27 jul Natureza e Plano Diretor
Tarefa complexa a construção de um plano diretor que conjugue sustentabilidade com os rumos do crescimento das cidades, notadamente em Florianópolis. A Ilha é amaldiçoada pelo homem rico que quer gozar, mas é muito cara aos naturalistas, descrevia Pernetty em 1763, refletindo o desprezo que o homem civilizado nutria pela natureza. De lá para cá, pouco mudou. Para os planejadores, artífices do improviso, regras de proteção à natureza insinuam-se como normas restritivas, logo, é necessário subvertê-las.
Em Florianópolis, além da negação da norma ambiental, nota-se que a regra urbanística se esmera na fragmentação e instabilidade. Alterar zoneamento passou a dominar a atuação dos legisladores, reduzidos a mercadores de facilidades. A palavra planejamento torna-se vazia, volúvel. A vida na cidade é condicionada pela lei e seu cumprimento.
Sociedade ordenada se caracteriza pela regulação de relações contratuais. Se a realidade urbanística desconsidera esse princípio, o caos urbano expressa negação ao Estado de Direito. O planejamento, não cumprindo sua função, promove desigualdades. Prolifera a cidade invisível, ameaça à cidade formal. A cidade são dois mundos, ambos distanciados da natureza.
O Estatuto da Cidade pretende ordenar dilemas de um modelo urbano segregador por obra e arte da engenhosidade humana, e a democratização da gestão, via participação popular, é uma de suas premissas. O poder público, inábil na efetivação do princípio, o reduz a mera exigência legal. Surge o risco de sucumbência do princípio. Não obstante, na complexa sociedade contemporânea, o debate faz emergir aspectos subjetivos da razão, expondo contradições de interesses e valores e, aí, a variável ambiental encontra generoso espaço.
Busca-se a retratação por séculos de soberba e descaso. A cidade é construída com a supressão do habitat de outras espécies, já que para urbanizar é necessário drenar manguezais, eliminar florestas, aterrar baías, tudo “perfeitamente legítimo”. Falar em cidades sustentáveis implica rever esse conceito. A cidade pressupõe desequilíbrio e a política urbana precisa atenuar suas distorções e os impactos sobre a natureza e a qualidade de vida, inclusive do homem.
O Estatuto da Cidade não garante o ideal aristotélico de felicidade para todos, nem conseguirá o equilíbrio ambiental, mas amplia o exercício da cidadania. A essência da tragédia não está na tristeza. Ela está na solenidade do impiedoso avanço dos acontecimentos, nos ensina Whitehead, que também dizia: É preciso ter uma mente muito fora do comum para analisar o óbvio.
João de Deus Medeiros – Professor da Universidade Federal de Santa Catarina (A Notícia, 27/07/2007)