Greenpeace das estradas

Greenpeace das estradas

Artigo de José Roberto de Souza Dias – Professor adjunto da UFSC e ex-diretor do Denatran
(A Notícia, 08/01/2008)
Ao longo dos anos, a imprensa estampa atrocidades da guerra: de um lado, a força dos exércitos mais poderosos do mundo; de outro, guerrilheiros que compensam o poder tecnológico com ousadia, tática e fanatismo religioso. É lógico inferir-se que as guerras são a principal causa das mortes violentas no mundo. Entretanto, uma revista especializada na prevenção de acidentes, “Injury Prevention Review”, mostra exatamente o contrário.
Entre 1994 e 2003, houve 33 atos terroristas nos países industrializados que provocaram 3.064 mortes. Nesse mesmo período, os acidentes de trânsito causaram quase 400 vezes mais mortes. Em 2006, os atentados provocaram cerca de 20 mil óbitos em todo o mundo, enquanto a taxa por acidentes de trânsito foi 390% maior.
No Brasil, a doença chamada, equivocadamente, de acidente de trânsito, assume níveis epidêmicos. Estatísticas internacionais permitem compreender melhor esse quadro. Enquanto em nosso País morrem sete pessoas para cada 10 mil veículos/ano, nos EUA são dois mortos, mantidas as mesmas proporções. Estatísticas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo mostram que o risco de uma morte violenta é maior no trânsito brasileiro do que na guerra.
Os números falam por si: em média, 30 mil mortes no local do acidente, 20 mil nos hospitais nas primeiras 24 horas, uma pessoa morta a cada 11 minutos, um atropelamento a cada sete minutos, um acidente de trânsito a cada 31 segundos. Mais da metade dos acidentes com moto resultam em mortes; 70% por cento dos acidentes com mortes estão vinculados ao álcool; 65% dos leitos hospitalares são ocupados por acidentados de trânsito; a maioria das vítimas são homens entre 18 e 26 anos. Tudo isso causando um desperdício de R$ 5,3 bilhões e 16,8 milhões de dias de trabalho parados.
Em 2007, apenas nos 61 mil quilômetros de rodovias federais, ocorreram 122.985 acidentes, 6.840 mortes imediatas e 75 mil feridos, um aumento médio de 10% em relação ao ano anterior. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, 80,75% dos acidentes aconteceram em pistas em bom estado de conservação, 71,4% em retas, 53,6% durante o dia. Confirma-se, assim, que a imprudência e a imperícia são as causas matrizes da acidentalidade.
Santa Catarina, com suas praias de mágica beleza e suas serras encantadoras, eleita o segundo destino mais prestigiado pelos turistas brasileiros, ainda ocupa a vice-liderança em acidentes rodoviários, perdendo apenas para Minas Gerais, que tem o dobro de quilômetros em sua malha rodoviária federal. Nesse início de novo ano, percebe-se que algumas coisas começam a mudar. Assim como aconteceu com a defesa do meio ambiente, a sociedade brasileira e a catarinense, em particular, mobilizam-se em defesa da vida.
A campanha “Isso tem que ter fim”, da RBS, revela a irracionalidade dos que fazem dos seus carros armaduras medievais, onde escondem seus defeitos e frustrações. Aos poucos, percebe-se uma mobilização social de indignação ativa que poderá se transformar num Greenpeace das ruas e estradas. Aí, sim, sem lágrimas nem dor, será mais aprazível apreciar as belezas de Santa Catarina.