Trabalho de professor da UFSC lembra que Florianópolis está longe de ser uma cidade perfeita

Trabalho de professor da UFSC lembra que Florianópolis está longe de ser uma cidade perfeita

“É necessário deslocar os holofotes dos alquimistas que focam a Ilha da Magia para que mostrem a cidade fractal que Florianópolis também é”, afirma o professor Hoyêdo Lins, formado em Ciências Econômicas e em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutor em Geografia e Organização do Espaço pela Université François Rabelais/França, sobre seu artigo selecionado para apresentação no XIII Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ENAnpur). O evento será realizado entre os dias 25 e 29 de maio, no Centro de Cultura e Eventos da UFSC.
O trabalho ´A Ilha da Magia e seus Alquimistas: Alto-Relevo de Processos Recentes numa Cidade-Capital` levanta a problemática da ênfase excessiva na idéia de que Florianópolis é um paraíso, onde o turismo e o desenvolvimento tecnológico são fantásticos. E alerta para o fato de que nessa “cidade dos sonhos” há também desigualdades sociais, criminalidade, degradação ambiental, favelas e outros problemas comuns dos aglomerados urbanos.
A cidade turística
Não faltam motivos para que Florianópolis seja considerada um perfeito exemplo de sincronia entre tecnologia e turismo. Na semana passada, nos dias 15 e 16 de maio, foi realizado na cidade o Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC, sigla em inglês), o mais importante evento da área, a primeira edição sediada no Hemisfério Sul. A capital catarinense tem 42 praias, algumas em excelente estado de preservação, como a da Lagoinha do Leste, que proporciona maravilhosos panoramas a serem descobertos pelas trilhas da Ilha de Santa Catarina. A vida noturna na cidade apresenta diversas possibilidades de diversão, casas noturnas, shopping centers e uma variedade de restaurantes que servem do México ao Japão.
Atualmente Florianópolis é destino de turistas de todo o mundo, o que mostra que o marketing turístico da cidade é grande e eficiente. Lins conta que quando estava em Nova Iorque (EUA) viu um ônibus passar com as laterais pintadas. Nelas estavam um surfista, uma praia fantástica e uma sorridente família, além dos dizeres em letras garrafais: “COME TO FLORIPA”.
A tecnologia
No âmbito tecnológico a cidade também é referência. Há dois anos o setor tecnológico da cidade arrecada o dobro em relação ao turístico. São cerca de 350 empresas de base tecnológica somente na região de Florianópolis. Muitas delas trabalham com a produção de softwares para jogos e todas utilizam a grande disponibilidade de recursos humanos capacitados nas universidades da região. Somente na UFSC são 12 cursos de engenharia que formam profissionais aptos a trabalhar e desenvolver a área tecnológica.
Há também incubadoras de empresas como o Centro Empresarial para Laboração de Tecnologias Avançadas (Celta), localizado no Parque Alfa, na SC 401. A incubadora presta serviços a fim de incentivar a criação e o desenvolvimento de empresas com base tecnológica. O Sapiens Parque, ainda em fase de planejamento, é outro grande projeto que envolve tecnologia. Com uma área de 1,3 milhões de m² já definida no bairro de Canasvieiras, o projeto deve convergir as áreas de tecnologia e as demais ciências em um só lugar, buscando o desenvolvimento socioeconômico, tecnológico e científico não só da cidade, mas de todo o país.
O que a cidade não deixa de ser
“É fundamental valorizar todo esse desenvolvimento e potencialidade de Florianópolis, mas a ênfase excessiva é prejudicial, pois a cidade não é um ‘paraíso’ como sugerem os ‘alquimistas’ ”, lembra o professor. Brincando com a idéia de que os alquimistas são capazes de transformar qualquer metal em ouro, ele fala que é importante que a sociedade e os governantes de Florianópolis não esqueçam que ela também tem seus problemas.
O professor usa a expressão ‘cidade fractal’ no sentindo de fragmentada, de irregular. E não é só no relevo que Florianópolis é assim, com seus morros e lagoas, mas principalmente no aspecto social. A população favelada triplicou em 15 anos. Um dos motivos é a migração. Justamente pela idéia de que a cidade é uma Ilha da Magia muitos vêm em busca de ascensão social, mas acabam se deslocando para as periferias ou para os municípios próximos. Em 30 anos, enquanto a população estadual dobrou, a população do aglomerado urbano da Grande Florianópolis aumentou em 3,5 vezes e hoje corresponde a 15% da população de Santa Catarina.
Outra crítica de Lins é sobre o crescimento urbano da Capital, que carece em muito de planejamento. A própria formação geográfica da cidade reflete problemas para a urbanização: são morros, praias, manguezais e costões. Entretanto, é fundamental que esse processo de urbanização seja feito de forma coerente, levando em conta principalmente o meio ambiente. “Caso contrário o próprio crescimento desordenado pode afetar o principal atrativo turístico da cidade, as belezas naturais”, preocupa-se o professor.
Esse problema é observado por exemplo no Norte e no Leste da Ilha, onde em pouco tempo a paisagem mudou muito. O turismo, principal nutriente econômico dessas regiões, é diretamente afetado pela degradação. “Estranho que em muitos casos são justamente restaurantes e hotéis que poluem essas áreas, quando deveriam ser os primeiros a preservá-las, considerando seus interesses econômicos”, avalia Hoyêdo.
Para ele, exemplo do caráter fractal da cidade de Florianópolis é o bairro dos Ingleses, com grandes condomínios e belas casas, destino de muitos turistas, principalmente argentinos. Nesse mesmo bairro, rico e cheio no verão, há a Vila Alvoredo, conhecida também como Favela do Siri, uma das comunidades mais pobres da Ilha. Localizadas nas dunas da Praia dos Ingleses, cerca de 160 famílias convivem com o continuo avanço das dunas a uma velocidade de 6,8 metros ao ano.
Outra preocupação é a falta de perspectivas que reflete no aumento da criminalidade. Durante o verão essa população até consegue alguma renda, como ambulantes ou em empregos temporários, mas fora da temporada a carência financeira é agravada. Outro agravante citado por Lins em seu artigo é a captação clandestina de água e o uso sanitário de fossas. Sem tratamento a população corre riscos de doenças e o lençol freático pode ser seriamente degradado.
Já chamada alguma vezes de a “Florida brasileira”, de “Silicon Island” e de “St. Tropez da América do Sul”, Florianópolis deve desenvolver outros aspectos para ser a “Ilha da Magia”. “Realçar o caráter fractal desse tecido urbano significa um rechaço à idéia, presente em alguns discursos locais e mesmo extra-locais, de que a situação florianopolitana é uma espécie de exceção no quadro urbano brasileiro”, conclui o professor.
O XII Enanpur
Durante os cinco dias de encontro cerca de 350 trabalhos serão apresentados nas sessões temáticas durante o período da tarde. Outros 50 temas serão abordados nas sessões livres, à noite, além daqueles que serão debatidos pela manhã nas mesas-redondas.
O evento também contará com as presenças da geógrafa Bertha Becker, do sociólogo Emir Sader e Ananya Roy, da Universidade de Berkeley, que realizarão conferências. Com temas sobre a Amazônia, Política, e Planejamento Urbano respectivamente as apresentações estão marcadas para os dias 25, 26 e 28.
Outras informações no site www.xiiienanpur.ufsc.br
Contato com oprofessor Hoyedo: (48) 3721-6626 / hnlins@cse.ufsc.br
(Erich Casagrande, Agecom, 22/05/2009)