29 set A Ilha do improviso e do prefeito alienígena
Artigo escrito por Laudelino José Sardá – Jornalista, professor (Acontecendo Aqui, 28/09/2009)
Eu recebi uma mensagem do Sr. Adenor C. Virenagnatti questionando-me assim: “se você tem as soluções para Florianópolis, por que não se candidata a um mandato ao invés de ficar criticando o prefeito?”
Quer dizer então que até para se criticar é preciso assumir mandato? Se fosse assim, por que os vereadores estão em silêncio sepulcral diante das atrocidades que se praticam na cidade sem leis?
Tenho me limitado à condição de cidadão consciente e não me privarei nunca, por mais que esteja incomodando alguém, do direito de exercer democraticamente a crítica. Quem sabe eu devesse contribuir para uma mobilização contra os descasos e omissões com que se administra a nossa cidade. Mas, Florianópolis tem uma particularidade que serviria até de material de pesquisa a doutores e pós-doutores de Ciências Humanas. São classes sociais que não vivem a cidade como um todo. Sentem pedaços da cidade, sua porção, a sua propriedade. Não há uma vivência coletiva. Nem mesmo estudantil. Lembro-me que a última grande manifestação estudantil, via ideológica, foi a “novembrada”, em 1979, na praça XV de Novembro, quando o então presidente João Figueiredo reagiu ao ouvir o nome da mãe entre os impropérios a ele lançados. Desceu do palácio e só não apanhou por força do enorme contingente militar. Mas o orelhudo do ministro de Minas e Energia, César Cals, levou um safanão, enquanto o seu segurança, de quase dois metros e apelidado de Índio, foi jogado sobre as geladeiras da loja Arapuã, na Felipe Schmidt.
Na Ilha, classes abastadas vivem isoladas em seus apartamentos na beira-mar ou em casas, aparentando bunckes, em Jurerê ou na Lagoa. Há também ricos que sabem viver sem soberba e frivolidade. Um paulista, por exemplo, simplesmente abandonou a sua mansão em São Paulo e instalou-se com a família em uma modesta casa na Lagoa. Dirige um carro popular na cidade e a cada três meses fica uma semana no exterior com a esposa e filhos. E há muitos desses exemplos na Ilha. Mas predomina os que vivem no deleite de exibir o que têm. Mas tudo isto faz parte da cultura da pessoa, do seu nível e modo de ver e entender a sociedade. São comuns pessoas que se sentem felizes exibindo a opulência. Isso, só psiquiatra ou psicólogo explica.
Florianópolis perdeu o comprometimento da sua população. A acentuada imigração é apontada como causa da alienação popular em relação aos problemas da cidade, mas isso não tem fundamento. Quem veio morar nesta terra não concorda com a sua depreciação em nível de qualidade de vida. A principal razão da apatia dos habitantes é a incompetência da gestão pública, que se isola, faz o que quer e congela a participação popular.
Não sei se o senhor Paulo é de Florianópolis. Eu sou florianopolitano e só me afastei desta ilha faceira por ocasiões de viagens de estudo e trabalho. E tenho reiterado que o grande dilema da cidade é a megalomania dos administradores. Quase a totalidade quer fazer e fazer obra, sem enxergar a vida da cidade, suas belezas e aposto que nenhum dos governantes parou ainda para ver o nascer e o pôr do sol. O negócio é fazer obras e, por isso, eles acham que o grave problema é a falta de viadutos, de estradas mais largas, etc.etc.
Em uma cidade dos Estados Unidos, cujo nome foge à minha memória, mas que fica nas imediações da Califórnia, o prefeito fez uma inovação: instituiu, com a aprovação da sociedade, o expediente de trabalho para todos os moradores, inclusive o comércio, das 7 às 20 horas , ampliando o fim de semana de lazer de sexta a domingo. A principal meta foi o de economizar energia, já alcançada com 14% de redução do consumo, mas a população descobriu que com mais tempo para o lazer, a cidade tornou-se mais alegre, a prefeitura preocupou-se em ampliar os parques e equipamentos de diversão.
Florianópolis é uma cidade que pensa no turismo, mas está atrofiada, tensa, mergulhada na neurose urbana, e o ritual da maioria das famílias é estar entre a casa, serviço e escola, quando tem de levar e buscar os filhos. E nessa mesmice, bate o desespero nas pessoas presas no engarrafamento, diante de sinaleiras sem sincronia ou desligadas. Hoje, 28, por exemplo, os semáforos da avenida Rio Branco e da rua Bocaiúva estavam desreguladas, aumentando os transtornos já provocados pelas chuvas torrenciais das primeiras horas da manhã. Onde estavam os guardas municipais? Com certeza, debaixo dos cobertores. Se houvesse sol, estariam junto das obras de recapeamento do asfalto, aturdindo a vida dos motoristas.
A diversão na Ilha é noturna, nas madrugadas, quando as novas gerações encontram realmente muitas alternativas de bares, shows, etc. As gerações mais velhas, entre 40 e 80 anos, que reúnem o maior contingente da ilha, não têm muitas opções, até porque os teatros vivem fechados, os cinemas são pobres em programação e pouquíssimas casas de shows e bares têm a coragem de fechar as portas para músicas eletrônicas que arranham os tímpanos (não quero dizer que sejam todas).
Nas manhãs e tardes de fins de semana, as alternativas estão fora da Ilha, a menos é claro, no verão, para quem já aprendeu a conviver com a superlotação, e a ter paciência atrás de carros de gringos a 15 km por hora. Mas o florianopolitano é de paz e paciente, principalmente com o alcaide.
Governar é saber adequar a cidade às condições reais impostas pela sua organização geográfica, seus patrimônios naturais, etc. Por que, por exemplo, todos os profissionais precisam iniciar suas atividades às 8 horas, excetos os gestores, é claro, e encerrar às 18 horas? Por que as escolas também precisam cumprir esse horário comercial? Por que só se vê como solução para o monstruoso engarrafamento diário na via expressa continental a triplicação de cada pista? Por que todos os que moram em São José, Palhoça, Biguaçu e em outras cidades vizinhas precisam estar na ilha até às 8 horas? Será que um prefeito não pode parar para pensar em solução mais sensata? Por que as aulas da UFSC e da Udesc têm que se encerrar justamente às 12 horas? Se a UFSC alterasse seus horários, com certeza não seria preciso duplicar a rua do bairro do Pantanal, pelo menos a médio prazo.
Por que as repartições públicas, encasteladas na Ilha, obedecem ao horário do comércio? Por que não começar a proibir construções de comércio e repartições públicas em locais onde poderiam provocar transtornos no trânsito ou agredir a natureza, como o novo prédio do Ministério da Fazenda debaixo da ponte Hercílio Luz? A prefeitura libera alvarás a escolas, bares e restaurantes sem se preocupar com os problemas que deles possam advir. Nada é previsto; tudo se improvisa.
Por que a gestão do alienígena Dário Berger não se preocupa em melhorar a centenária Praça XV, onde a velha figueira caiu no esquecimento, até mesmo nas tardes fagueiras poetizadas na canção de Zininho? Por que a Ilha não tem um parque natural? Por que deixaram destruir o aterro da Baia Sul, permitindo a construção daquele prédio abominável do centro de convenção, cujo arquiteto não enxergou o mar, escondendo-o atrás de um paredão? Além disso, instalaram, justamente no aterro, um sistema de tratamento de todo o cocô da cidade. Você, senhor Paulo e demais leitores, lembram-se de como era o aterro? Nele havia quadras de esporte, escolinha de trânsito, um parque projetado por Burle Max, etc. Tudo aquilo foi arrancado para ceder lugar a um monstrengo de centro de convenção, que deveria ter sido construído no norte da Ilha, onde a rede hoteleira fica ociosa durante nove meses por ano. Mas, um dos sócios do centro de convenção, tem seus hotéis no centro da cidade. Aí, prevaleceu o interesse do investidor, contra a necessidade da cidade. Mas a culpa disso é do ex-prefeito Sérgio Grando. Por que instalaram justamente no aterro o sambódromo?, onde há sérias dificuldades de mobilidade? Qual a razão de não se planejar a cidade como um todo, proibindo-se obras que saem diretamente das cabeças jactanciosas de prefeitos, secretários e de vereadores?
O arquiteto André Schmitd venceu um concurso patrocinado pela Acif (Associação Comercial e Industrial de Florianópolis) com um projeto maravilhoso, que devolvia às áreas no contorno do Mercado Público as águas do mar, através de um canal, por onde circulariam embarcações, inclusive barcos de pesca, que nos anos 60 despejavam toneladas de peixes aos mercadores. O projeto é simplesmente maravilhoso. Mas a então prefeita Ângela Amin ignorou o projeto premiado e construiu o terminal urbano justamente por onde passaria o canal. Por que o novo terminal não foi instalado onde está o antigo, que virou ponto de drogas? Porque a prefeita não quis.
A cidade vive do improviso. Vejam as obras de recapeamento asfáltico da beira-mar. Por acaso o asfalto dessa avenida estava tão ruim, dificultando o trânsito de veículos? Não me lembro de buracos em excesso. Por que então não se escalonou a obra de recapeamento de forma a não atrapalhar a vida dos cidadãos? Ah, o secretário de obras explicou que não poderia mudar um contrato já assinado em novembro. E como assinaram um contrato sem prever as conseqüências? Pura incompetência! Mas há jornalistas defendendo o prefeito, na surrada e inverossímil máxima de que “quando não se faz, se critica; e quando se faz também se critica”. Bobagem!
Florianópolis poderia ganhar um novo slogan: “Cidade do Improviso”. Agora, Paulo, se achas que o que eu falei acima está errado, continue aplaudindo o alcaide e os edis da cidade. Seja conivente com essa tendência. Florianópolis dos próximos 10 anos estará repleta de viadutos de concreto, avenidas de seis pistas etc.etc., igual a São Paulo, hoje recheada de tudo, principalmente de carros e de pessoas alucinadas que precisam de 30 minutos para vencer três quilômetros em quaisquer ruas centrais.
Singapura é uma ilha pouco maior que Florianópolis e com quase três milhões de habitantes. E tudo funciona bem naquele país. E sabe por quê? Há organização e leis severas. A pequena Singapura tem espaço até para a Fórmula1 e um porto que exporta para o mundo inteiro. Aqui, nesta ilha bem mais atraente que Singapura, somos incapazes de limpar a maior reserva de mangue do Brasil, que poderia ensejar à população e aos turistas passeios maravilhosos de barco, por exemplo. O egocentrismo impera porque Florianópolis é governada pela lei de Gerson, que acaba contaminando boa parte de sua população. No próximo fim de semana, haverá na praça a quermesse dos vereadores. Quem ainda não tirou carteira de identidade e não tem dinheiro para cortar o cabelo, aproveite. Tudo é de graça. Fantástico, não?
Bem, não custa perguntar: é esse o papel da Câmara Municipal?