27 mar Água: da essência ao desperdício
Artigo de Najar Tubino – Jornalista (Eco Agência, 25/03/08)
Ela é mais citada nas conversas cotidianas, nos relatórios internacionais, chegaram mesmo a criar um dia especial – dia 22 de março – nos discursos políticos, de entidades. Mas continua tudo igual: todo mundo sabe que ela é essencial à vida do planeta, a maioria sabe que não pode desperdiçar, mas os índices no Brasil chegam a 47% – incluindo canos enferrujados, fugas e roubos. Sobre a comemoração, não há nem o que comentar.
Anualmente a ONU divulga os mesmos números: mais de 2 bilhões de pessoas sem acesso a saneamento básico, 1/3 da população mundial não dispõe de água potável para beber. No resumo da história: a pobreza mundial. Existem cálculos de como resolver o problema da água: menos de 200 bilhões de dólares, em 20 anos.
Em 2003, num Fórum Mundial da Água, realizado em Kyoto, a previsão era de 180 bilhões de dólares, até 2015. Faltam sete anos. Não investiram um tostão na meta. Pior: isso significa pouco mais de 1% dos gastos militares – 1 trilhão de dólares, ou menos ainda, se levarmos em conta, os dois trilhões gastos pelos Estados Unidos na invasão do Iraque e na manutenção, durante cinco anos, de quase 200 mil soldados. Eles tomam água mineral importada.
Também é mais do que sabido que o planeta é farto em água, não só pela sua formação geológica, com 70% de água concentrada nos oceanos. Dos quase 3% de água doce, a maioria está nas calotas polares (1,8%) e outra parte nos aqüíferos subterrâneos (13 mil quilômetros cúbicos). Os números são gigantescos: 1.360.000.000 km ³ de água total, sendo 1.320.000.000 km ³ nos oceanos.
O problema é sempre o mesmo: decisão dos governantes, nenhuma organização ou possibilidade dos mais pobres e por aí vai. O cientista James Lovelock, um dos criadores da Teoria de Gaia, sobre o Planeta Vivo – a integração entre os ecossistemas e os outros componentes, como atmosfera, formações geológicas, oceanos – diz o seguinte, sobre a água:
– Sem água não pode haver vida, sem vida não haveria água, em um dos capítulos do livro “Gaia: a cura de um planeta doente”.
Super caixas sanitárias
A ciência já comprovou que precisa haver água líquida para a vida se desenvolver. Ela é o meio, o transporte, a maneira de distribuir e proteger os ingredientes. Na célula, na placenta dos mamíferos, nas raízes das plantas, no vapor d’água da atmosfera, na evaporação dos vegetais. Porém, estes conceitos não fazem parte do cotidiano das pessoas. A ficha só cai quando a água na torneira secar. A ONU calcula em 50 litros por pessoa, como um consumo mínimo, razoável, por dia.
No Brasil o número é de 200 litros, pelo menos nas regiões mais abastadas, Sul e Sudeste, principalmente. Numa residência o uso da água, segundo relatório publicado pela Rede Brasileira de Permacultura, é distribuído da seguinte forma: 30% descarga, 35% na higiene, 20% na lavagem de roupas, 10% na cozinha e beber e 5% na limpeza. O geógrafo Aldo Rebouças, autor do livro “O Uso Inteligente da Água”, e membro do Instituto de Estudos Avançados da USP, comenta que aqui ainda usamos caixas no banheiro com capacidade de armazenar 18 a 20 litros, quando poderiam ser usados, caixas com capacidade de 6 litros. Ele dá algumas recomendações aos que gostam de desperdiçar água:
– Banhos mais rápidos, fechar a torneira enquanto escovam-se os dentes, atende-se ao telefone ou faz-se a barba, não varrer calçadas e pátios ou carros, com jatos de mangueira de água potável”.
Aldo Rebouças também comenta em seu livro o quadro indecente do saneamento no país, onde 64% das empresas de abastecimento de água de cidades importantes, das maiores regiões metropolitanas, não coletam sequer os esgotos domésticos, que produzem. Conforme informações da organização Mundial de Saúde, nove em cada 10 litros de esgotos domésticos nos países pobres e em desenvolvimento são devolvidos à natureza e aos rios, sem nenhum tipo de tratamento.
Outro ponto importante está relacionado a irrigação. No Brasil são mais de 3 milhões de hectares, segundo Rebouças. A maioria dos projetos envolve espalhamento superficial (56%), pivô central (19%) e aspersão convencional (18%).
– São os sistemas mais fotogênicos mas os mais ineficientes do mundo, diz o geógrafo. Além disso, o ar pode conter maior quantidade de vapor nos climas mais quentes. A 32ºC pode haver o dobro de quantidade de vapor d’água do que a 21ºC. Por isso, construir pequenos açudes no semi-árido nordestino ou grandes açudes em áreas inadequadas, ou utilizar métodos de irrigação como espalhamento superficial, aspersão e pivô, poderá significar espalhar água para evaporar”, completou Aldo Rebouças.
Acidez nos oceanos
O maior reservatório de água do planeta – nos oceanos – começa a enfrentar um novo problema, em conseqüência do aumento dos gases estufa, especialmente CO2 (dióxido de carbono). Um terço do CO2 queimado em combustíveis fósseis no mundo são absorvidos pelas águas marítimas, ou melhor, pelo pequenos organismos – fitoplâncton, algas – que realizam a fotossíntese.
Tim Flannery, no livro “Os Senhores do Clima” aponta a queda na absorção do CO2 nos últimos anos – era 1,8 gigatoneladas na década de 1980 e 1,6 gigatoneladas na década de 1990. Em um outro estudo realizado por Scott Donney, do Departamento de Química Marinha e Geoquímica do Instituto Oceonográfico Woodshole (EUA), apontou para uma possível mudança na química dos oceanos. O PH – índice que mede a acidez ou alcalinidade das águas – nos oceanos gira em torno de 8 a 8,3%. Portanto, é uma água alcalina. Com o aumento do CO2 na atmosfera o PH está diminuindo.
Maior acidez nos oceanos significa menor produção de fitoplâncton e imediata quebra na corrente alimentar de inúmeras espécies, incluindo mamíferos, como a baleia. Algumas minúsculas algas e outras espécies, como pterópodes (lesmas), usam o CO2 para formar conchas calcárias. Mesmo princípio dos corais, com seus esqueletos de carbonato de cálcio. Tanto o aumento da temperatura das águas nos oceanos, como o aumento da acidez, alteram esse sistema. Como registrou Scott Donney, “ os efeitos não são perceptíveis aos olhos humanos, mas mudanças dramáticas no ambiente marinho parecem ser inevitáveis.”