A defesa equivocada dos artistas de sinaleira

A defesa equivocada dos artistas de sinaleira

Um grupo está convocando uma manifestação “em defesa dos artistas” para amanhã, na sinaleira em frente ao Beira-Mar. Pretendem protestar contra a “forma como são tratados os artistas” na cidade.
É lamentável que tanto esforço, boa vontade e espírito de luta seja desperdiçado para defender um equívoco. Fazer qualquer coisa no meio dos carros, numa avenida, é idiotice. Insensatez. Distribuir panfletos, vender jornais, esmolar, fazer performances artísticas ou não, caminhar, passear, exibir os glúteos… tudo, quando feito no meio da rua reservada aos veículos automotores, expõe todos a risco. Os ocupantes dos veículos e os que se exibem.
Não se vê, infelizmente, gente disposta a mobilizar a sociedade e chamar a atenção para a situação dos artistas de uma maneira geral. Porque, por menos que queiram acreditar os que estão, neste momento, fascinados com a possibilidade de ter seus 30 segundos de fama no jornal local de TV, existem problemas graves para o fomento das atividades artísticas e a própria arte na cidade. E a arte pode e deve ocupar espaços públicos na cidade. Para entreter, para provocar, para iluminar.
Transformar aquela atividade comercial desenvolvida nas sinaleiras, aproveitando um público cativo, controlado por pardais, ameaçado por multas, em arte a ser defendida por extensa e intensa movimentação, é muito conveniente para todos aqueles que, ao longo dos anos, trataram artistas e arte a pão e água. Dirigir o foco das atenções para um alvo falso e equivocado, é ótimo. Cria uma distração (tal e qual no mundo da mágica), enquanto a coisa verdadeira continua como está. Enquanto nos batem a carteira.
O que vai acontecer? O prefeito bonzinho de olho em 2010 ou algum vereador oportunista, criará leis para “proteger” os artistas de sinaleira. Institucionalizaremos, contra o Código de Trânsito, contra o bom senso e contra qualquer argumento razoável, esse tipo de mendicância artística. Enquanto isso, os teatros continuam vazios, os projetos continuam sem verbas, os livros sem editora e sem bibliotecas. Às favas todas essas bobagens de educação do público espectador, de criação de hábito de consumir cultura e arte. Longa vida, nas sinaleiras da cidade, aos distribuidores de panfletos de imobiliárias, aos vendedores de jornais, aos vendedores de docinhos, aos pedintes de todos os tipos, e, no meio deles todos, artistas e “artistas”. Todos a esmolar, que parece que esta é a arte na qual somos especialistas.
Uma pena.
(Cesar Valente, DeOlhoNaCapital, 05/08/2009)