20 jan Matando os balneários
Da coluna de Moacir Pereira (DC, 20/01/2009)
A Rua Bocaiúva ocupou função estratégica durante os séculos em Florianópolis. Continua hoje mais importante. Ao longo da história, acolheu descendentes alemães, que ali construíram mansões, algumas preservadas, como a do falecido barão Udo von Wangenhein, preciosidade arquitetônica e ecológica que enriquece a paisagem da Ilha de Santa Catarina. Ou a conhecida chácara da Molenda e a belíssima residência que se transformou na Reitoria da UFSC, a partir da década de 1960, e depois foi cedida, servindo hoje ao comando do Exército.
É uma via que, atualmente, abriga hotéis de bandeira internacional, restaurantes premiados, lojas frequentadas pela elite e pomposos edifícios.
Ganhou milhões de citações da crônica esportiva por sediar o Campo da Liga, o popular “Pasto do Bode”, mais tarde estádio do Avaí. Ali mesmo, há 15 anos, funciona o Beiramar Shopping, outro ponto de extraordinária concentração popular.
Pois a Rua Bocaiúva está transformada no símbolo da poluição descontrolada, da omissão do poder público, da ausência de autoridade e de uma apatia irritante da cidadania, geralmente silenciosa e cúmplice de crimes contra a natureza, o patrimônio e sua própria saúde.
É um dos exemplos mais fortes do processo de destruição da qualidade de vida na Ilha de Santa Catarina. E, pelos relatos de outros balneários, de muitos municípios que cresceram desordenadamente no litoral catarinense.
A irregularidade registra-se há três anos na Rua Bocaiúva, confluência com a Altamiro Guimarães, portanto, numa das esquinas do Beiramar Shopping. Mas repete-se na principal via pública de Canasvieiras e está acontecendo, com semelhante apatia, em outras praias estaduais.
Denúncias
Quando chove em Florianópolis, o esgoto “in natura” ali boia sobre o asfalto e sobre a calçada. Moradores já fizeram de tudo. Ligaram para a Casan, mas não receberam sequer um protocolo. Esperaram meses e nada aconteceu. O problema não era da Casan, alegaram, embora o esgoto da Casan esteja misturado às galerias fluviais e sendo todo ele destinado às águas da Baía Norte, liquidando a flora e a fauna marinhas. Denunciaram, então, à Vigilância Sanitária. Foram remetidos para a Polícia Ambiental. Esta, inteirada da grave ocorrência, endereçou os reclamantes para o Pró-Cidadão. Ali, para completar a tragédia da incúria, a atendente, certamente nova na cidade, sequer sabia onde fica a Bocaiúva com Altamiro Guimarães.
Um dos residentes nas imediações tem farta documentação, com fotos e filmes, desta calamidade pública. Juntou tudo, inclusive, ocorrências do início do ano, e encaminhou a papelada com uma representação ao Ministério Público Federal.
Florianópolis tem uma grande vocação econômica, alardeiam todos e enfatizam em seus discursos as autoridades: o turismo. Investe milhões de reais dos contribuintes em viagens, propaganda, congressos, contratos com especialistas e todo tipo de evento.
Mas até hoje, na maioria dos municípios do litoral, o cidadão comum e o visitante não encontram um único telefone, uma ouvidoria, para denunciar e exigir direitos elementares de vida em sociedade ou de proteção de um patrimônio que é de todos. E que vai morrendo aos poucos pela falta de educação, pela omissão e pela mais absoluta impunidade.
O que está ocorrendo aqui, numa das vias históricas da Ilha, é mais uma prova da incompetência num negócio que hoje representa a salvação econômica de populações inteiras de vários países.