19 dez Construtoras faturam com arte em frente a prédios da capital
Lei municipal prevê o aumento da área construída e é usada para aumentar preço dos imóveis através da instalação de obras artísticas
A Lei Municipal 3255/89, aprovada em 1989 e implantada em 1997, dá direito às construtoras de aumentar em 2% o estabelecido como área total pelo Plano Diretor municipal. Para isso, o empresário deve colocar no prédio, à vista de quem passa, uma obra de arte.
Vinte anos depois, essa lei é usada como mais uma forma de incrementar o lucro dos empresários do setor em Florianópolis. Segundo a engenheira civil Cristiane Santos, da Avalisc Engenharia de Avaliações, o metro quadrado na avenida Beira-Mar Norte vale R$5 mil – o mais caro do sul do Brasil. A média foi obtida a partir da análise de preço de mercado de 88 prédios.
Dessa forma, o lucro médio das construtoras com a ampliação da área prevista é de R$ 700 mil. Esse valor é muito superior ao pago por uma obra de arte, que raramente ultrapassa os R$ 50 mil.
O edifício João Moritz, recém inaugurado na Beira-Mar Norte, tem um dos metros quadrados privativos mais caros da cidade: cerca de R$ 11 mil. Um apartamento é vendido a R$ 3 milhões. Localizada atrás do prédio está a obra chamada A revolução do olhar, da artista plástica Giovana Zimmerman.
São tubos de aço inoxidável que pretendem “resgatar a organicidade do material à mostra, numa referência à galeria George Pompidou, em Paris”. Pelo projeto, a artista plástica recebeu R$ 10 mil e a execução, de responsabilidade da construtora, foi orçada em R$ 30 mil. Por causa da obra, a construtora Lumis teve um acréscimo de 130m2 à área ocupacional total. Esse espaço a mais vale R$ 650 mil. Descontados os R$ 40 mil investidos na obra, o lucro da construtora foi de R$ 610 mil.
O artista plástico João Otávio Neto, o Janga, vendeu ao condomínio Pedro Passos Residence, na Trindade, uma obra inspirada nas inscrições rupestres encontradas na Ilha de Santa Catarina. A escultura foi armada em caixaria de madeira e revestida de concreto.
Pela peça pronta, Janga recebeu da Beco Castelo cerca de R$ 17 mil. Com o adendo de 2% da área ocupacional, a construtora ganhou R$ 410 mil, e obteve um lucro líquido de R$ 393 mil.
Janga foi o idealizador da lei. Através do ex-vereador Michel Curi, apresentou a proposta. A idéia inicial era seguir o modelo que havia sido implantado no Recife, em que qualquer edifício com mais de 1000m2 seria obrigado a instalar uma obra de arte.
O formato não foi aprovado pela Câmara, que decidiu pelo acréscimo de 2% em área construída. Para Janga, que não sabia dos valores apresentados pela nossa reportagem, o benefício às construtoras é “um crime, um desrespeito aos artistas de todas as formas”.
A construtora Lumis, responsável pelo João Moritz, diz que está de acordo com a lei. “A gente não contrata um artista para suprir o aspecto burocrático ou para retorno financeiro. Há preocupação quanto ao contexto da obra do artista. Não é aprovada qualquer obra. A Lumis quer dar o retorno à população, pelo usufruto da obra de arte”.
Comissão responsável por julgar e aprovar projetos propõe mudanças
Antes de ser executado, um projeto deve ser aprovado pela Comissão de Arte Pública (COMAP). Os membros, que não sabem dos valores pagos aos artistas, pretendem modificar a lei.
A COMAP é formada por sete representantes de instituições interessadas no assunto. Entre eles, estão prefeitura, artistas plásticos e críticos de arte. A função deles é julgar se um projeto é adequado para se enquadrar na lei. Para isso, baseam-se em três critérios: vinculação da arte à linguagem do artista, qualificação do espaço público e aspectos de qualidade da obra.
A comissão não fica a par do valor negociado entre artista e construtora. Só quem sabe é a empresa responsável pela construção. Por isso, todos os artistas e membros da COMAP entrevistados ficaram espantados quanto aos valores revelados pelo ZERO.
A Secretaria de Urbanismo e Segurança Pública (SUSP) é quem fiscaliza a área total do prédio, mas, mesmo assim, não sabe dos valores pagos aos artistas.
César Floriano, o representante da COMAP no Plano Diretor participativo, diz que a comissão estuda mudanças na lei. Assim, as construtoras seriam obrigadas a repassarem 30% do lucro obtido pela vantagem na área ocupacional à compra da obra de arte. “Dessa forma, ou eles contratam um artista que faça uma obra no valor estipulado ou doam o restante do dinheiro a um fundo municipal de arte. Assim, poderemos investir em arte em outros locais públicos, como nas periferias”, defende Floriano. As regiões periféricas de Florianópolis não são beneficiadas por essa lei. Como o metro quadrado custa menos, a vantagem não representa lucro para as construtoras.
Novas regras
A atual comissão tomou posse em 2000. Segundo a professora de artes plásticas Sandra Ramalho, representante da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), as propostas estavam pouco detalhadas quando eles começaram os trabalhos. Com novas regras de avaliação, a comissão está mais segura para fazer escolhas. A nova equipe também institui, segundo Ramalho, que “a obra de arte não está ali para ser bonita, mas para questionar o espaço público”.
Para Maurílio Roberge, representante da Fundação Franklin Cascaes (FCC), “a comissão trabalha afinada e com harmonia. As pessoas são do mais alto nível, o que colabora no processo de avaliação”. (F.S.)
(O Zero, Setembro de 2008)