31 maio Polícia revela como investigou suspeitos
Com base nos 28 relatórios sigilosos encaminhados à Justiça Federal (JF) pela delegada Julia Vergara da Silva, o Diário Catarinense e a RBS TV revelam os principais detalhes do trabalho que deu origem à Operação Moeda Verde, da Polícia Federal (PF). A missão durou nove meses e resultou na decretação da prisão, no dia 3 de maio, de 22 suspeitos de fazer parte de um suposto esquema de corrupção para favorecer empreendimentos imobiliários na Capital.
Os documentos, obtidos com exclusividade, formam um calhamaço de quase mil páginas, entre textos e transcrições de gravações telefônicas captadas do dia 21 de julho a 19 de dezembro de 2006, todas autorizadas pela Justiça Federal.
Na introdução dos relatórios, ao resumir toda a investigação, Julia Vergara registra que “o requerimento do Ministério Público Federal (que deu origem às investigações) teve por base os indícios de crime constatados na implantação do Il Campanario, em Jurerê Internacional, pelo Grupo Habitasul”.
Iniciado o monitoramento telefônico a fim de descobrir irregularidades no projeto, os agentes foram surpreendidos com ramificações proporcionadas por alvos da polícia e seus interlocutores ao telefone.
Com isso, o que era para ser investigação sobre uma obra, transformou-se em ampla varredura em empreendimentos já concluídos ou em andamento na Ilha de SC. Ao fim de nove meses gravando conversas, filmando e fotografando suspeitos, 22 pessoas, entre políticos, empresários e funcionários públicos tiveram prisão decretada pela Justiça.
Na documentação enviada ao juiz Zenildo Bodnar, a delegada afirma que “a análise do material de áudio coletado evidenciou a existência de uma verdadeira quadrilha dedicada à prática de crimes ambientais e contra a administração pública”.
As ramificações do suposto esquema, segundo Julia Vergara, atingem em especial os órgãos de fiscalização ambiental do Estado (Fatma) e da Capital (Floram); a Câmara de Vereadores e a Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos (Susp). Segundo a policial, a “outra ponta do esquema com respaldo do poder público é ocupada por empresários ou por pessoas físicas interessadas em promover construções ou em cortar vegetação com vistas à posterior obra de edificação”.
Todos os envolvidos negam participação em irregularidades. As 22 pessoas detidas no dia 3 de maio estão em liberdade, aguardando eventual processo, se for o caso. Em tese, todos podem ser ou não ser denunciados à Justiça. Até ontem, dos 30 malotes apreendidos pela Polícia Federal, 16 haviam sido analisados.
Entenda o caso
O que vai acontecer
Em maio do ano passado, com base em indício de supostas irregularidades na construção do condomínio Il Campanario, em Jurerê Internacional, no Norte da Ilha de Santa Catarina, o Ministério Público Federal requisitou a abertura de inquérito à Polícia Federal (PF).
Depois de uma investigação preliminar, a PF pede a quebra do sigilo telefônico de alguns suspeitos, que começaram a ser monitorados no dia 26 de junho de 2006.
As gravações duraram até o dia 19 de dezembro daquele ano. De lá até o final de abril de 2007, os agentes federais realizaram inúmeras diligências para complementar a investigação.
No dia 29 de abril, a delegada Julia Vergara da Silva encaminhou os 28 relatórios e os respectivos áudios ao juiz Zenildo Bodnar, da Vara Ambiental Federal, requisitando a prisão temporária de 22 suspeitos e a busca e apreensão em dezenas de endereços.
Os pedidos foram deferidos e executados pela PF na manhã do dia 3 de maio. Dezessete pessoas foram detidas, em Florianópolis; duas em Porto Alegre; e três não foram localizadas – elas se apresentaram nos dias seguintes.
Todos já foram liberados pela Justiça Federal e agora aguardam o eventual processo em liberdade.
O inquérito policial deve ser concluído no fim de junho. Depois, o documento segue para o Ministério Público Federal, que pode denunciar, ou não, os suspeitos que porventura forem indiciados pela Polícia Federal.
Os denunciados serão, então, julgados pela Justiça Federal. Qualquer que seja o resultado do julgamento, cabe recurso ao Tribunal Regional Federal (TRF) e depois, ainda, aos tribunais superiores (Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal).
Ou seja: o julgamento final da Operação Moeda Verde ainda vai demorar alguns anos.
CD guarda áudio e texto de cada relatório
Os 28 relatórios encaminhados pela Polícia Federal ao juiz Zenildo Bodnar estão em um CD que contém arquivos em texto e áudio. Cada caso que está sendo investigado pela equipe da delegada Julia Vergara da Silva é descrito minuciosamente e vem acompanhado das gravações feitas com autorização judicial. A íntegra das conversas consta em outros nove CDs.
Quem tem acesso aos relatórios percebe por que o vereador Juarez Silveira é apontado pela polícia como chefe do suposto esquema de compra e venda de licenças ambientais. Ex-líder do governo Dário Berger na Câmara de Vereadores da Capital, Juarez aparece em quase todas as investigações, sempre aparentemente intermediando favor ou ajuda.
Nos relatórios do Shopping Iguatemi, do Hospital Vita e do Supermercado Bistek estão as conversas que, para a PF, são as mais comprometedoras. Nessas e em outras interceptações, Juarez faz lobby para empresários, solicita carros emprestados, negocia veículos e publicação de lei, fala em dinheiro e até intermedia automóveis de luxo para, segundo o próprio Juarez, uso do prefeito na campanha eleitoral.
Entre o material há duas filmagens e fotos. Nas gravações em vídeo, os alvos são André Luiz Dadam, funcionário comissionado da Fatma, e, novamente, o vereador Juarez Silveira. André Dadam é flagrado saindo com R$ 8 mil, em dinheiro, da sede do Grupo Habitasul, em Jurerê Internacional, antes do pleito de outubro de 2006. Já o vereador aparece saindo de uma caminhonete Grand Cherokee, preta, em um posto de combustíveis no Centro da cidade.
Gravadas à distância, as imagens mostram Juarez indo ao encontro de um homem em um veículo pequeno, onde pega um pacote de papel pardo. Em seguida, retorna ao veículo e segue à sede da Codesc, onde trabalha como diretor. A polícia filmou tudo e não fez menção sobre o conteúdo do pacote. Naquele dia, preferiu não abordar o vereador para evitar qualquer suspeita que comprometesse a Operação Moeda Verde. No relatório sigiloso encaminhado ao juiz, a PF registra que “os áudios das gravações revelam um triste quadro de como tem sido tratada a questão ambiental em Florianópolis, e mesmo pelo órgão ambiental”.
Contrapontos: o que dizem os citados pela Polícia Federal
Habitasul – A assessoria de imprensa disse que os exemplos são trechos “pinçados” de conversas telefônicas, que foram utilizados fora do contexto em que ocorreram. Isso com o objetivo de suportar a versão da representação das autoridades policiais, encaminhada ao juízo para fins de obtenção de medidas cautelares de garantia de eficácia das diligências investigatórias, tais como as prisões provisórias, detenções de natureza processual que “… não constituem retribuição punitiva ou antecipação de juízo concreto de culpabilidade das pessoas envolvidas…”.
Sobre as inferências da autoridade policial quanto a seu comportamento, a Habitasul reafirma que “há 27 anos desenvolve o Jurerê Internacional – Residencial e Resort, reconhecido, nacional e internacionalmente, como modelo e padrão de sustentabilidade econômica, social e ambiental. Todas as etapas e obras foram implantadas com as devidas e regulares licenças das autoridades competentes, nas esferas federal, estadual e municipal. Os licenciamentos foram objeto de discussões e revisões. Muitos deles foram e estão sendo objeto de apreciação judicial.
A conversa entre Hélio Chevarria e Fernando Tadeu Habckost, respectivamente diretor regional e diretor superintendente da Habitasul, refere-se à idéia, trazida por membros da Maçonaria local, de instalar loja maçônica em Jurerê Internacional, iniciativa que não prosperou. Equipamentos comunitários, conforme o Plano Diretor de Florianópolis, podem ser instalados em áreas verdes, e este seria o caso do Templo Maçônico. A Área Verde prospectada não apresentava impedimento de natureza ambiental à eventual construção de um equipamento comunitário.
Sobre a ligação de Juarez Silveira para Hélio Chevarria, o diálogo refere-se a uma solicitação de contribuição para campanha eleitoral do vereador Juarez Silveira, contribuição que resultou não sendo efetivada, por ausência de documentação hábil.
Na conversa de Juarez com Péricles Druck, dono da Habitasul, a edição do diálogo, descontextualizado e incompleto, tenta passar mensagem equívoca a respeito dos temas tratados, nenhum deles envolvendo problema de licenciamento de obras ou aprovação de projetos. O vereador buscava mediar dois negócios de natureza comercial e privada da Habitasul com terceiros. O primeiro, o desentendimento comercial entre Administradora de Imóveis Ltda e outros e a Habitasul, sobre a aquisição de área de terras para futuro desenvolvimento de empreendimento. Sua discussão junto ao comitê gestor do Plano Diretor nem começou. A matéria está judicializada (processos 023.06.37065-0 e 023.07.004076-4, junto à 1ª Vara Cível da Capital e processos nº 023.06.371149-7 e 023.07.094430-2, junto à 3ª Vara Cível da Capital).
O segundo negócio mencionado referia-se à proposta de locação de terrenos da Habitasul, em Jurerê Internacional, para instalação de Show Room da Mercedes-Benz, por 70 dias, no Verão passado. O negócio interessou à Habitasul, que firmou o contrato com The Front Comunicação Visual, Feiras e Eventos Ltda. Todas as aprovações de projetos e licenciamentos, conforme o contrato, eram obrigação da empresa locatária The Front.
Supermercado Bistek – O diretor Comercial do Supermercado Bistek, Walter Ghislandi, disse que a empresa é testemunha no caso e revelou que, hoje, um dos diretores vai a PF prestar depoimento.
Gilson Junckes – O advogado de defesa, Júlio Müller, afirmou que o carro foi emprestado para o vereador durante a campanha. Ele disse que aguarda a conclusão das investigações para saber se haverá ação penal contra o cliente. Só então decidirá sobre quais medidas adotar.
Rubens Bazzo – De acordo com o advogado de defesa, Acácio Maciel Marçal, não há acusação formal e, por isso, não vai se manifestar.
Marcelo Vieira Nascimento – A defesa do funcionário da Floram aguarda o relatório final da Polícia Federal. O advogado Iran Wosgraus disse que só então poderá avaliar que medidas tomar.
Juarez Silveira – O advogado Rodrigo Silva afirmou que o cliente não cometeu ato ilícito e disse que não vai comentar as gravações porque o processo corre em segredo de Justiça.
Paulo Cezar Maciel de Souza – O advogado Alexandre Brito de Araújo, que defende o sócio-proprietário do Shopping Iguatemi, preferiu não se manifestar. Ele disse que não é possível analisar trechos de conversas e afirmou que só pode emitir opinião após analisar todo o contexto.
Renato Juceli de Souza – O advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho disse que é difícil se manifestar sobre gravações de processos em segredos de Justiça. Ele afirmou que uma tentativa de explicar o conteúdo das interceptações seria prejudicado porque as conversas foram há quase um ano e o interlocutor não foi identificado. Mas garantiu que Renato nunca recebeu dinheiro além do salário de secretário da Susp.
Dário Berger – O secretário de comunicação da prefeitura, Ariel Bottaro Filho, afirmou que Dário Berger usou um carro particular na campanha do ano passado.
Itanoir Cláudio – O advogado de defesa, Constâncio Krummel Maciel Neto, afirmou que o cliente é inocente. Ele não quis fazer outros comentários.
Percy Haensch – Conforme o advogado de defesa, Orídio Domingos Mendes Júnior, o dono do Colégio Energia não aparece em degravação pagando ou sendo cobrado por pessoas envolvidas com o suposto esquema de comercialização de licenças. O advogado desconhece as gravações.
André Luiz Dadam – O advogado Marcelo Mello não quis se manifestar porque o processo corre em segredo de Justiça, mas afirmou que o cliente é inocente.
(João Cavallazzi e Felipe Pereira, DC, 31/05/2007)