando for para as pessoas utilizarem os serviços de e-gov da própria prefeitura. No entanto, ainda há controversas jurídicas e legais e as prefeituras devem ser bem orientadas, por advogados e consultores, sobre os limites do serviço que podem prestar tendo apenas uma licença SLP. Levar internet de graça à casa do cidadão para uso da internet de modo geral (ou seja, não apenas para os serviços públicos) é, em teoria, proibido.
“A licença SCM só pode ser concedida a uma empresa ou fundação e não ao município, que deveria criar ou apontar uma nova entidade que seria a prestadora do serviço. Existe uma licença especial para municípios [SLP], mas nesse caso não é permitida nenhuma cobrança pelos serviços prestados. Além disso, o licenciado SCM precisa cumprir obrigações perante a Anatel, como continuidade do serviço, atendimento aos usuários, planos de serviços, etc.”, explica Scartezini, mostrando que não é tão simples quanto parece.
Costa vai além e lembra que, no entendimento da Anatel, a prefeitura pode atuar exclusivamente como o gestor da sua rede privada, com uma licença de SLP, garantindo o acesso, pelos cidadãos, aos sites e aplicações mantidos pelo próprio município. “Aí se enquadra perfeitamente um projeto sério de Cidade Digital”, acredita. “A melhoria da qualidade dos serviços públicos no município, por meio de um projeto de Cidade Digital, não necessariamente tem a ver como fornecimento gratuito de acesso em banda larga à internet. Os dois objetivos são distintos, embora possam se valer dos mesmos recursos”, detalha.
O outro nó relacionado à intenção de levar internet de graça aos cidadãos é nos custos. Muitos municípios se preocupam com o momento inicial, apenas, e não estimam os custos de manutenção de uma rede aberta de internet para os cidadãos. Tendo internet aberta e gratuita, as pessoas tendem a migrar para essa rede, não pagando serviços privados. Com isso, a rede fica sobrecarregada e a prefeitura tem que contratar mais banda de internet (pagando mais, obviamente).
“O desejo geral de oferecer serviços ´gratuitos´ à população terá de ser sustentado pelos impostos municipais, e a conta pode ser bem salgada. Os eventuais serviços gratuitos devem ser limitados a aplicações específicas, que não provoquem uma migração de serviços pagos para os gratuitos, o que oneraria demais a capacidade da rede e da interconexão, aumentando os custos”, analisa Scartezini.
Orientação pela metade
Por desconhecer tantos meandros e detalhes, gestores públicos costumam decidir por levar internet de graça à população – às vezes por opção própria, às vezes por dicas e orientações incompletas vindas de fornecedores.
“A empresa que presta o serviço está muito interessada em vender o equipamento. Vendem uma ideia para o prefeito de que a internet, só para os serviços da prefeitura, é insuficiente, o equipamento vai ficar subutilizado, que a prefeitura vai virar uma ilha”, diz Adelmo Santos, presidente da Associação Nacional dos Provedores de Internet e de Empresas de Multimídia (AbraMulti).
“Seria ideal que contassem a história completa, informando aos prefeitos que existem outros atributos que uma Cidade Digital pode ter, independente da internet grátis. Mas, para convencimento dos prefeitos, é mais fácil aconselhar a colocar internet grátis para, inclusive, ganhar votos”, completa Santos, representando um dos setores que mais é afetado pela internet grátis dos municípios.
A atitude de má orientação não é unânime, mas existe e pode causar prejuízos aos municípios. “A prefeitura pode vir a ser responsabilizada no caso de problemas e instabilidade que afetem os serviços prestados aos cidadãos (veja o caso das panes do Speedy em São Paulo)”, lembra Costa. Segundo o advogado, isso ocorre pois nem sempre a solução que é mais conveniente para o fornecedor é a mais adequada às necessidades do município.
Scartezini concorda: “Os fornecedores de equipamentos vendem sua infraestrutura de redes e/ou terminais, mas não oferecem soluções para a operação dos serviços que serão prestados pela rede. Nem mesmo alertam, na maioria dos casos, para os custos operacionais envolvidos”, atesta o consultor, finalizando com a dica que considera mais importante: planejamento prévio.
(Maria Eduarda Mattar, Guia das Cidades Digitais, 30/11/2009)