28 fev A receita do mundo: urbanização e globalização
Artigo de Najar Tubino – jornalista (EcoAgência, 26/02/08)
A urbanização do mundo começou há milhares de anos, no Oriente Médio, desde que surgiu o primeiro núcleo traçado, com funções objetivas, para resolver a vida da comunidade. A receita explodiu. Hoje, 50% da população mundial vive em cidades. No Brasil, o índice é de 80% . Nove regiões metropolitanas detém quase 40% da população, ou seja, 60 milhões – total de 184 milhões. Para a conselheira do Banco Mundial, Mila Freire, as cidades melhoram a vida das pessoas, aumentam a riqueza, estimulam a criatividade, a competição.
O economista polonês, Ignacy Sachs um dos ideólogos, do desenvolvimento sustentável, que esteve no Brasil em dezembro de 2007, acha isso péssimo, porque as periferias das grandes cidades se favelizaram, principalmente, nos países em crescimento. O Brasil é o maior exemplo, com 8 milhões de habitações que precisam ser construídas, mais de 80% da população sem esgoto, um índice de pobreza absoluta de quase 20%. Dizer que os brasileiros são urbanizados é uma mentira deslavada, ou como definiu Sachs, é uma visão otimista do purgatório.
Em seis grandes painéis e 12 oficinas assistidos na Conferência Mundial sobre Desenvolvimento de Cidades, aconteceu em Porto Alegre, entre os dias 13 e 17 de fevereiro, fiz um apanhado sobre o assunto, incluindo a perspectiva futura, título de um dos painéis – A Cidade Sustentável do Futuro. Como será ela? Na teoria tem que ser muito verde, livre de carros no centro, com ciclovias, transporte coletivo elétrico, parques, ruas livres para pedestres caminharem, zona agrícola na vizinhança, prédios econômicos em energia e uso da água, e por aí vai. O problema é o seguinte: as cidades do futuro já estão construídas, como comentou o professor alemão, Bernhard Muller, especialista em planejamento urbano e ambiental. Leciona em Dresden:
– O futuro é um processo, envolve um pensamento a longo prazo, depende de ações empreendidas hoje. Um prédio construído agora vai durar 100 anos. Na Alemanha, começamos a discutir com os prefeitos de algumas cidades esta questão, na década de 90.
O que é local?
O caso brasileiro tem uma realidade: 60% das verbas públicas ficam com o governo federal. Os municípios precisam resolver problemas de saúde, habitação, ambiente, cultura, com 15% das verbas. Aliás, muitos dos 5.563 municípios, segundo pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), recebem mais dinheiro dos programas sociais, do que do Fundo de Participação dos Municípios. O outro lado da moeda é a tal da globalização.
O trator econômico que quer fazer negócios diretamente com os “locais”, não com países ou estados. O local, na definição do economista Paul Singer, é um conceito muito vago, pode ser um bairro ou uma metrópole. Ele era uma voz discordante, porque foi o único a falar em economia solidária, coisa de gente que não existe no perfil da globalização – moradores de favela, coletores da Amazônia, pescadores.
Outra informação importante sobre os municípios: nos últimos dois anos, 1.200 sofreram problemas de inundação no Brasil. Somente em 2005, aprovaram uma lei que define os marcos regulatórios do saneamento básico e abrem a possibilidade de criar consórcios regionais, tipo no Vale dos Sinos, que é o primeiro deles, para tratar da poluição.
O que é “clusters”?
Falando em globalização tem que comentar o assunto da moda, a formação de “clusters”. Os exemplos mais citados: Vale do Silício, sede da Microsoft, Hollywood, zona dos vinhedos da Califórnia, Minnesota e Arizona, nos Estados Unidos, um produzindo produtos farmacêuticos e outro, equipamento aeronáutico e fibras óticas, como anunciou o consultor nova iorquino, Punit Arora.
O “cluster” reúne um segmento industrial, que depois atrai os outros participantes da cadeia produtiva e montam um parque, movido a criatividade, concorrência, inovação tecnológica, formação de mão-de-obra qualificada. Também define uma marca própria da região, no mundo globalizado, tudo tem que ter uma marca. A prefeita de Marikina, nas Filipinas presente na Conferência, disse que a sua cidade – muito próspera, recebeu mais de 3 bilhões de euros em investimentos – é a cidade rosa capital do sapato.
Tem um sapato gigante como símbolo, que lógico, entrou para o guiness. Também tem a maior fábrica de cigarros e de armamentos do país. Lá não têm problemas trabalhistas, todo mundo produz com ordem. Fizeram um imenso shopping coberto, mas horizontal, portanto, não há camelôs na rua. Então é preciso ter criatividade e visibilidade.
Uma única solução
Tanto Punit como o cientista – consultor Kinichi Ohmae defenderam o “cluster” como solução para tudo. Um país, um estado, ou mesmo uma região, não precisa de política industrial, o governo não tem que se envolver nisso.
– Os empresários cuidam de tudo, só precisam de portos rápidos, aeroportos acessíveis – Ohmae diz que os empreendedores querem vôos diretos, no máximo, de oito horas, com uma escala, enfim, a infra – estrutura organizada.
E aí entram com a parafernália de informações sobre a China, a região de Guang Zhou, no litoral sul, onde estão 12 mil indústrias de equipamentos eletrônicos, ou então Dalian, no nordeste, perto de Pequim, onde funcionam 3 mil indústrias japonesas, claro, zonas livres, com isenções de impostos. A Coréia do sul usa estas zonas para exportar, e o Japão faz o mesmo na Tailândia.
O Sudeste da Ásia é o grande motor de crescimento econômico do mundo, e 55% das vendas são entre os países da região. Quer dizer, regiões, porque dos 15 países, seis são áreas da China e os outros três – Cingapura, Hong Kong e Taiwan-, fecham o bolo.
Outro consultor do Banco Mundial, Ming Zang, chinês, diz que os “clusters” podem se associar com pequenas empresas locais, e o governo deveria adotar a mesma atuação na administração dos negócios públicos. Ao invés de departamentos, autarquias, “clusters”. A prefeita filipinia disse que a prefeitura da sua cidade é administrada como uma corporação.
– O joão-faz-tudo não está na lista dos finalistas, comenta Kinichi Ohmae. A lista dos finalistas são àquelas regiões eleitas pelos empreendedores, ou bilionários, que investem em determinados locais. Atualmente: na Índia, em Bangalore e Hydebarad, onde estão as empresas de tecnologia de informática – Microsoft e IBM -, em 12 regiões da China, em algumas áreas dos Estados Unidos e Europa, e muito recentemente nas Filipinas, Vietnã e Turquia.
Índia iluminada
Assisti a palestra do professor K.C.Sivarama Krishnan, do Instituto de Ciências Socias de Déhli, na Índia. Ele falou da democracia, a maior do mundo, 671 milhões de eleitores, 687 mil zonas eleitorais, congresso com 545 representantes, senado com 250 integrantes, somente 45 mulheres eleitas. “ Os indianos adoram votar, principalmente os pobres”.
Entretanto, no final da palestra, respondendo a algumas perguntas, disse que não sabia onde estava a “iluminação”, conforme o governo, ao se referir à economia do país em crescimento de 9%. E mais: as localidades têm pouca influência na vida do país, os políticos estaduais e nacionais interferem à vontade.
Existe atualmente uma desilusão da população com os políticos, os índices de votações são mínimos e, cada vez mais, o poder econômico interfere na democracia. Ele nem mencionou os 125 milhões de intocáveis (párias) que na religião hindu, não existem. E são os que fazem os piores serviços, sem direito algum.
A diretora do Instituto de Recursos Mundiais (WRI), também especialista em transporte, Nancy Kete, citou o caso de Bangalore, para exemplificar o que não se deve fazer numa cidade. A parte alta, mais fresca, sempre foi ocupada pela elite indiana.
O “cluster” foi construído fora da região urbana, fizeram uma cidade eletrônica, que não convive diariamente com trânsito caótico, nem com os outros detalhes da vida urbana. Ela enfatizou, que atualmente, existe uma “classe criativa”, formada por pessoas com formações específicas – engenheiros, arquitetos, economistas, artistas, empreendedores -, que gostam de viver em cidades sustentáveis.
Onde podem caminhar, com seus filhos, respirar ar puro nos parques. Transitar sem problema pelo centro urbano. Se esta “classe criativa” não gosta da cidade, os membros somem. E o dinheiro vai junto.
Indicadores Reais
É muito interessante o conceito. Os direitos e costumes da população não valem nada. Aliás, o empresário e presidente do Instituto Ethos, Oded Grajew também esteve na Conferência. Apresentou o “movimento nossa cidade é outra cidade”, relacionado a São Paulo. Segundo ele, a busca por uma cidade mais justa e sustentável depende da população se organizar.
No caso deles, reuniram 400 entidades, fizeram o perfil dos problemas da realidade, dividido em assuntos e bairros. A idéia é definir indicadores, para que os políticos cumpram metas – diminuir favelas, melhorar transportes, aumentar número de escolas, etc. O exemplo mais citado sobre este programa – indicadores sociais e ambientais- é aplicado em Bogotá, onde cada prefeito anuncia claramente as metas que cumprirá no seu mandato. Senão, pode ser interditado.
Agora, vamos abordar o cenário europeu, particularmente, a região norte da França – Ile de France – e Roma. O professor da Universidade de Paris e doutor em geografia, Iuli Nascimento apresentou um projeto que está em andamento na região de Ile de France, com 12 mil quilômetro quadrados, 1.281 municípios, 11 milhões de habitantes (19% da população), maior área urbanizada e industrializada da França, representa 29% do PIB. Conta com 210 Km de linhas de metrô, 1.400 Km de linhas férreas, 3.000Km linhas de ônibus, 2.100 km de auto-estradas, 70 portos e 3 aeroportos. Ainda tem 52% de área agrícolas e 23% de florestas.
O projeto é transformar Ile de France na maior região ecosustentável da Europa. Para isso, eles estão definindo indicadores, não somente socias e econômicos, mas também ambientais – poluição do ar, da água, áreas verdes, consumo de energia, redução dos combustíveis fósseis, lixo e assim por diante, índices por localidade, não gerais. Não se trata de PIB (Produto Interno Bruto) ou Índice de Desenvolvimento Humano, usado pela ONU. É Índice de Bem-Estar Social, que envolve todos os aspectos. Incluindo empregos duráveis.
Trânsito Caótico
Roma é o maior município da Europa em área, são 129 mil hectares, 19 cidades integradas, com uma população de 2,8 milhões de habitantes e 1,841 milhões de carros – maior índice da Europa, e um trânsito caótico, como definiu o diretor de Programas Ambientais e Agrícolas da prefeitura de Roma, Mauro Degli Effeti.
A partir de 2002, a cidade organizou um plano de ação ambiental, com objetivo de estabelecer mudanças e propor projetos que melhorassem a vida da cidade. Definiram 52 mil hectares de áreas agrícolas, outros 87.880 que precisam ser preservados, fizeram levantamento de flora e fauna, dos 41 parques – 7.900 hectares de áreas verdes. A prefeitura adquiriu 567 há de reservas e outras 547 foram transformados.
O problema de Roma é o crescimento irregular, não planejado, lição que conhecemos muito bem. O plano prevê certificação na construção de edifícios – consumo de energia e localização, perto do metrô ou trem.
Retirada dos carros do centro, troca de 800 mil veículos, menos poluentes, incentivo ao transporte público – 400 ônibus movidos a gás, 30 elétricos, aumento das linhas de metrô. 98% da água é tratada, embora o rio Tigre continue poluído, mas há uma perda muito grande na distribuição. Definiram uma redução de 6,5% na emissão de gás carbônico até 2012. A preocupação dos romanos atuais é recente, conforme Mauro Efetti, nas questões ambientais e sustentáveis. Somente 22% do lixo é reciclado.
Cultura no ex-lixão
Sobre a estabilidade das cidades européias, o economista Ignacy Sachs trouxe à discussão um número fundamental: 90 milhões de europeus emigraram desde o século XIX, além disso, passaram por duas guerras mundiais, onde morreram outros milhões de pessoas. Pelo menos a metade dos europeus construiu os Estados Unidos, recebeu na mesma época 45 milhões de imigrantes.
O melhor exemplo de projeto sustentável e inovador foi apresentado por Charles Mathieu Brunelle, diretor da Cidade do Circo La Tohu, em Montreal, (Canadá). Num antigo lixão da capital canadense, onde moram 65 mil pessoas de 45 etnias diferentes, eles construíram um projeto cultural sustentável, com o apoio dos governos locais e nacional, além de outras organizações. Um dos circos é o mais famoso – Cirque du Soleil. A mudança tem que ser cultural, disse ele, e envolver todo mundo. Não tem cidade sustentável, sem cidadãos sustentáveis.
Óbvio, que eles investiram 73 milhões de dólares, incluindo a construção de prédios, que não tem ar condicionado, funciona com energia elétrica produzida pelo metano acumulado no aterro sanitário. Um movimento multicultural que treina e emprega até hoje, gente da comunidade, e se transformou em exemplo mundial.
Última informação: Porto Alegre, a sede da Conferência Mundial sobre Desenvolvimento de Cidades, bateu o recorde em 2007 no número de homicídios – 430 – com um crescimento de 57% entre as capitais do país.