Magistrado salva ponte!

Magistrado salva ponte!

O juiz Júlio Guilherme Berezoski Schattschneider desferiu mais um de seus golpes de mestre contra a insegurança jurídica provocada por supostos conflitos de competência entre os órgãos públicos ligados ao meio ambiente.
A sentença foi prolatada em Ação Civil Pública do procurador Eduardo Barragan, o qual pretende a suspensão definitiva das obras de recuperação da ponte Hercílio Luz, requerendo concessão de medida liminar para a paralisação imediata. Barragan indicou como réus o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e o Departamento de Infraestrutura de Santa Catarina (DEINFRA). Para o procurador, os órgãos teriam que obter licença do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA), mediante a elaboração de Estudo e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), que deveriam ser analisados por uma equipe de cientistas sociais, para “avaliação dos impactos no meio social” de ocupantes estabelecidos clandestinamente sob o monumento, vivem da pesca artesanal e teriam que sair de lá. Barragan requeria, ainda, que o licenciamento ambiental das próximas etapas do empreendimento ficasse ao encargo do IBAMA – órgão aparelhado por notórios eco-xiitas oriundos do aparato sócio-ambientalista catarinense, os quais vêm ocupando os cargos em regime de rodízio. Além disso, para o procurador, a ponte é um bem tombado que não pode ser reaberto ao tráfego.
Na conclusão da sentença prolatada em 7 de abril último, Schattschneider negou a liminar de paralisação das obras, declarando que “a alegação que consta da inicial não é verossímil”, que “o impacto ambiental, cuja existência é provável, não pode ser classificado como de âmbito sequer regional”, e que “nada do que consta dos autos indica que a obra em questão, ainda que potencialmente, possa causar degradação significativa ao meio ambiente”, razão pela qual “a antecipação dos efeitos da tutela não pode ser deferido”. No mesmo ato o juiz também indeferiu o pedido de Barragan para intimação do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e da FCC (Fundação Catarinense de Cultura).
Excesso de documentos
Na abertura de sua decisão o magistrado voltou a insistir em seus alertas anteriores, ao transcrever e elogiar uma dura crítica da juíza Marjôrie Cristina Freiberger, manifestada em sentença recente: “Nas ações civis públicas que tramitam perante o Juízo desta Vara Ambiental”, denunciou Marjôrie, “constata-se a enorme dificuldade criada no manuseio, e sobretudo na análise dos autos, devido ao número excessivo de documentos juntados pelas partes, muitos dos quais inservíveis como meio de prova e repetidos várias vezes durante a tramitação processual (como capas de processos administrativos, mandados, cópias de ofícios etc), o que em nada contribui para a celeridade e efetividade da prestação jurisdicional, além de implicar custos desnecessários”.
Schattschneider prosseguiu, criticando os autos principais da ACP de Barragan, que “já contam com quatro volumes (791 páginas) e, além disso, o Ministério Público Federal enviou outros 15 anexos (com pelo menos mais de 1.500 páginas)”, onde “há até mesmo, entre outras, a cópia integral da obra técnica, no original em inglês, de D. B. STEINAN: “A Practical Treatise on Suspension Bridges” (fls. 604 a 671)”. Por isso determinou à Secretaria “que procedesse à retirada dos autos de toda a documentação cujo número de folha não estivesse expressamente citado na petição inicial”, devolvendo-a ao Ministério Público, “sem prejuízo de que, no prazo de cinco dias, ele requeira a juntada daqueles de fato relevantes ao julgamento da causa, mediante petição que contenha fundamentação específica”.
Consta na consulta virtual o registro de uma certidão de 14 de abril, da secretaria da Vara Federal: “Certifico que em cumprimento ao despacho desentranhei os documentos cujo número de folha não foram expressamente citados na petição inicial e renumerei os autos a partir da folha 34. Certifico, outrossim, que não foram encontrados os documentos mencionados no terceiro parágrafo da fl. 12 (PA MPF, fls. 149/163). Certifico, ainda, que os documentos desentranhados se encontram a disposição do Ministério Público Federal.”
Mera recomendação do IBAMA
Também nesta sentença – como já fez anteriormente – o magistrado refere dificuldade com a falta de objetividade no texto da petição inicial do MPF, que parece ter-lhe imposto trabalho extra de interpretação dos argumentos no calhamaço para resumi-los em dois itens com menos de 30 palavras:
“A ação, se de fato compreendi a petição inicial, baseia-se em dois principais argumentos: [a] o início da obra demandaria a realização do Estudo e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA); e, [b] o seu licenciamento deveria ter sido realizado pelo IBAMA.”
Schattschneider transcreve parte do documento do IBAMA no qual Barragan fundamentou “primordialmente” seus argumentos, para demonstrar que o texto configura “mera recomendação” do órgão, “que, de qualquer modo, não encontra, em princípio, sustentação na Lei”. No texto transcrito, o IBAMA diz claramente que “considerando magnitude das obras de reabilitação da ponte, a condição de monumento histórico sendo bem tombado pelo IPHAN, é recomendável que o respectivo licenciamento se louve dos estudos de Impacto Ambiental e do consequente RIMA […]”.
O juiz reiterou decisões anteriores suas dizendo que “a regra geral é no sentido de que o licenciamento ocorra sempre por meio de ato emitido pelos órgãos estaduais (caput do artigo 10 da Lei n. 6.938/1981), exceto “no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional” (§ 3º), quando a competência é privativa do IBAMA. Assim, pouco importa quem seja o proprietário do imóvel em que esteja localizada a obra ou atividade a ser licenciada, pois o que determina a competência da Autarquia é a magnitude do impacto ambiental que elas possam causar”.
“Além disso”, explicou, “a Constituição estabelece (artigo 225) que para assegurar a efetividade ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, “incumbe ao Poder Público exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”.
“A meu ver”, concluiu, “e levando em conta a presunção de legitimidade dos atos da Administração em geral e que se trata de uma análise liminar -, não ocorrem quaisquer uma destas hipóteses. O impacto ambiental, cuja existência é provável, não pode ser classificado como de âmbito sequer regional. E nada do que consta dos autos indica que a obra em questão, ainda que potencialmente, possa causar degradação significativa ao meio ambiente”.
Nota da redação:
Todos os grifos constam no original da sentença.
(Maria Aparecida Nery, Ilha Capital, 04/05/2009)