07 out A invasão dos cruzeiros de cabotagem e o efeito devastador do câmbio no turismo brasileiro
Artigo escrito por Fernando Marcondes de Mattos, Fundador e Presidente do Costão do Santinho Resort; Fundador e Membro do Conselho Consultivo da Associação FloripAmanhã.
RESORTS VERSUS CRUZEIROS DE CABOTAGEM
Inicialmente, convém estabelecer a diferença entre cruzeiros internacionais e cruzeiros de cabotagem. Os primeiros partem de portos internacionais e alcançam o Brasil com passageiros estrangeiros; todos os gastos aqui realizados – por navios e passageiros – representam exportação de serviços, beneficiando a balança de turismo do país.
Os segundos, despachados para o Brasil por seus armadores durante a baixa sazonalidade nas suas áreas centrais de atuação, operam exclusivamente na costa brasileira, sendo os brasileiros o seu mercado alvo, senão único. No caso, as receitas auferidas pelos navios são contabilizadas como importação de serviços – pois os recursos são transferidos para o exterior – desequilibrando a balança de turismo.
Os benefícios gerados pelos cruzeiros de cabotagem são absolutamente irrisórios: enquanto os resorts nacionais investiram R$ 1,5 bilhão no Brasil para se estabelecer, gerando riquezas nas suas comunidades e alimentando a construção civil e a indústria nacional fornecedora de equipamentos para hotelaria, os cruzeiros restringem seus investimentos ao exterior, nada agregando à economia interna.
No campo social, os resorts empregam diretamente quase 20.000 brasileiros, resultando em 7 milhões de funcionários/dia (20.000 x 365 dias) pois operam nos 12 meses do ano. Já os cruzeiros de cabotagem, que atuam na costa brasileira, empregam no máximo 5.000 brasileiros (25% de 20.000 tripulantes), do que resulta menos de 450 mil brasileiros/dia, pois operam no máximo três meses por ano (90% dos navios). A participação dos navios – que no caso tem uma capacidade superior de leitos (19.000 cabines contra 14.000 quartos nos resorts) – corresponde a apenas 6% em relação aos resorts, uma desprezível contribuição social.
Um agravante: após a sua curta (e predatória!) temporada no Brasil, essas empresas dispensam todos os funcionários, formando-se uma leva de verdadeiros boias-frias do turismo, como nos canaviais de ontem, enquanto os resorts mantêm por todo o ano a sua mão de obra, oferecendo-lhe segurança, treinamento e assistência social, gerando estabilidade nas comunidades onde estão instalados e promovendo o desenvolvimento local.
Além disso, os resorts estão submetidos a uma rigorosa legislação trabalhista e a elevadíssimos encargos sociais, enquanto os cruzeiros navegam ao largo de todas as exigências da legislação brasileira. Se os resorts tratassem seus recursos humanos como os cruzeiros, seus problemas estariam praticamente resolvidos.
No campo econômico, os resorts gastam com mão de obra e insumos não menos de R$ 700 milhões/ano, contra valores insignificantes despendidos pelos cruzeiros, que se abastecem principalmente em zonas de “duty free”.
Ao contrário dos resorts, nos cruzeiros de cabotagem se pratica todo tipo de jogos de azar, em seus diversos cassinos.
Esse conjunto de distorções cria uma assimetria que só existe no Brasil, colocando em risco uma atividade econômica altamente empregadora de mão de obra e consolidadora de regiões pobres e inóspitas para qualquer outra atividade econômica.
Em 2004/2005 operaram na costa brasileira 6 cruzeiros de cabotagem com 160 mil passageiros. Em 2005/2006 o número aumentou para 9 navios e 230 mil passageiros. Em 2006/2007 foram 11 navios que transportaram 300 mil pessoas. Em 2007/2008 aumentou para 14 navios e 400.000 passageiros. Em 2008/2009, para 13 navios (maior porte) e 460.000 passageiros. A previsão para 2009/2010 é de 18 navios, que vão transportar 900 mil pessoas, segundo informa Ricardo Amaral, presidente da Abremar – Associação Brasileira de Representantes de Empresas Marítimas. Esses dados revelam crescimento de 560% em apenas 5 anos. Uma verdadeira e inconcebível aberração econômica.
Enquanto isso, os resorts vêm registrando nos últimos anos apenas cerca de 180.000 clientes nos meses de janeiro e fevereiro (aproximadamente o período de operação dos navios), impedidos de crescer por essa concorrência absurda, desleal e sufocante. O mesmo Ricardo Amaral, teve o desplante de dizer que os resorts estão assim porque são uns incompetentes.
Salta aos olhos de qualquer observador atento que se criou neste país uma despudorada desigualdade que privilegia sem critérios o interesse estrangeiro em detrimento dos que investiram em terras brasileiras.
O CÂMBIO NO TURISMO BRASILEIRO
O real valorizado, que motiva a saída dos brasileiros para o exterior e restringe a vinda de estrangeiros para o Brasil, e as despesas de brasileiros no exterior (inclusive brasileiros que usam os cruzeiros de cabotagem) vêm aumentando de forma despropositada. A balança de turismo foi deficitária em US$ 1,5 bilhão em 2006; US$ 3,3 bilhões em 2007 e US$ 5,2 bilhões em 2008, devendo-se repetir esse gigantesco déficit também em 2009, uma vez que já em julho deste ano acumulávamos uma perda de US$ 2,5 bilhões. Essa extraordinária drenagem de recursos de um país emergente, como o Brasil, para países ricos, como os dos armadores, é inaceitável!
Não é difícil imaginar o que aconteceria se, ao invés de uma cifra negativa de US$ 5 bilhões, o país lograsse obter um superávit de US$ 5 bilhões: as suas regiões turísticas seriam fortalecidas, em especial no Nordeste, com a criação de novos empregos, a fixação das populações nas suas comunidades de origem e a dinamização dos espaços geográficos sem outro atrativo econômico. Uma verdadeira revolução!
O número de turistas que ingressaram no Brasil em 2006 e 2007 foi de 5,0 milhões, aumentando para 6,5 milhões em 2008 e devendo ser inferior a 6 milhões em 2009, pelos números já levantados. São números ridículos diante do extraordinário potencial turístico do Brasil e dos bons esforços da Embratur. Mas nadar contra a correnteza do dólar depreciado e dos cruzeiros piratas é missão impossível.
Se o câmbio estivesse ao redor de R$ 2,20 poder-se-ia estimar um ingresso de turistas nos próximos anos de aproximadamente 10 milhões por ano, e não 5 milhões como temos hoje.
ASPECTO SOCIAL
Sob o aspecto social, um câmbio de R$ 2,20 atrairia a vinda de mais 5 milhões de turistas/ano; considerando que o gasto de cada US$ 50.000 gera um emprego, o Brasil está perdendo a oportunidade de gerar 100.000 empregos diretos e 300.000 empregos indiretos. Num país com milhões de desempregados, não podemos ficar de braços cruzados assistindo a um verdadeiro tsunami devastar a hotelaria brasileira, afetando centenas de milhares de pessoas.
UMA SOLUÇÃO PARA ATENDER OS INTERESSES NACIONAIS
Esse casamento perverso do dólar barato com os cruzeiros marítimos sem lei está arrasando os resorts no Brasil.
A taxa de câmbio se insere na política macroeconômica do país e devemos submeter-nos a ela. Todavia, não há como preservar a competitividade do turismo enquanto perdurar a atual situação. Uma solução viável seria o Governo Federal isentar parcialmente o setor hoteleiro dos encargos do COFINS.
Os resorts do Brasil não são contra os cruzeiros de cabotagem, desde que as suas condições de operação não criem uma inaceitável assimetria no mercado turístico. Para tanto, propõe-se que os cruzeiros de cabotagem se submetam, pelo menos, às seguintes condições: (i) utilizem na sua força de trabalho no mínimo 50% de brasileiros de acordo com a legislação brasileira; e (ii) 50% das suas cabines sejam ocupadas por estrangeiros, de acordo com a seguinte progressão: 20% em 2009/2010, 30% em 2010/2011, 40% em 2011/2012 e 50% em 2012/2013. Essas duas medidas introduziriam uma condição de concorrência um pouco mais equilibrada entre os resorts de terra e os resorts flutuantes.
(Florianópolis, setembro de 2009).