07 maio “Maioria dos imóveis é irregular”
Depois de 33 anos de trabalho na Polícia Federal, o delegado Ildo Rosa poderia estar agora “desenterrando baleias na Praia dos Ingleses”, atividade que, segundo ele, é muito mais interessante do que sua atual ocupação. – Quando olho para os meus três filhos, entretanto, vejo que ainda posso contribuir muito com a cidade. Só vou descansar quando o Plano Diretor Participativo de Florianópolis estiver aprovado e em pleno funcionamento – diz o atual presidente do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf), órgão responsável pela coordenação do novo Plano Diretor da Capital. A prefeitura prevê o envio deste plano para votação na Câmara de Vereadores somente em março de 2008. Nesta entrevista ao DC, Ildo Rosa garante que o novo Plano Diretor, com a participação direta da sociedade, será a única forma de coibir irregularidades e abusos como os denunciados nos últimos dias pela Polícia, Justiça e Ministério Público Federal, através da Operação Moeda Verde.
Diário Catarinense – O que este Plano Diretor vai trazer de novo para a cidade?
Ildo Rosa – Estamos colocando na mesma mesa de discussão moradores, empresários, poder público, ambientalistas e membros da sociedade civil. Este plano diretor poderá ser um divisor de águas, pois pela primeira vez será associado o trabalho técnico com a aspiração da sociedade.
DC – Como o senhor vê a cidade, hoje?
Ildo – Florianópolis é uma cidade permeada por uma absoluta ilegalidade, fruto da omissão de quem deveria ter se comprometido com ela. Atualmente, 58% dos imóveis da Capital estão em condição irregular. Na área comercial, o número sobe para 62%.
DC – Quais os problemas que o senhor detecta no Plano Diretor em vigor hoje em Florianópolis?
Ildo – Hoje, o município utiliza o Plano Diretor elaborado em 1997, responsável pelo planejamento da área central da cidade, e um outro, de 1985, para os balneários. O novo plano pretende unificar as duas abordagens de forma participativa, como prevê o Estatuto das Cidades, lei federal aprovada em 2001. O plano atual virou uma verdadeira “colcha de retalhos”, com cerca de 480 mudanças promovidas por leis aprovadas na Câmara, alterando principalmente o zoneamento urbano.
DC – Em que etapa está a elaboração do Plano Diretor Participativo?
Ildo – Desde que assumimos o Ipuf, em maio do ano passado, já realizamos audiências públicas nos bairros para eleger um representante de cada localidade, e os reunimos em um núcleo gestor para discutir o projeto. Além deles, estão representados entidades de classes, órgãos ambientais, poder público e organizações sociais. Este núcleo gestor reúne-se todas as quintas-feiras.
A partir desta segunda-feira (amanhã) inicia-se uma nova etapa: o Ipuf passa a capacitar, de forma didática, os membros das cinco regiões do distrito-sede (cerca de 150 representantes das comunidades), para que todos saibam o que é o plano diretor participativo, o que pode ser feito e o que prevê o Estatuto das Cidades.
DC – Quais os problemas mais graves enfrentados hoje na Capital?
Ildo – São muitos. As ocupações irregulares à beira-mar, por exemplo. Os turistas que chegam à Praia dos Ingleses, no Norte da Ilha de Santa Catarina, só percebem a existência do mar quando perguntam onde fica a praia, e após passar por toda a beira-mar tomada por imóveis de diferentes tipos e tamanhos, erguidos em uma época em que a exploração imobiliária falava mais alto que a preservação ambiental.
Um dos principais compromissos do Ipuf neste ano é acabar com as ocupações irregulares na beira da praia. Precisamos rediscutir os espaços. Sei que muitos destes locais estão ocupados por pessoas influentes, mas se não agirmos agora, estaremos condenando as praias de Florianópolis a um futuro incerto.
DC – Qual o objetivo principal do novo Plano Diretor?
Ildo – Em primeiro lugar, projetar a cidade para o futuro. Vamos discutir a necessidade de ciclovias, o sistema viário, a humanização da cidade, a revitalização do patrimônio histórico e outros temas ligados à mobilidade urbana. A proposta é fazer um raio X no Norte, Sul, Leste, Oeste e Centro da cidade, onde serão levantados todos os problemas urbanos. Pela lei, todos os municípios com população superior a 20 mil habitantes e que fazem parte de regiões metropolitanas, cujas áreas são de interesse turístico ou que estão localizados em regiões onde existem projetos de impacto ambiental de cunho regional, são obrigados a elaborar os planos diretores. O último plano de Florianópolis foi elaborado em 1997, com validade para 10 anos.
DC – Quais os maiores problemas detectados pelo senhor até agora?
Ildo – Em Florianópolis, nunca existiu o menor cuidado ou preocupação com o impacto ambiental dos novos projetos arquitetônicos. As coisas sempre foram realizadas considerando-se apenas os interesses do setor privado. Do ponto de vista ambiental, não houve preocupação com a sustentabilidade. A cidade foi sendo fragmentada, sem a mínima valorização do convívio urbano. E a estrutura física da cidade não comporta grande parte destes projetos. Um exemplo: o crescimento da população é de 3,5% ao ano e o da frota de veículos, hoje em 218 mil carros, de 8%. Esta conta não fecha.
DC – Por que o senhor acredita que as irregularidades como as verificadas através das investigações da Operação Moeda Verde vão terminar após a aprovação do novo Plano Diretor?
Ildo – Principalmente porque o Estatuto das Cidades garante a participação popular na gestão do município mesmo após a aprovação do Plano Diretor, através da formação do Conselho da Cidade. Alterações do Plano Diretor – hoje facilmente obtidas com maioria na Câmara Municipal – obrigatoriamente passarão pela análise dos integrantes do Conselho. Isso nos dará a garantia de uma gestão mais democrática e transparente.
DC – Em resumo, o que é o Plano Diretor?
Ildo – É uma lei onde se define qual é a melhor forma de ocupar o território levando em consideração a função social de cada município, respeitando todas as suas especificidades, sejam sociais, culturais, ambientais e econômicas. Além da área urbana, o Plano Diretor deve abranger também a área rural, uma vez que a política urbana deve promover a integração entre as atividades urbanas e rurais tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico. É o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana do município.
Entrevista com Ildo Rosa, Presidente do IPUF (Viviane Bevilacqua, DC, 06/05/2007)