A orgia dos cruzeiros de cabotagem

A orgia dos cruzeiros de cabotagem

Artigo de Fernando Marcondes de Mattos — empresário (Ilha Capital, Março de 2008)
Os 42 resorts que ocupam a costa brasileira alcançaram em janeiro e fevereiro de 2007 uma taxa de ocupação média de apenas 60%. Agora em 2008, essa taxa não atingirá 55%. Taxas de ocupação tão baixas, em plena alta estação, deve ser caso único no mundo.
A explicação para esse desastre é simples: 430.000 brasileiros embarcaram nos cruzeiros de cabotagem e pelo menos 1.000.000 a mais em relação a 2006 foram para o exterior seduzidos pelo dólar barato. Conclusão: não sobraram brasileiros para os resorts nacionais.
RESORTS X CRUZEIROS DE CABOTAGEM
Inicialmente, faz-se necessário estabelecer a diferença entre cruzeiros internacionais e cruzeiros de cabotagem. Os primeiros partem de portos internacionais e alcançam o Brasil com passageiros estrangeiros, sendo que todos os gastos aqui realizados – pelos navios e passageiros – representam uma exportação de serviços, beneficiando a balança do turismo do país.
Os segundos, despachados para o Brasil pelos seus armadores durante a baixa sazonalidade nas suas áreas centrais de atuação, operam exclusivamente na costa brasileira, sendo os brasileiros o seu mercado alvo, senão único. No caso, as receitas auferidas pelos navios são contabilizadas como importação de serviços – pois os recursos são transferidos para o exterior – penalizando a balança de turismo, deficitária em US$ 1,5 bilhão em 2006, US$ 3,3 bilhões em 2007 e provavelmente US$ 5 bilhões em 2008.
Os benefícios gerados por esses navios são absolutamente irrisórios. Enquanto os resorts nacionais investiram R$ 1,5 bilhão no Brasil para se estabelecer, gerando riquezas nas suas comunidades, os cruzeiros restringem seus investimentos ao exterior, nada agregando aqui no país.
No campo social, os resorts empregam direta e indiretamente quase 60.000 brasileiros, resultando em 22 milhões de funcionários/dia (60.000 x 365 dias) pois operam nos 12 meses do ano. Já os cruzeiros de cabotagem, que atuam na costa brasileira, empregam no máximo 2.750 brasileiros (25% de 11.000 tripulantes), do que resulta menos de 250 mil brasileiros/dia, pois operam no máximo três meses por ano (90% dos navios). A participação dos navios – que no caso tem uma capacidade superior de leitos (13.000 contra 11.000) – corresponde a apenas 1,1% em relação aos resorts, conseqüentemente é desprezível a sua contribuição social.
No campo tributário, os resorts contribuem para as prefeituras, estados e país com R$ 150 milhões/ano, o que não é o caso dos navios.
No campo econômico, os resorts gastam com a mão-de-obra e insumos não menos que R$ 700 milhões/ano, contra valores insignificantes despendidos pelos cruzeiros, que se abastecem em zonas de “duty free”.
Ao contrário dos resorts, nos cruzeiros de cabotagem se pratica todo o tipo de jogo de azar, em seus diversos cassinos.
Uma assimetria desse tipo só existe no Brasil, colocando em risco uma atividade econômica altamente empregadora de mão-de-obra e consolidadora de regiões pobres e inóspitas para qualquer outra atividade econômica.
Em 2004/2005 operaram na costa brasileira 6 cruzeiros de cabotagem com 161 mil passageiros. Em 2005/2006 o número aumentou para 9 navios e 230 mil passageiros. Em 2006/2007 foram 11 navios que transportaram 330 mil pessoas. A previsão para 2007/2008 é de 14 navios, que vão transportar 430 mil pessoas. Nesse ritmo, os resorts flutuantes (cruzeiros de cabotagem) não tardarão a transportar 1 milhão de passageiros brasileiros.
Enquanto isso, os resorts em terra, com capacidade para hospedar 300 mil pessoas (25.000 leitos em 90 dias considerando pacotes de uma semana) registraram apenas 180.000 clientes em 2007 (janeiro e fevereiro), provavelmente 160.000 em 2008 e tudo leva a crer que a queda continuará no rastro dessa assimetria absurda.
O CÂMBIO NO TURISMO BRASILEIRO
Por conta do real valorizado, as despesas de brasileiros no exterior aumentaram 42% entre 2006 e 2007, saltando de US$ 5,8 bilhões para US$ 8,2 bilhões, com o que o déficit na conta de turismo mais que dobrou no período, passando de US$ 1,5 bilhão para US$ 3,3 bilhões. Em 2008 esse déficit poderá alcançar a cifra de US$ 5 bilhões, tal como já ocorreu em 1996, 1997 e 1998. Essa extraordinária drenagem de recursos de um pais emergente, como o Brasil, para países ricos, como os países dos armadores, é inaceitável!
Não é difícil imaginar o que aconteceria se, ao invés de uma provável cifra negativa de US$ 5 bilhões, em 2008 o país lograsse obter um superávit de US$ 5 bilhões: as suas regiões turísticas seriam fortalecidas, em especial no Nordeste, com a criação de novos empregos, a fixação das populações nas suas comunidades de origem e a dinamização dos espaços geográficos que não possuem outro atrativo econômico. Uma verdadeira revolução!
Essa brutal anomalia só podia jogar o Brasil para o modestíssimo 59º lugar entre os 124 paises pesquisados pelo Fórum Econômico Mundial, apesar de nossos abundantes atrativos naturais e culturais e um povo hospitaleiro e criativo.
O número de turistas que ingressaram no Brasil em 2006 foi de 5,1 milhões. Em 2007, deverá ser inferior a 5 milhões. Estamos na contramão, pois no mundo todas as chegadas internacionais avançaram 6% de 2006 para 2007. Enquanto atraímos menos de 5 milhões, apesar de todos e bons esforços da Embratur, o México, com características semelhantes às nossas, recebeu 22 milhões de turistas.
REPERCUSSÃO NACIONAL
Só para exemplificar, se o câmbio estivesse ao redor de R$ 2,20 poder-se-ia estimar um ingresso de turistas nos próximos anos de aproximadamente 10 milhões/ano e um superávit na balança de turismo de US$ 5 bilhões. O que isso significaria para o Brasil?
O não ingresso de 5 milhões de turistas/ano representa uma perda de receita superior a US$ 5 bilhões/ano no segmento de turismo, pois o gasto médio do turista estrangeiro é superior a US$ 1.000/dia.
Imaginando-se a irrigação dessa vultosa importância ao longo de todo o território nacional, em especial na zona litorânea, com destaque para o Nordeste, beneficiando áreas de baixo dinamismo econômico, fácil é de se imaginar os efeitos favoráveis para o Brasil.
ASPECTO SOCIAL
Sob o aspecto social, a ocorrência de um câmbio de R$ 2,20, que atrairia a vinda de mais 5 milhões de turistas/ano, e considerando que cada gasto de US$ 50.000 gera um emprego, conclui-se que o Brasil está perdendo a oportunidade de gerar 100.000 empregos diretos e 300.000 empregos indiretos.
Num país com milhões de desempregados, não podemos ficar de braços cruzados assistindo a um verdadeiro tsunami devastar a hotelaria brasileira, afetando centenas de milhares de pessoas.
UMA SOLUÇÃO QUE ATENDA OS INTERESSES NACIONAIS
Sabemos que a taxa de câmbio se insere na política macroeconômica do país e temos que nos submeter a ela. Todavia, não há como preservar a competitividade do turismo enquanto perdurar a atual situação.
Por outro lado, os resorts do Brasil não são contra os cruzeiros de cabotagem, desde que as suas condições de operação não criem uma inaceitável assimetria no mercado turístico.
Para tanto, propõe-se que os cruzeiros de cabotagem estejam sujeitos, pelo menos, às seguintes condições: utilizem na sua força de trabalho no mínimo 50% de brasileiros; e componham a sua ocupação com pelos menos 50% de estrangeiros. Essas duas medidas introduziriam uma condição de concorrência um pouco mais equilibrada entre os resorts de terra e os resorts flutuantes.