02 jun A era do transporte flexível
Artigo de Eduardo Pegurier — jornalista e mestre em economia (O Eco, 30/05/08)
Na cidade de Freiburg, Alemanha, 70% dos deslocamentos são feitos de bicicleta. Em Amsterdam, esse número fica em 55% e, em Copenhague, 36%. A produção mundial de bicicletas foi estimada em 130 milhões de unidades em 2007, mais de duas vezes a de carros, que ficou em 52 milhões de carros.
Enquanto a Europa abraça esse tipo de transporte, oferecendo cada vez mais facilidades e infra-estrutura, nos Estados Unidos, apenas 0,9% dos trajetos é feito em duas rodas. E a China, que costumava produzir imagens de um mar de olhinhos puxados pedalando pelas ruas das suas cidades, está aderindo ao carro. Entre 1995 e 2005, a frota de duas rodas caiu de 670 para 435 milhões de unidades. Os dois gigantes estão na contramão da história.
Tudo indica que a época das matérias-primas baratas vai dar um tempo, talvez de décadas, quem sabe para sempre. É muito provável que o carro de propriedade individual seja algo que ficará para trás no retrovisor da história.
Além de custo, o trânsito, poluição e efeito estufa se somarão para vencer nossa ânsia por conforto e controle. Mas a tecnologia e criatividade comercial virão em socorro e o mundo admirável que poderá surgir misturará tudo que a humanidade já inventou para se locomover. Mais: não precisaremos ser donos de nada. De acordo com a necessidade, poderemos alugar ou comprar o ingresso no meio de transporte preferido.
Um exemplo disso é o Zipcar, um serviço de aluguel de carros que cobra pela hora de uso. Ou seja, algo entre o táxi e o carro alugado tradicional, já que o motorista é você. Disponível em diversas cidades americanas e em Londres, funciona da seguinte maneira. Você se torna assinante do serviço e ganha um cartão. Quando quer um carro, liga para uma central que aponta onde está o mais próximo.
Caminha até ele e abre a porta usando o cartão. Existem vários planos parecidos com os oferecidos por companhias de celulares. Se você paga um fixo alto por mês, consegue descontos grandes. Se o uso é eventual, paga-se um pouco mais. Para bicicletas, já existem serviços semelhantes em várias cidades européias.
Se existisse um serviço desses no Rio de Janeiro, nunca mais teria carro. Estou pensando em vender o meu, já que, hoje, faço trajetos curtos. Um carro com valor de 30 mil reais não custa menos de mil reais por mês.
Experimente fazer a conta. Inclua combustível, o valor de aluguel de uma vaga de garagem, IPVA, seguro, gastos com estacionamento, manutenção, depreciação do veículo e perda dos juros – que poderiam ser ganhos caso o carro fosse vendido e o dinheiro posto para render. A conta passa fácil de R$1.000,00 por mês.
Minha vida seria melhor fazendo trajetos curtos a pé ou de bicicleta. Para os mais longos, usaria uma mistura de transporte público, o táxi ocasional e, quando tivesse o azar de ter que ir a Barra da Tijuca (é para rir), alugaria um Zipcar.
Mas a vida no Rio não é tão fácil. Usar os ônibus da cidade, insuportavelmente barulhentos e conduzidos por motoristas enlouquecidos é uma aventura desagradável. Pela falta de espaço, andar de bicicleta significa correr o risco de ser atropelado pelos mesmos ônibus e carros, que fazem da rua o território do mais forte. E, é claro, terei de comprar duas bicicletas por ano. Uma para mim e outra para o ladrão. Carro alugado é caro. E o serviço de aluguel por hora, descrito acima, não existe.
Tudo isso poderia ser resolvido com medidas simples. Por que a incapacidade de disciplinar os maus motoristas de carros e ônibus? Os últimos oferecem um serviço tão ruim que deram espaço a invasão das vans ilegais. Os riscos de andar de bicicleta estão associados aos mesmos problemas de trânsito.
E, de certa forma, também são os que encarecem carros alugados (acidente, roubo, má condução, calote, impostos burros, falta de concorrência) e atrasam a adoção de novas idéias como o Zipcar. Num mundo onde as soluções existem e são cada vez mais fáceis, ficamos para trás. E não por falta de dinheiro. No fundo, o que falta é civilização.