18 fev SP precisa criar estruturas de poder metropolitano, diz ONU
Entrevista Anna Tibaijuka – subsecretária-geral da Organização das Nações Unidas
Para diretora da Hábitat, combate à poluição e ao crime e melhoria do transporte exigem políticas conjuntas de municípios
A tanzaniana Anna Tibaijuka é a mulher forte da Organização das Nações Unidas (ONU). Nascida numa família de pequenos agricultores de banana e café, a primeira africana eleita subsecretária-geral, o segundo cargo mais alto da organização, também dirige o UN-Hábitat, agência para o desenvolvimento urbano. Era a mais esperada presença na Conferência Mundial sobre Desenvolvimento de Cidades, que terminou sábado em Porto Alegre.
A viagem teve de ser cancelada por causa do envolvimento de Anna nas negociações de paz no Quênia, em crise desde as eleições presidenciais de 2007. Foi de Nairóbi que Anna deu ao Estado a entrevista abaixo, por e-mail:
Qual é o maior desafio das cidades?
2007 foi um marco na história humana. A população urbana ultrapassou a rural pela primeira vez. Isso poderia ser motivo para comemoração, já que as cidades são centros de criatividade e desenvolvimento econômico, mas, infelizmente, 1 em cada 3 de seus moradores vivem em favelas – algo como 1 bilhão de pessoas – e 90% estão localizados em países em desenvolvimento.
Na África sub-saariana a taxa de crescimento urbano e das favelas é praticamente igual: 4,58% e 4,53% ao ano. Ao lado da Ásia, os dois continentes absorverão 60% do crescimento urbano. Já na América do Sul, onde a urbanização parece estável, o desafio é vencer desigualdades. De acordo com pesquisas do UN-Hábitat, os ricos ficam com fatia do PIB de 4 a 10 vezes maior que a dos pobres, que sofrem com falta de acesso a habitação, saneamento, educação e saúde e, assim, ficam presos num ciclo de pobreza que afeta o desenvolvimento do país.
A migração rural-urbana é mesmo irreversível?
É praticamente impossível pará-la. Mas seu ritmo já diminuiu, contribuindo com apenas 25% do crescimento urbano do mundo, enquanto a migração entre cidades e para outros países está se tornando mais importante. Ao mesmo tempo, é a taxa de natalidade que mais contribui (50%) com o crescimento das cidades.
O avanço urbano fará surgir “metacities” com mais de 20 milhões. Como evitar o caos?
Os romances de Dickens são testemunhas de que Londres já foi rodeada de favelas. Em Nova York, há 50 anos a única megacidade mundial, Jacob Riis registrou a vida dos menos afortunados. Com o tempo, elas foram vencendo seus problemas. Tóquio se tornou uma megacidade em 1965, mas o crescimento urbano foi acompanhado por desenvolvimento e distribuição de renda. Esses exemplos mostram que é possível urbanizar sem “favelizar”.
Qual o maior desafio para São Paulo?
No caso de São Paulo, a governabilidade tem se tornado um problema, uma vez que a área urbana se espalhou para além das divisas da cidade. O principal desafio, portanto, é estabelecer uma estrutura metropolitana que responda aos desafios de toda a aglomeração urbana em torno da metrópole. Em outras palavras, você precisa estabelecer uma estrutura de governo local (metropolitano) que trate desses dos problemas em comum – principalmente controle da poluição, transporte, crime e pobreza – de forma estruturada.
O que o Brasil pode fazer para evitar a favelização?
As cidades brasileiras têm o maior nível de desigualdade de renda (medidas pelo coeficiente Gini) do mundo. Isso é um problema. Pesquisas sugerem que há quatro principais argumentos sobre por que esse tipo de desigualdade será prejudicial ao crescimento do Brasil. Primeiro, a distribuição de renda desigual leva a uma pressão por redistribuição via impostos perversos.
O segundo problema é que a desigualdade comumente leva a instabilidade sociopolítica, o que, a longo prazo, reduz investimentos externos. O terceiro é que, num cenário de mercados de capital imperfeitos, desigualdade significa menos investimentos em capital humano. O último argumento é o de que as taxas de natalidade crescem na medida do aumento da desigualdade e da redução do investimento em capital humano.
A globalização ajuda ou não o desenvolvimento urbano?
Ela tem ajudado as cidades a tirarem proveito do comércio mundial. Mas isso obriga as autoridades locais a investirem em infra-estrutura para atrair o capital internacional ao custo da redução de recursos para necessidades básicas.
Qual o papel das cidades no aquecimento global?
As cidades sempre foram apontadas como um tumor maligno, que geram lixo e poluição, consomem a maior parte dos recursos naturais e contribuem para a degradação ambiental. Mas defendo a tese de que as cidades também podem contribuir com a melhora da qualidade de vida e o ambiente porque proporcionam economia de escala. Alta densidade urbana significa menos custos per capita para água encanada, tratamento e coleta de esgoto e lixo.
A concentração de pessoas reduz a demanda por terras. O transporte, nesse caso, é um grande desafio, porque tem sido e privilegiado o uso dos automóveis. Estes não apenas causam poluição como levam as cidades a se alastrarem para as áreas metropolitanas, como ocorreu em São Paulo. Investimentos em transporte coletivo são fundamentais.
Um dos problemas mais graves das cidades brasileiras continua sendo a violência…
Pobreza, desigualdade e crescimento urbano acelerado são ao mesmo tempo as causas e conseqüências da violência. As áreas mais atingidas são estigmatizadas, viram zonas proibidas, perdem investimentos em infra-estrutura e serviços públicos. As pessoas mais bem educadas e a classe media vão para longe.
Tudo isso perpetua um ambiente em que é menor a proporção de cidadãos que cumprem a lei do que daqueles envolvidos em atividades criminosas. Muitos negócios vão embora, como ocorreu com o centro de várias cidades. E, com eles, também os investimentos estrangeiros. O peso financeiro da violência chega a 25% do PIB de países da América Latina como Colômbia e El Salvador.
Você continua otimista sobre o futuro das cidades?
Cidades bem gerenciadas podem ser locais de inovação, avanço político e social e locomotivas de crescimento econômico. Mas qualquer solução requer intervenções políticas, liderança regional, muitos recursos e estratégias de longo prazo.
(Por Adriana Carranca, O Estado de São Paulo, 18/02/2008)