25 ago Bolsões de pobreza preocupam no norte da Ilha
Estudos estimam a existência de 4,7 mil moradias em áreas consideradas de risco na capital.
A tradicional e muito alardeada imagem de Florianópolis como uma capital com altos padrões no quesito qualidade de vida vem mudando nos últimos anos, com o surgimento de cada vez mais áreas conhecidas como bolsões de pobreza ou vulnerabilidade social, e o cenário do norte da Ilha preocupa em especial. Segundo estudos do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), a cidade conta hoje com 58 desses bolsões, que somam uma população de 60 mil pessoas. São áreas que, além de ser habitadas por famílias que sofrem com a baixa renda, o subemprego e desemprego, falta de mínima infra-estrutura de serviços públicos, ainda estão com freqüência localizadas em áreas de risco, como morros e dunas, e com freqüência tornam-se focos de atividades criminosas, como tráfico de drogas. Contribui em especial para essa situação o crescimento descontrolado da capital, com cada vez mais pessoas vindo em busca de oportunidades de trabalho que não se concretizam. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 1980 e 2007 a população de Florianópolis mais que dobrou. Passou de 187,8 mil habitantes para cerca de 400 mil. No mesmo período, a média de crescimento da população brasileira foi de 58%.
O presidente do IPUF, Ildo Rosa, reconhece a seriedade da situação e explica que essa está sendo uma das maiores preocupações durante as discussões em andamento entre o núcleo gestor e os núcleos distritais que estão elaborando o projeto do Plano Diretor Participativo de Florianópolis. No caso do norte da Ilha, um dos principais problemas está sendo a falta de criação de oportunidades de emprego e renda fora da alta temporada, pois muitas pessoas que habitam esses bolsões trabalham nos estabelecimentos turísticos, como hotéis, pousadas e restaurantes, durante o verão, mas não encontram outras alternativas durante o restante do ano. “Isso tem ocorrido muito em Ingleses e Canasvieiras, as pessoas vêm trabalhar na temporada, alugam locais de forma provisória em áreas como o Morro do Mosquito e Vila União, ai quando o serviço temporário termina, usam o dinheiro para fazer melhorias e esses locais acabam tendo uma expansão”, analisa
o presidente do IPUF. A maioria dos que vivem nos bolsões trabalham como catadores de lixo. Ele lembra que o Morro do Mosquito era uma ocupação inexistente cinco ou seis anos atrás e hoje se expande cada vez mais, de forma descontrolada.
O presidente do IPUF informa que a Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos (SUSP) tem feito um levantamento para identificação das residências nesses locais e que a administração municipal está negociando com os moradores no sentido de obter a remoção das moradias, muitas das quais localizadas em áreas de risco ou preservação ambiental, e instalação em locais mais adequados. Ildo conta que os estudos atualmente estimam a existência de 4,7 mil moradias em áreas consideradas de risco na capital. Ele lembra que, devido à questão da vulnerabilidade social dessas famílias, torna-se um processo difícil e delicado encontrar a melhor forma de resolver a situação, mas devido a isso acaba ocorrendo também uma tolerância que, no fim, contribui para que esses locais cresçam desordenadamente. Segundo o presidente do IPUF, Florianópolis é a única capital do País atualmente que ainda não tem regulamentada em lei a questão da criação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), assentamentos estruturados para receber famílias de baixa renda. Outra questão importante, afirma ele, é o reforço da fiscalização de novas construções, que hoje está concentrada apenas na SUSP e Fundação Municipal do Meio Ambiente (Floram). “Acredito que seria necessária uma grande força-tarefa, incluindo diversos órgãos municipais”, defende o presidente do IPUF.
Maçico – O principal projeto social de urbanização e humanização voltado a comunidades carentes em andamento na capital hoje é a revitalização do Maciço do Morro da Cruz, que tem a previsão de beneficiar 16 comunidades carentes, que somam 25 mil pessoas. As obras iniciaram em março e estão orçadas em R$ 54,6 milhões. Desse total, R$ 25 milhões vêm do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, 15 milhões do governo estadual e R$ 14,6 milhões como contrapartida da prefeitura. No último mês de julho, no entanto, surgiu um potencial risco de atraso na transferência de 400 famílias que residem em áreas de risco para casas populares a serem construídas no maciço, pois o Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinou que a prefeitura de Florianópolis suspenda o edital de concorrência com esse propósito, devido a irregularidades que contrariam a Lei de Licitações. A resolução desse problema poderá resultar num atraso de cinco meses no cronograma de obras do projeto.
Vila Arvoredo tem 164 famílias que moram precariamente
Todos concordam que bolsões de pobreza ou vulnerabilidade social são um problema grave, mas muito mais pessoas aparecem para criar dificuldades e obstáculos para solução dessa situação do que se oferecem para ajudar a resolvê-la. A comunidade da Vila do Arvoredo, em Ingleses, surgiu há 23 anos e era formada então por apenas 30 residências. Atualmente são 164 famílias morando em condições precárias, convivendo constantemente com o perigo do avanço das dunas, que já soterrou três ruas inteiras ao longo dos anos, e o preconceito e medo por parte de outros moradores da região, que no passado lhe rendeu o nome pejorativo de “Favela do Siri”. Nesse período, já foram propostos três locais para a transferência da comunidade, incluindo o Rio vermelho, Vargem Grande e a mais recente, um terreno de propriedade da Casan no Capivari de Baixo, que conta com um projeto de moradia e urbanização, ainda em negociação.
A presidente da Associação de Moradores da Vila do Arvoredo, Glaudeci Carvalho Ramos Branco, a “Galega”, diz que o problema constante nessas tentativas tem sido a reação negativa da comunidade desses locais, incluindo a realização de abaixo-assinados para impedir a vinda dos moradores da vila. “Ainda existe muito preconceito, as pessoas não percebem que os moradores daqui são pessoas que trabalham, há inclusive algumas que têm condições de se mudar para outro local”, reforça Glaudeci. A mudança para o Capivari já encontrou obstáculo inclusive junto à Igreja Católica local, que informou ter propriedade de uma porção de 30 mil metros quadrados no local e chegou a oferecer doação ou venda de 20 mil metros quadrados do terreno, mas mais uma vez houve resistência por parte da população da área. Atualmente, está sendo negociada a mudança para uma área de banhado também localizada no Capivari, mas é necessário negociar junto à Câmara de Vereadores a mudança de zoneamento do local.
Glaudeci conta que, mesmo para a resolução de problemas que afetam o próprio local, a comunidade não tem obtido ajuda do poder público municipal. Os moradores tiveram que fazer um mutirão para construir quatro casas em área mais afastada das dunas para famílias que corriam risco de ter suas moradias soterradas pela areia, e ainda há mais quatro que precisam ser transferidas. “Isso é obrigação da prefeitura, mas não temos nenhuma resposta deles”, lamenta. A presidente da associação lembra ainda que a própria comunidade, em acordo com a prefeitura, impediu que a vila sofresse um crescimento descontrolado, pois chegaram a haver 235 famílias morando no local, contra as 164 da atualidade, semelhante ao que também está sendo feito na Ponta do Leal. Ela defende que o medo de parte da população sobre a ocorrência de focos de criminalidade no local também está relacionado em grande parte ao preconceito. “O problema da violência e das drogas hoje está em toda parte”, aponta a presidente da associação. “Chegamos a passar dois anos sem nenhum acontecimento, quando ocorre algo é um acerto de contas, mas nunca vi matarem um pai de família, nada desse tipo”, reforça Glaudeci.
(Alexandre Winck, Jornal Folha do Norte da Ilha, 22/08/2008)