Ocupação apressa desaparecimento de lagoas costeiras

Ocupação apressa desaparecimento de lagoas costeiras

Lodo, taboas, peris e muito lixo. Este é o cenário atual da Lagoa da Chica, localizada no Campeche e tombada como área de preservação ambiental por decreto municipal em 1988. A professora do curso de biologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Vera Lícia Vaz de Arruda, explica que é comum que as lagoas costeiras sequem e, até mesmo, desapareçam ao longo do tempo. No entanto, o processo na Lagoa da Chica estaria sendo adiantado devido a crescente urbanização. Para a professora, a situação chegou a este ponto devido a um conjunto de fatores, entre eles o descaso dos órgãos públicos, que não impediram a invasão; as construções que fizeram aterros e contribuíram para o assoreamento; as ponteiras que retiram água do subsolo e os lançamentos de esgoto, que fornece matéria orgânica para a proliferação de plantas aquáticas.Vera Lícia conta que a situação da Lagoa da Chica chamou sua atenção quando ela mudou para o bairro, em 2000. “Comecei a notar que a lâmina d’água estava encolhendo e que os moradores queriam fazer algo, mas não sabiam como. Em 2005, depois de um período longo de chuva, a lagoa encheu e acabou invadindo algumas casas. Vi que era aquele o momento”. A professora iniciou o projeto entrevistando os moradores para descobrir como viam a lagoa, a história do local, se sabiam que era uma área de preservação e se achavam importante ter aquele espaço para lazer. No ano seguinte, Vera e dois alunos encaminharam projeto ao Departamento de Extensão da UFSC, e a proposta foi aprovada. O estudo se dividiu em duas frentes: o levantamento com os moradores e um projeto de educação ambiental com os alunos de 5ª e 8ª séries da Escola Municipal Brigadeiro Eduardo Gomes. Das conversas com os moradores foi elaborado documento enviado à Fundação Municipal do Meio-ambiente (Floram), no final do ano passado, definindo as prioridades. São sugeridas ações para remoção do lixo, fiscalização da presença de esgoto, corte periódico das gramas, plano de manejo para a remoção das taboas, iluminação e infra-estrutura de lazer. “Dificilmente a lagoa vai voltar a ser o que era, mas é importante manter a área para a comunidade”, destaca Vera. Na escola foram realizadas atividades com alunos, para saber o que eles pensavam. “A idéia era deixar as crianças se manifestarem antes de a gente interferir. Os alunos apontaram problemas que a gente nem havia pensado”, conta Marcelo Silveira, estudante do curso de biologia.

Floram garante que faz monitoramento para impedir invasões

As lagoas Pequena e da Chica são áreas de preservação permanente e de responsabilidade da Fundação Municipal do Meio-ambiente (Floram). De acordo com o gerente de projetos ambientais, Bruno Palha, a pedido do Ministério Público Estadual e Federal, o órgão realizou o levantamento cartográfico das duas lagoas para identificar as construções que invadiram o espaço de APP. “Estamos monitorando a região. O objetivo é garantir a preservação daquela área, evitando o adensamento. A gerência de fiscalização está atenta e autuando aqueles que desrespeitam a legislação”, afirma.

O biólogo Danilo da Silva Funke explica que foi feita a demarcação da Lagoa Pequena e intensificada a fiscalização para evitar novas invasões. Os casos de áreas já invadidas estão sendo avaliados pelo departamento jurídico. Já com relação a Lagoa da Chica, Funke diz que recebeu o projeto encaminhado pela professora Vera Lícia. No final do ano passado, a pesquisadora já havia encaminhado correspondência à Floram. Em fevereiro, o biólogo elaborou um parecer técnico afirmando que a proposta era oportuna, no sentido de preservação do ecossistema, mas destacou que muitos dos problemas apontados (como a questão do esgoto) fugiam as atribuições da Floram. “Estamos analisando o projeto e vamos marcar uma reunião para estabelecer um conograma conjunto de ações”, completa Funke.

Especialistas da UFSC sugerem ações urgentes

A pedido de Vera Lícia, alguns especialistas realizaram uma avaliação da lagoa da Chica. Segundo o professor João de Deus Medeiros, do Departamento de Botânica da UFSC, a vegetação do entorno foi comprometida pela ocupação imobiliária. O pesquisador aponta que o repovoamento com espécies arbustivas-arbóreas de restinga, associado a um planejamento, poderia tornar a área mais atrativa, destacando sua importância como espaço educativo e recreacional.

A professora Aldalea Tavares, também do Departamento de Botânica, entende que a proliferação das taboas pode sugerir que naquele ambiente está havendo um excesso de material orgânico, hipótese reforçada pelo crescimento de algas. Destaca a necessidade de fiscalização, já que os impactos podem levar ao desaparecimento da lagoa e sua biodiversidade.

O professor Maurício Petrucio, do Departamento de Ecologia e Zoologia, sugere o corte seletivo das plantas aquáticas e retirada de biomassa. “Essa medida é paliativa. São de suma importância um sistema de tratamento de esgoto e o controle do uso de água subterrânea”, destaca.

A bióloga Tereza Cristina Barbosa explica que, como o espelho d’água e a profundidade são pequenos, o acúmulo de detritos naturais forma um lodo rico em matéria orgânica, alimentação ideal para plantas aquáticas. “O crescimento desta vegetação é natural, que leva ao seu assoreamento e, com o tempo, ao seu desaparecimento. No entanto, este processo vem sendo acelerado pelo lançamento direto de esgoto e a inadequação das fossas residenciais no entorno”, diz.

Diagnóstico constata deficiências na fiscalização

A lagoa Pequena, localizada também no Campeche, é outro exemplo de ecossistema ameaçado pelo crescente processo de urbanização. Preocupadas com as condições da área, duas alunas do curso de biologia da UFSC elaboraram um diagnóstico ambiental. Durante um ano, as estudantes realizaram análise de amostras da água, lixo e fezes recolhidas no local.

A conclusão é que deve haver fiscalização e controle das invasões da área, caso contrário a lagoa Pequena pode vir a ter o mesmo destino da lagoa da Chica. A estudante Mônica Antunes Ulyssea explica que a análise da água foi realizada mensalmente com material colhido em três pontos. Foi constatada a contaminação por coliformes fecais. “Pela legislação, há condições de balneabilidade com grande margem de segurança. No entanto, a presença de coliformes fecais indica que há algum tipo de contaminação por esgoto doméstico ou fossa mal feita”, completa a estudante Ana Luiza de Assis.

Desinformação

A análise do lixo de-monstrou que uma coleta regular pode resolver o problema. “Há basicamente detritos das pessoas que usam o local, como restos de cigarros, garrafas pet, papel e embalagens de camisinhas. Há uma lixeira, mas o lixo não é recolhido e transborda”, afirma Mônica. Por fim, a análise das fezes recolhidas acusou a presença de parasitas que podem transmitir doenças ao homem, como bicho geográfico, giardíase e amebíase. Foram coletadas fezes de cachorro, de gado, cavalo e até mesmo humana.

Agora as estudantes se preparam para a segunda fase da pesquisa, que será a distribuição de questionários para a população. O objetivo é descobrir como os moradores vêem a área, quais as preocupações e como gostariam de utilizar o espaço. Ao final, será elaborado um relatório à Floram. Para as estudantes, é necessário esclarecer a população sobre a lagoa. “No local existe apenas uma placa indicando que aquela é uma área de preservação, mas não há maiores explicações. É preciso que a população saiba exatamente o que é permitido no local, até para evitar conflitos de uso”, completa Ana Luiza.

(Natália Vieira, A Notícia, 28/05/2007)