Pela vida, corrida é contra o tempo

Pela vida, corrida é contra o tempo

Os investimentos no sistema de energia global devem ser da ordem de US$ 22 trilhões nos próximos 20 a 30 anos. A estimativa, da International Energy Agency (IEA), foi apresentada no painel do presidente do Comitê de Mudanças Climáticas do G8 e diretor geral do Ministério do Meio Ambiente da Itália, Corrado Clini, ontem pela manhã, durante a Eco Power.

Somente este ano, revelou o presidente do Worldwatch Institute EUA, Christopher Flavin, foram injetados US$ 70 bilhões em energias renováveis no mundo todo. Apesar de não haver um número preciso para o Brasil, Flavin afirmou que as iniciativas aqui ainda são muito incipientes em comparação com Japão, Europa e a China.

Para especialistas, a hora da mudança e da conscientização é agora, não há mais tempo para desperdícios e degradação do meio ambiente.

– O grande desafio que temos agora é o tempo. Se não revertemos essa situação, em até 25 anos não haverá mais tempo hábil para transformações. Não podemos esperar até 2030 para nos mexer – alertou Clini.

Ele também advertiu que, de acordo com o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), as reduções de 30% a 50% nas emissões globais de gás carbônico têm que ser realizadas entre 2030 e 2050 para que se estabilize o CO2 ao nível seguro (450 – 550 ppm) no fim do século, a fim de combater irreversivelmente as mudanças no sistema climático.

A grande discussão, hoje, na União Européia, é a criação de leis para energias renováveis a serem adotadas em nível internacional. Outro assunto em debate pelo G8, o grupo que reúne os oito países mais ricos do mundo, é a abertura do mercado de bioenergia. – Mas não adianta transformar a bioenergia em commodity se não houver uma lei que proteja o meio ambiente – comentou Flavin.

O vice-presidente do Instituto Mundial de Energia Renovável e presidente do Instituto Ideal, Mauro Passos, aproveitou para lembrar de um caso ocorrido com um produtor de suínos de Braço do Norte, no Sul do Estado. Ele fez um investimento que aproveita os resíduos sólidos dos animais para produção de energia e não pôde comercializar o excedente para a Celesc por falta de uma legislação específica.

A política brasileira para a geração de energia, aliás, foi um dos pontos criticados pelos especialistas. Para Christopher Flavin, no caso do etanol, por exemplo, houve uma política que beneficiasse a produção, e isso deveria ocorrer com os outros tipos de energia renovável.

– Se eu fosse presidente do Brasil, não me importaria mais o gás natural ou o carvão. Focaria nas energias renováveis.

Ele defendeu o uso da eólica, e, neste aspecto, Santa Catarina seria beneficiada já que, em todo o país, é, junto com o Nordeste, uma das regiões com maior potencial para esse tipo de geração de energia.

Etanol só para mercado interno, alertam

Apesar dos esforços do governo brasileiro em sua campanha pró-etanol, as perspectivas de mercado para o produto brasileiro a curto prazo devem se concentrar na demanda doméstica, segundo avaliou o vice-presidente de pesquisa do grupo financeiro americano Morgan Stanley, Subhojit Daripa, que participa do Eco Power.

Isso ocorre, segundo ele, porque o principal mercado para o álcool brasileiro, os Estados Unidos, só deve começar a demandar o combustível a partir de 2012, e outros potenciais compradores, como União Européia e Japão, só devem importar o combustível se formularem leis para adição de etanol à gasolina, o que não está ocorrendo ainda.

– Transformar o álcool em uma commodity global levaria no mínimo cinco anos.

Alguns estados americanos já têm legislação para adição de etanol à gasolina, a exemplo do que ocorre no Brasil. A Califórnia, por exemplo, já permite adicionar 5,6% do biocombustível à gasolina.

– A Lei de Energias Renováveis adotada no Estado em 2005 vai demandar 7,5 bilhões de galões de etanol em 2012 – diz Nathalie Hoffman, presidente da California Renewable Energias.

Segundo ela, novas leis em fase de tramitação no Congresso Americano devem elevar a demanda americana para 32 bilhões de galões de etanol até 2012.

– Os brasileiros devem olhar para isso, apesar de o mercado americano estar volátil no momento e os preços do etanol, em queda – diz Nathalie.

Há um ano, o preço do galão do etanol de milho estava cotado a US$ 5 na Bolsa de Nova York. Atualmente, o preço é de US$ 1,5.

Para Daripa, com uma sobreoferta atual de etanol do Brasil, na casa dos 3 bilhões de litros, o momento é de priorizar o mercado interno.

– A estimativa é que o consumo de etanol doméstico cresça 16% ao ano até o fim da próxima década – previu, acrescentando que, depois disso, os Estados Unidos se tornarão o mercado mais atraente.

As oportunidades estão limitadas no curto prazo, mas há uma demanda potencial de etanol de 100 bilhões de litros até 2010. E os Estados Unidos respondem por simplesmente 60% dessa demanda, acrescenta o executivo.

Segundo ele, faz todo sentido o entusiasmo dos investidores em aportar recursos na produção de etanol no Brasil. De 2008 a 2012, estão previstos US$ 33 bilhões em investimentos em etanol de cana-de-açúcar. Deste total, a estimativa é de que aproximadamente 12% do capital seja de investidores externos.

Frases

Subramanian Rangan, professor doutor em estratégias e negócios (Insead) França
“Todos nós somos parte desse problema”
Fernando Almeida, presidente do Conselho para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds)
“Esses dias, eu estava em uma peixaria e o vendedor estava falando sobre a mortandade de peixes em função do aquecimento global. Mas, apesar disso, foi ótimo, o assunto estava em discussão em uma peixaria” .
Corrado Clini, presidente do Comitê de Mudanças Climáticas do G8 e diretor geral do Ministério do Meio Ambiente da Itália
“O grande desafio é o tempo. Temos que começar as transformações agora”
Alexander Likhotal, presidente da Green Croos Foundation
“Já foram consumidas 70% das reservas de petróleo do mundo. São consumidos 1 mil barris por segundo. Em 30 anos estes recursos se esgotam”.
Mauro Passos, presidente do Ideal
“Sem uma legislação própria para energias alternativas, nada vai acontecer no país”

EUA negociam fim do subsídio

Na contramão da Casa Branca, congressistas americanos defenderam ontem, na Câmara dos Deputados, a eliminação das barreiras tarifárias impostas pelos Estados Unidos sobre a importação de etanol do Brasil até 2009.

A posição foi expressa por integrantes de uma delegação bipartidária do Congresso dos Estados Unidos, que visita o país nesta semana com a missão de promover o aprofundamento das relações. Entretanto, veio junto com a cobrança de extensão da liberalização do comércio bilateral de etanol a outros setores industriais e de serviços.

– Essas barreiras não fazem sentido – afirmou o congressista democrata Eliot Engel (Democrata de Nova York), presidente da Subcomissão para o Hemisfério Ocidental da Câmara norte-americana.

O atual regime para o setor prevê a imposição da tarifa de US$ 0,54 por galão de etanol brasileiro.

Brasil deve faturar com alta do petróleo

O Brasil pode se beneficiar com a disparada no preço do petróleo. Com o barril chegando à casa dos US$ 100, o etanol foi viabilizado e pode ganhar mercado.

Isso, se o governo souber negociar com países como os Estados Unidos e os europeus. É nisso que acredita o físico, cientista internacionalmente conhecido e pesquisador em Física Nuclear, Energia, Planejamento Energético e Biomassa, José Goldemberg.

Para ele, quando o petróleo atingiu o preço de US$ 35 o barril já começou a fica competitivo. As grandes barreiras, porém, são as taxas alfandegárias, altíssimas, em função do protecionismo de alguns países desenvolvidos.

Nos Estados Unidos, por exemplo, citou Goldemberg, o medo é que o produto brasileiro concorra com o etanol fabricado por lá através do milho ou da soja, que recebem subsídios. A produção estadunidense tem recebido uma série de críticas porque utiliza terras destinadas à plantação de alimentos para a produção de energia.

– Mas essa situação não vai perdurar, com o término do governo Bush nós temos a convicção de que qualquer acordo bilateral será mais fácil. A alta no preço do petróleo proporciona ao Brasil uma competitividade excelente.

A questão virou uma polêmica em todo o mundo e também foi um dos assuntos debatidos pelo presidente de Mudanças Climáticas do G8 e diretor geral do Ministério do Meio Ambiente da Itália, Corrado Clini. Ele destacou a importância da obtenção de etanol a partir da cana-de-açúcar, processo realizado no Brasil.

Megajazida recebe críticas de especialistas

A grande descoberta da Petrobras este ano, o campo de Tupi, entre os estados de Santa Catarina e Espírito Santo, não foi tão bem vista pelos estudiosos em energia como acreditava o governo brasileiro.

Em diversas conferências e entrevistas coletivas concedidas pelos painelistas do evento, o caso foi citado como um mau exemplo.

– Será que quando esse campo começar a funcionar, vai ser a melhor energia? – questionou o presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), Fernando Almeida.

Para o presidente do Worldwatch Institute EUA, Christopher Flavin, o ideal é que se tenha um sistema diversificado de energia, onde as divisas não fiquem concentradas apenas nas empresas que a exploram, como no caso do petróleo.

– Parte tem que ir para os produtores, parte para a pecuária, ou parte para confecção de painéis solares, enfim, tudo tem que ser bem distribuído, isso sim seria saudável economicamente – concluiu Flavin.

Em contrapartida, a política de etanol foi elogiada pelo presidente do instituto, que apenas avançou, segundo ele, por ter amparo na legislação.

“Pequenos atos fazem diferença”

Entrevista Mohan Munasinghe, Prêmio Nobel da Paz 2007

Seria fácil imaginar que os homens por trás dos números e dados alarmantes e nada alentadores que de tempos em tempos são divulgados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês), grupo ligado à ONU, fossem cientistas de semblante sério com uma certa tendência ao pessimismo. Mohan Munasinghe, vice-presidente do IPCC e ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2007, uma das presenças ilustres da Eco Power Conference que ontem esteve no evento conversando com jornalistas, prova o contrário ao representar o estereótipo inverso.

Sorriso aberto, fala mansa e olhar confiante nutrido por uma fé quase inabalável de que nem tudo está perdido, Munasinghe, um senhor elegante e tímido, atendeu pacientemente a imprensa na tarde de ontem, durante sua passagem pela Eco Power Conference, falou de um possível mundo melhor no futuro e de sua crença de que os principais problemas atuais, a pobreza e os desafios advindos das mudanças climáticas, devem ser tratados em conjunto, dentro do que batizou de sustentanômica, a economia voltada para um desenvolvimento sustentável. Defendeu a independência de cada país de escolher como será feita a transição para um mundo sustentável e afirmou que não podemos descartar nenhuma possibilidade energética.

Pela primeira vez visitando Florianópolis, o economista cingalês praticante de tai chi chuan e meditação confessou outra missão além de defender a necessidade de um desenvolvimento sustentável na conferência. Antes de embarcar para Nova Dhéli, o economista quer entregar ao governador Luiz Henrique Silveira seu livro “Tornando o Desenvolvimento mais Sustentável”.

Diário Catarinense – Ter sido agraciado com o Prêmio Nobel da Paz traz algum estímulo, um avanço na discussão sobre as questões climáticas?

Mohan Munasinghe – Sim. Nos beneficiamos de três maneiras. Ganhamos reconhecimento, credibilidade e maior influência, porque infelizmente ainda existem pessoas, principalmente alguns políticos, que ainda não acreditam no aquecimento global.

DC – Alguns cientistas não acreditam que o aquecimento global possa estar sendo causado pelo homem. Como o senhor lida com essas teorias?

Munasingue – Não há dúvida de que o planeta está aquecendo. O que podemos dizer é que o aquecimento global é causado pela ação do homem, mas também por outros fatores, como o aquecimento natural da Terra, a atividade e a posição do sol, e também por atividades vulcânicas. Existem duas questões: a variabilidade natural e a influência humana e podemos diferenciá-las com a ajuda de modelos.

DC – É possível determinar o percentual que é responsabilidade do homem e quando a variação é natural?

Munasinghe – Podemos dizer que a diferença que o homem fez diante do aumento do aquecimento global fique em torno de 35%, mas é um dado aproximado.

DC – Nas viagens ao redor do mundo, o senhor pôde notar diferenças entre os povos no que diz respeito à conscientização da necessidade de uma mudança de mentalidade?

Munasinghe – Sim, existem diferenças. Mas vejo mais diferenças entre as pessoas e os políticos do que entre as populações de diferentes países. Existe uma uniformidade em termos de preocupação. Mas entre os políticos existe maior variação por causa dos interesses. Alguns países, como os Estados Unidos, não assinaram o Protocolo de Kyoto. Em relação ao Brasil, acredito que a posição seja de um país responsável.

DC – As negociações do acordo pretendido pela ONU para diminuir as emissões de gases caminham a passos lentos. O senhor acredita que o órgão vá conseguir algum acordo entre os países e ele virá em tempo hábil de frear as piores conseqüências?

Munasinghe – Acredito que a melhor forma de fazer essa negociação é fazer um acordo multilateral. É um processo moroso, mas é o melhor. No mundo, existem mais 6 bilhões de pessoas, todas afetadas pelo aquecimento. A solução chegará tarde sim, mas é a única maneira. Deve haver uma responsabilidade compartilhada e também responsabilidades próprias. Todos têm que trabalhar juntos, mas também de maneira diferenciada porque há uma questão de igualdade e justiça. O problema foi causado pelos ricos e desenvolvidos que também tem maior capacidade financeira e técnica. Esses países têm maior responsabilidade ambiental. Os países pobres têm uma preocupação maio de adaptação e vulnerabilidade. Os impactos maiores serão sentidos pelos pobres dos países em desenvolvimento. Nesses locais, a prioridade é proteger essas pessoas. É possível conjugar desenvolvimento sustentável com mudança climática desde que encontremos o caminho certo. Então, deve haver um acordo comum, mas cada país deve tentar encontrar formas de sanar o problema.

DC – Qual seria o ponto de não-retorno. Temos até quando para tentar modificar o cenário catastrófico?

Munasinghe – É difícil falar desse ponto. A convenção diz que devemos tentar evitar situações perigosas, mas o que é perigoso? É difícil para nós dizer esse é limite. União Européia estabeleceu que 2ºC acima da temperatura normal já é considerado perigoso. O IPCC não concordou nem discordou, mas posso dizer que o máximo deve ser 2ºC.

DC – Nos últimos anos alguns países agiram. Isso chegou a diminuir a concentração ou ela aumentou?

Munasinghe – Infelizmente não mudou. Em 30 anos, de 1975 a 2005, as emissões aumentaram 70%. Nos próximos 30 anos as emissões devem aumentar de 50% a 100%.

DC – Entre as possíveis alternativas energéticas para os combustíveis fósseis, a biomassa tem seus prós e contras, a eólica e a solar parecem insuficientes e a nuclear, pode significar outros perigos?

Munasinghe – Não podemos abrir mão de nenhum deles. Nem da nuclear, nem do carvão, muito disponível em vários países, podemos nos dar ao luxo de abrir mão. Cada país deve ter um menu e não descartar nenhuma forma disponível, mas sempre estimulando o uso de energias renováveis. Acredito que novas tecnologias podem trazer novas alternativas. Tudo isso pode provocar mudanças sociais, tudo pode ser resolvido junto e não são problemas renováveis. A meta é aumentar a fatia de energia renovável diante dos combustíveis fósseis, que hoje representam 80% da origem da energia. Felizmente, para o uso de combustíveis fósseis, como o carvão, existem novas tecnologias que acredito que diminuirão as emissões. Chamo todo esse conceito de direito ao desenvolvimento sustentável. Não podemos ignorar o mercado, mas é preciso lembrar que ele é cego.

DC – Qual seria o modelo ideal de desenvolvimento sustentável para o mundo moderno e que acompanharia o nível de qualidade de vida?

Munasinghe – Os líderes do mundo olham para os problemas isolados: pobreza, poluição, fome. Eles tentam solucionar essas questões pontualmente. O que vemos é que essa abordagem convencional não consegue resolver os problemas. O risco que nos estamo s apontando é tal que talvez a gente não consiga com esses meios e sim com outros. Temos que ir além do nível superficial e olhar como lidamos atualmente com a globalização. Minha abordagem é a sustentanômica, que é baseada no desenvolvimento sustentável. Nada é consenso nessa área, para cada realidade a palavra sustentável tem um significado. Mas cada pequeno ato individual pode ajudar, como desligar a luz já estamos colaborando para o desenvolvimento sustentável.

DC – Florianópolis, uma ilha em um país com ampla área costeira, é um dos locais que poderá sofrer as conseqüências do aquecimento global primeiro?

Munasinghe – Sem dúvida, as áreas costeiras são as mais vulneráveis em função do aumento do nível do mar e em função da ocorrência de tempestades.

(Graziele Dal-bó e Laura Coutinho, DC, 30/11/2007)