10 nov A indústria do plástico reage à campanha “Saco é um saco”
Plásticos podem ser bons, mas as sacolinhas plásticas não são, e significam um passivo ambiental que legamos para muitas gerações
Mudar hábitos e padrão de consumo não é tarefa fácil nem ocorre por “geração espontânea”, repentinamente, sem que algum fator novo surja no cenário e nos motive a agir de modo diferente. O fator novo é a crise ambiental, sem precedentes, e a consciência ecológica que vem aumentando no mundo inteiro, como mostram várias pesquisas. Como conseqüência, aumenta a disposição de todos os setores sociais de contribuírem para uma solução coletiva para os problemas criados pelo modelo atual de apropriação dos recursos naturais e dos bens ambientais.
Este modelo, baseado na falsa abundância de recursos e na energia fóssil, mostra-se totalmente descolado dos limites que a natureza apresenta seja para fornecer matéria prima ou “serviços ambientais”, seja para assimilar os dejetos e/ou resíduos que produzimos. Capacidade de reposição de estoques e assimilação “natural” de resíduos faz parte hoje da nossa alfabetização ecológica e dos necessários limites que devemos impor às nossas expectativas exageradas de consumo coletivo e individual.
Muitas vezes, resolvemos os problemas dos resíduos com algum tipo de tecnologia mitigadora, como foi o caso dos filtros que mudaram, a partir dos anos 70, a paisagem das chaminés e suas fumaças negras, emblemáticas de um capitalismo selvagem que pouco ligava para a contaminação que causavam as fábricas nas zonas industriais e depois nas grandes cidades, tornando o ar irrespirável para milhões de pessoas.
O caso das sacolas plásticas, hoje em dia, também é emblemático e característico de um consumo exacerbado e irresponsável. Não vou repetir aqui os conhecidos argumentos que temos contra o uso indiscriminado, excessivo, escandaloso de sacolas plásticas no mundo e no Brasil. Os números falam por si: 12 bilhões de sacolas são utilizadas anualmente pelos brasileiros. Uma única rede de varejo de grande porte distribui por mês cerca de 100 milhões de sacolas. Além dos supermercados, temos as abundantes e gratuitas sacolinhas distribuídas pelas farmácias, padarias, lojas diversas e até mesmo bancas de jornais. Acumuladas nos lixões ou nos “aterros sanitários”, ou voejando como morcegos anêmicos pelas ruas, calçadas e praças, redes elétricas, as sacolas plásticas nos vitimam pelo “efeito bumerangue”, se voltam contra nós, e imprimem uma presença nefasta em enchentes, matança de animais marinhos e danos à paisagem.
Assim que o Ministério do Meio Ambiente lançou em junho de 2009 a campanha “Saco é um Saco” alertando a população para o problema, convidou cada cidadão para usar seu poder de consumidor e fazer uso consciente das sacolinhas plásticas; a indústria do plástico reagiu imediatamente: colocou na televisão uma campanha simpática para dizer que “plástico é legal”, que a sua adoção significou um inegável progresso, que não podemos viver sem ele (o plástico).
Plástico é legal? Pode ser sim, mas sacolinha plástica definitivamente não é. Enquanto não houver— e não há no momento — solução para uma destinação correta do pós-consumo, as sacolinhas plásticas significam um flagelo, um passivo ambiental que legamos para muitas e muitas gerações.
Não podemos viver sem as sacolinhas plásticas? Eis uma sentença duvidosa, uma vez que cidades como a rica Toronto, no Canadá, e a pobre Daca, capital do Bangladesh, baniram o uso das sacolinhas; na África, a paupérrima Tanzânia também as proibiu. A China recentemente adotou a política de cobrar pelas sacolinhas, um contra-incentivo ao seu uso.
Supermercados, como é o caso do Carrefour, no Brasil, com mais de 500 pontos de venda, já não usam sacolas plásticas no seu país de origem, a França — e o Carrefour também definiu a meta de reduzir 50% do volume que distribui até 2013. Só não “zera” a distribuição agora porque “o consumidor quer o saco plástico”.
No “Dia do Consumidor Consciente”, o último 15 de Outubro, o Carrefour liderou, no setor, o movimento de adesões à campanha do MMA “Um dia sem sacolas plásticas”, oferecendo aos seus consumidores sacolas retornáveis. Outras redes igualmente grandes seguiram o mesmo tipo de atitude. Por que será que as grandes redes de supermercado, que compram essas sacolas com centavos de dólar o milheiro, quase sempre em países asiáticos, estão desistindo das sacolinhas?
A resposta é simples e tem lógica de mercado, além da ética: cada vez mais imperará a chamada logística reversa, ou seja, um tipo de regulamentação ambiental que responsabiliza o produtor ou o distribuidor pela coleta e destinação correta de embalagens e produtos cuja vida útil terminou. A Lei Nacional de Resíduos Sólidos (em vias de ser aprovada no Congresso) aponta claramente nessa direção. É uma tendência irreversível. Se os supermercados forem obrigados a recolher as sacolinhas plásticas, o que farão com elas? Além disso, será ético, sustentável, contribuir para o aumento desse passivo ambiental?
E como se posiciona o consumidor nesse contexto? Novamente, não é simples, pois sabemos que no nosso país é bastante comum a utilização da sacolinha plástica para acondicionar o lixo, sobretudo doméstico. É prático, confortável. Para quem, perguntamos? Como repetir diariamente esse comportamento sem nenhum questionamento? Tomamos, por acaso, remédio sem ligar para seus efeitos colaterais? O que fazer, perguntam os consumidores por meio dos sites de relacionamento que o MMA desenvolveu para a campanha? Como evitar o uso das sacolas?
Reduzir, recusar quando não for absolutamente necessário, é o primeiro passo.
Vamos debater, vamos ver se a sacolinha é mesmo necessária, ou apenas nos acostumamos a ela, sem fazer nenhuma conta das conseqüências. Vamos refletir sobre a quantidade de sacolinhas que utilizamos. Por que não exigir sacolas mais resistentes? Por que não separamos o lixo seco do molhado, facilitando a reciclagem das sacolas, hoje representando apenas 1%?
Gostaríamos de ter uma resposta confortável, definitiva, para cada consumidor aflito que nos consulta. Mas esta resposta não existe. Ela depende de decisão coletiva a favor de uma qualidade de vida que deveremos conquistar se desejamos um presente e futuro saudáveis.
* Samyra Crespo é Secretária de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental do Ministério do Meio Ambiente.
(Samyra Crespo, Instituto Akatu, 10/11/2009)