25 mar Economia criativa e sustentabilidade
“O que a economia criativa pode trazer de benefícios em termos de sustentabilidade, para que serve e que diferencial pode trazer para a sociedade que a desenvolve?”, perguntou Amália Safatle para o ex-ministro da Fazenda e embaixador, Rubens Ricúpero. A resposta consta da entrevista intitulada “No fio da política“, publicada na edição 17 (março 2008) da revista Página 22. Leia o trecho sobre Economia Criativa:
Pergunta: O senhor, que esteve à frente do tema economia criativa quando secretariava a Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), que definição faz desse conceito?
Rubens Ricúpero: É todo tipo de atividade econômica que depende muito menos do capital, da força de trabalho, dos recursos naturais, e mais das idéias, dos fatores intangíveis. Um caso típico é toda a economia do software. E também de grande parte da indústria da diversão, cinema, rádio, televisão, música.
P.: O que a economia criativa pode trazer de benefícios em termos de sustentabilidade, para que serve e que diferencial pode trazer para a sociedade que a desenvolve?
Rubens Ricúpero: É uma economia muito menos intensiva em energia e, assim, incide menos sobre recursos naturais. Além disso, hoje cada vez mais está se tornando o grande dínamo das economias maiores. Na Inglaterra, o conjunto das indústrias criativas já é o maior responsável pelos números de emprego e pela produção em termos percentuais. O setor de serviços que mais se desenvolve hoje é a economia criativa. Não é a toa que a Inglaterra lança de tudo que é design e moda, como fez com a minissaia.
Embora os EUA tenham criado o rock’n’roll, os grandes grupos de rock eram ingleses ou irlandeses – os Rolling Stones, os Beatles. Hoje em dia, a Inglaterra vive da inventividade. Em matéria de indústria, não tem quase mais nada.
Ela fez a Revolução Industrial, mas ficou com muito pouco disso. Cada vez mais as sociedades avançadas vivem de idéias ou de ócio. (John Kenneth) Galbraith já dizia isso. À medida que aumenta o índice de renda das pessoas, gasta-se menos da renda com alimentos ou roupa e mais com teatro, música, computador. E a indústria criativa é a que fornece essas coisas. São bens que, quanto mais você consome, mais quer consumir, não enjoa consumir música, filmes, programa de computador.
P.: E o Brasil, que ainda tem muita demanda pelas questões fundamentais, como fica em relação à economia criativa?
Rubens Ricúpero: O Brasil teria condições muito boas, porque é culturalmente forte, tem uma marca forte. Na Unctad, notamos que nesse campo não há oportunidade apenas para os que são muito desenvolvidos.
No caso da tecnologia, sim, mas na música popular, por exemplo, não. No nosso primeiro programa, fomos para a Jamaica, que é um país curioso, e é paupérrimo. No entanto, boa parte desses ritmos, como o reggae e o calypso, nasceu lá. A combinação de africanos, cultura da cana, trópicos, tudo fez da Jamaica um lugar muito criativo. Os artistas jamaicanos têm ido sempre para Inglaterra e EUA. E, embora muitos desses ritmos tenham nascido da cultura popular, não tinham nenhum autor, então o povo da Jamaica lucrou muito pouco com isso. Os grandes criadores já moravam nos EUA ou na Inglaterra e os direitos ficaram para duas companhias. Tem duas companhias que dominam quase todo o copyright musical do mundo – Warner e tal dominam tudo. O que ia para a Jamaica era mínimo. Depois começamos em Cuba, que é extremamente criativa em música e dança. A influência que os cubanos tiveram no jazz americano é enorme. Mas também recebem muito pouco. E o Brasil segue a mesma linha. Então como fazer isso? Teria de criar companhias de disco aqui mesmo. Usar padrões daqui para fazer moda. Há várias maneiras de se buscar isso, para que a renda fique na economia daqui.
P.: Além dos benefícios econômicos, quais outros poderia haver na linha de fortalecimento da identidade, de desenvolvimento nacional?
Rubens Ricúpero: Seria uma forma de mostrar que culturas locais podem ter uma grande marca na economia mundial, mesmo em países que relativamente atrasados, como os da África. Quando fizemos a Unctad aqui, não conseguimos dinheiro, mas queríamos trazer esses grupos africanos para um grande concerto que iria se chamar “A Riqueza dos Pobres”, porque a riqueza cultural está em toda parte.
P.: Isso mesmo em um país com educação fundamental precária como o Brasil?
Rubens Ricúpero: Isso não depende do sistema educacional. O Cartola, a educação fundamental que ele teve foi mínima. A Clementina de Jesus, não sei nem se teve. É um talento que foi desenvolvido nas comunidades, teve um processo de aprendizado, mas que não foi formal, não precisa ser formal.
Confira a íntegra da entrevista do ex-ministro e embaixador Rubens Ricúpero.