16 abr No meio do fogo cruzado: aprovação e sanção do Código Ambiental
Em meio ao fogo cruzado criado com a aprovação e sanção do Código Ambiental de Santa Catarina, as decisões a serem tomadas no meio rural podem se tornar contestáveis.
O presidente da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB/SC) e professor de Direito Ambiental da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Marcelo Buzaglo Dantas, considera que os produtores rurais não devem seguir o novo código. Para ele, se o agricultor seguir somente as normas da lei recém-aprovada, poderá ficar sujeito a uma série de questionamentos.
– Uma licença ambiental com base no novo código é muito frágil porque ofende a legislação federal – exemplifica.
O advogado afirma que, pelas decisões históricas, o Supremo Tribunal Federal (STF) tende a decidir pela inconstitucionalidade de artigos de leis estaduais que confrontem com a legislação federal em todas as matérias. Nas questões ambientais, Dantas cita uma decisão de 2001, sobre a Constituição do Estado. A lei previa que não haveria necessidade de estudo de impacto ambiental nas implantações de reflorestamento, contrariando a regra federal. Julgada a ação, a questão foi considerada inconstitucional.
– Não é uma coisa que achamos; é a orientação histórica do STF – diz.
Um caso considerado constitucional diz respeito ao amianto branco. Segundo Dantas, o Estado de São Paulo legislou mais restritivamente se comparado à regra federal. Como o objetivo é proteger o meio ambiente, o STF deu validade à lei estadual.
Dantas aponta também a “inconstitucionalidade do código”. Para ele, dois artigos são os que mais se chocam com as normas federais: a redução das Áreas de Proteção Permanente (APPs) em rios ou cursos d’água e a compensação da reserva legal com as áreas de APP.
Para Dantas, há um equívoco de interpretação por parte do governo do Estado sobre o artigo 24 da Constituição Federal. O artigo fala em competência concorrente da União e dos estados para legislar sobre meio ambiente.
– Isso quer dizer que a União estabelece normas gerais e os estados, suplementares. Somente no caso de não haver legislação federal é que o Estado pode legislar, criar regras – frisa.
Ministro do Meio Ambiente diz que lei deve ser ignorada
As normas suplementares, segundo o advogado, são apenas mais restritivas que as federais. Por exemplo: a lei federal relata que são áreas de proteção as que estiverem ao redor de lagoas, mas não há fixação de metragem. Nesse caso, o Estado poderia estabelecer a quantidade de metros para a proteção ao redor de lagoas.
A Federação da Agricultura do Estado de Santa Catarina (Faesc) entende que o novo código é constitucional. Portanto, orienta que os agricultores cumpram o que ela prevê. Na interpretação da Faesc, somente o STF pode dizer se o código é ou não inconstitucional. A entidade defende que, como foi votado e aprovado na Assembleia Legislativa no dia 31 de março e sancionado pelo governador na última segunda-feira, o código é uma lei válida.
A provação do código tem gerado atrito entre o governador Luiz Henrique da Silveira (PMDB) e o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que determinou aos fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que ignorem a lei catarinense e prendam quem segui-la.
Ontem à noite, o governador Luiz Henrique visitou a feira portuária Intermodal, em São Paulo. Foi cercado por jornalistas do centro do país, que queriam saber qual seria a atitude do Estado após as ameaças de Minc. O governador disse confiar em uma decisão favorável da Justiça, caso o Ministério do Meio Ambiente questione a constitucionalidade da legislação estadual.
Além disso, o governador enfrenta pressão do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e do Ministério Público Federal (MPF). Ambos preparam representações contra o Código Ambiental.
O agricultor Waldir Ineichen, de Blumenau, é um dos que se sente inseguro com a polêmica em torno da lei estadual. Ele tem uma propriedade de 10 hectares na Itoupava Central, onde cria suínos e peixes de água doce. Em volta da lagoa que possui, preserva cinco metros de mata ciliar, como prevê a lei catarinense, e não 30, como determina a lei federal. Ele torce pela lei estadual.
Procurador da República planeja representação
A sanção do Código Ambiental é monitorada pelo Ministério Público Federal (MPF) em Blumenau.
O procurador da República na cidade, Ricardo Kling Donini, aguarda ação da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a inconstitucionalidade da lei catarinense. Caso a AGU demore a ajuizar ação, o procurador procurará apoio para elaborar a representação.
– O objetivo do Estado é político. O Código Ambiental foi inventado para viabilizar de uma forma mais eficaz a exploração agropecuária em Santa Catarina – defende.
Segundo Donini, a grande polêmica é de que o Estado não tem competência para ser menos restritivo na matéria ambiental do que a lei federal.
Pagamento incentiva quem vive no campo
Também diz que o Estado perdeu a oportunidade de criar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) Ecológico, como ocorre no Paraná, onde há o abatimento do imposto àqueles municípios que preservam o meio ambiente.
– O governador fechou os olhos aqui porque a criação do ICMS Ecológico diminuiria a arrecadação estadual – acredita Donini.
Por outro lado, a criação de um pagamento aos que preservarem a mata nativa atrai a classe rural.
Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Blumenau, Márcio Schwanz, com o código catarinense os agricultores familiares que comprovarem que estão preservando a mata receberiam o pagamento por intermédio de um fundo a ser criado pelo governo estadual.
Para cada hectare preservado, pela lei o produtor rural poderia receberi três salários mínimos preservados.
– Se o governo bancar o meu sustento para preservar a natureza, eu paro de produzir na hora. Ao contrário, eu preciso continuar colocando comida na mesa para a minha família – afirma o produtor Waldir Ineichen.
Lei catarinense repercute no país
A aprovação do Código Ambiental de SC repercutiu em todo o país.
Os jornais O Estado de S. Paulo e Correio Braziliense, para citar dois exemplos, destacaram o tema e disseram que ele causa atrito entre o governador Luiz Henrique e o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.
A lei é questionada por ambientalistas do Estado. O biólogo Nélcio Lindner classifica o caso de irresponsabilidade:
– É uma irresponsabilidade dos gestores públicos e do nosso governador aprovar esse código. Essa geração vai se arrepender amargamente.
A principal divergência dos ambientalistas é quanto à diminuição da distância a ser preservada de mata ciliar nas margens dos rios.
Lindner diz que a qualidade da água já é péssima no Estado. Com a redução da mata ciliar para cinco metros, ainda permitirá ao agricultor construir estábulos e chiqueiros muito perto do curso d’água, contaminando-a com dejetos.
– A longo prazo o código não trará benefícios aos agricultores. No futuro, nós vamos gastar mais dinheiro recuperando as águas – acredita.
Torcida para fim das divergências
A manutenção de um dos três aviários da família Tecchio, na propriedade localizada na linha Fernando Machado, em Coronel Freitas, no Oeste do Estado, depende da manutenção das regras do novo Código Ambiental de Santa Catarina, questionado pelo Ministério do Meio Ambiente.
Jovita Tecchio, uma das proprietárias da área de oito hectares circulada pelo Rio Taquaruçu, onde fica o aviário, diz estar preocupada com a situação.
– Estamos torcendo pelo código novo e pelo fim das divergências – frisa Jovita.
O filho, Ezequiel Tecchio, esclarece o motivo da torcida:
– Se fosse pela lei federal, quase toda a propriedade seria de área de preservação. Aí o aviário teria de ser derrubado.
Para conseguir continuar produzindo antes da aprovação da nova lei estadual, a família fez um termo de ajustamento de conduta judicial, que impedia produzir em um dos aviários, que está localizado a 27 metros do rio.
Como a lei federal exige um mínimo de 30 metros, a construção teria que ser desmanchada.
Com a lei estadual, que reduz de 30 para cinco metros a área de preservação nas margens dos rios, eles poderão continuar produzindo, sem interferir na obra.
Mas estão com dúvida devido ao impasse e ao não reconhecimento da lei estadual pelo Ministério do Meio Ambiente.
Produtor diz que já decidiu
O produtor Cláudio Hartmann diz que está “em um fogo cruzado” entre “duas leis que determinam condutas diferentes” em relação ao meio ambiente.
Mesmo assim, já sabe qual delas vai seguir na propriedade que tem em Campos Novos, no Meio-Oeste, onde planta soja, milho e trigo, cria bois e faz reflorestamento: a lei estadual.
– Quase todas as propriedades rurais do Estado são pequenas. Se a legislação federal for seguida à risca, como o ministro Carlos Minc quer, nosso Estado vai virar um jardim. Os produtores não terão como se manter no campo e irão se acotovelar nas cidades. Se o nosso código não for respeitado, será o fim da agricultura catarinense – diz Hartmann, vice-presidente da Cooperativa Regional de Campos Novos (Copercampos).
Ele entende que a realidade de cada Estado deve ser apreciada:
– Se o Minc tivesse vindo a Santa Catarina, saberia que as normais estaduais são as mais adequadas para manter a agricultura.
(Francine Cadore, Darci Debona, Lilian Simioni e Júlia Borba, DC, 16/04/2009)