02 jun A energia que vem do lixo
Em busca de uma tecnologia inteiramente nacional, Henrique Saraiva, presidente da empresa Usinaverde, instalada na cidade do Rio de Janeiro, convocou antigos colegas – ex-engenheiros químicos do Centro de Pesquisas da Petrobrás – Cenpes – para desenvolver um projeto inovador no Brasil: uma usina para tratamento térmico do lixo.
Com vários anos de experiência em pesquisa teórica sobre o tema, a equipe brasileira se lançou no desenvolvimento da primeira usina desse tipo no país. Após parcerias com pesquisadores e laboratórios da Coppe/UFRJ – Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e seus próprios funcionários em ação, a Usinaverde entrou em funcionamento com um projeto-piloto na Ilha do Fundão, no campus da UFRJ. “Somos uma empresa e não temos vínculos com a UFRJ. Mas muitos profissionais da universidade foram importantes no desenvolvimento de nossa tecnologia”, explica Saraiva.
Instalada, em regime de comodato, no terreno da Fundação Bio-Rio/UFRJ, o protótipo da Usinaverde é capaz de processar 30 toneladas de lixo, por dia, com uma geração de energia que seria suficiente para atender 20 mil habitantes. Os resíduos sólidos são recolhidos na Usina de Triagem e Compostagem da Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro – Comlurb, localizada no bairro de Paciência. Para desenvolvimento da tecnologia, construção e operação do protótipo da Usinaverde foram investidos mais de R$ 15 milhões, em cinco anos.
O processo de geração de energia por tratamento térmico do lixo compreende duas fases: na primeira etapa, o lixo é separado, já que apenas matéria orgânica e resíduos não-recicláveis (papel e plástico que tiveram contato com matéria orgânica) são encaminhados para incineração. Esses materiais são, então, fragmentados e triturados num moinho, dando forma ao Combustível Derivado dos Resíduos (CDR).
Na segunda etapa, o CDR é incinerado a uma temperatura de cerca de 1000 ºC e os gases quentes são aspirados para uma caldeira de recuperação, onde é produzido o vapor que aciona o turbogerador (com potência efetiva de 0,6 MW, por tonelada de lixo tratado). Os gases extraídos da caldeira são neutralizados por um processo de filtragem, com rotores que giram a 900 rpm e lavagem com água alcalina.
Os gases limpos são, então, lançados na atmosfera. Já os resíduos inertes são arrastados para um decantador e podem ser aproveitados na produção de material de construção. “Com 150 toneladas de lixo por dia, é possível fabricar pisos e tijolos para 28 casas populares de 50m2 por mês”, informa Saraiva.
Pouco explorada no Brasil, já que o mais comum por aqui é se extrair energia a partir do biogás – gerado em aterros sanitários -, a tecnologia de tratamento térmico do lixo é uma alternativa já adotada em outros países. “Os aterros sanitários, até mesmo os mais controlados, são uma ameaça ao meio ambiente por causa da contaminação do solo. Além isso, temos também a questão da escassez de terrenos disponíveis para sua instalação. As usinas de tratamento térmico do lixo exigem áreas menores e operam sem odor e ruído”, diz Saraiva.
“Esse tipo de investimento é muito mais adequado para uma proposta sustentável de tratamento do lixo”, argumenta. “Nas tecnologias estrangeiras de tratamento térmico de lixo, há um gasto de eletricidade maior no processo de incineração e os filtros utilizados, que precisam ser trocados depois que sua vida útil acaba, são muitos caros”, continua Saraiva. “Mas a nossa proposta, genuinamente brasileira, permite maior economia de energia e o processo de filtragem desenvolvido também reduz nosso custo de operação”, completa.
Em países frios, é muito comum que parte da energia gerada por esse tipo de usina seja térmica, para alimentar equipamentos de aquecimento. Mas, na proposta brasileira, ela é inteiramente elétrica. A tecnologia patenteada pela Usinaverde prevê, ainda, módulos de tratamento com capacidade para tratar 150 toneladas de lixo bruto por dia, com geração efetiva de 3,2 MW de energia elétrica, sendo 2,6 MW para venda.
Cada módulo poderia dar conta do lixo de uma comunidade de 180 mil habitantes e suprir de energia elétrica 13.400 residências (cerca de 60 mil pessoas), considerando o consumo médio de 140 kWh por mês. Toda nova alternativa que se mostre eficiente para solucionar a questão do lixo, que assola as grandes cidades, é, afinal, sempre bem-vinda.
(Gabriela Varanda, Planeta Sustentável, 26/05/08)