18 maio As conversas monitoradas com autorização da Justiça
As investigações da Polícia Federal apontam que, para inaugurar o Floripa Shopping, em novembro do ano passado, o empresário colombiano Carlos Amastha contou com a ajuda decisiva de Marcílio Ávila, na época presidente da Câmara de Vereadores da Capital e associado de Amastha no Instituto Mais Floripa.
No relatório encaminhado à Justiça Federal no dia 3 de maio, a PF registra que Ávila “manteve contato com os alvos monitorados, sempre movido por um enorme interesse no andamento de obtenção de licenças para a inauguração do Shopping Florianópolis e atuando, aparentemente, como um procurador de fato de Carlos Enrique Franco Amastha”.
Ainda de acordo com as investigações, o ex-presidente da Câmara teria intermediado com a administração municipal a liberação das licenças ambientais para o empreendimento. Em uma das conversas telefônicas gravadas com autorização da Justiça, o vereador licenciado liga para Renato Juceli de Souza, secretário da Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos (Susp), e pede agilidade para liberar o habite-se da obra.
Leia trechos das gravações realizadas desde 6 de setembro de 2006
Marcílio – Daí tu agiliza pra mim. Eu te peço, por favor! Por mim! Faz esse favor pra mim?
Renato Juceli de Souza – Eu faço tudo por ti, né.
Em outro telefonema, o procurador geral do município, Jaime de Souza, pede ao secretário da Susp uma fiscalização nas obras do shopping, antes da liberação do habite-se, mas explica as condições.
Jaime – O que eu vou pedir pra ti? Uma vistoria, né, sobre a situação do… da obra do shopping, tá? Deixando de lado aquelas exigências da lei ali, tá! Que não tivesse aquelas exigências da lei. Concordas?
Renato – Concordo em fazer. Não concordo em dar o habite-se sem cumprir a lei.
Jaime – Dependendo desse teu laudo aí é que vai acontecer o pedido da procuradoria.
Renato – Não, pode mandar que eu faço essa preliminar.
Jaime – Escolhe uma pessoa boa, da nossa confiança pra ir lá fazer isso aí, tá bom?
Renato – Não, não, pode mandar que eu… já informo isso aí e pronto. Mando já um fiscal hoje ou amanhã.
Jaime – Sabia que podia contar contigo!
Renato – Claro que pode. Em tempo integral!
Jaime – Então tá! Se o teu parecer for favorável, aí eu dou o habite-se. Se for contrário, eu nego o habite-se.
As ligações entre Marcílio Ávila e Juarez Silveira se intensificam.
Marcílio – Agora ele tem que organizar tudo pra inauguração, né?
Juarez – Fazer a tua placa, né? Tua fotografia lá!
Marcílio – Como?
Juarez – Tem que fazer uma placa e uma fotografia tua, né?
Marcílio – Não… vamos deixar o coitado (Amastha) inaugurar, vamos! Me ajuda a conseguir esse habite-se, Juarez! Essa semana. É importante! Me ajuda. Peço, por favor, pra ti me ajudar!
Juarez – Meu Deus, que corrupção desgraçada essa porra do habite-se. Marcílio, vou te dar uma taça. Vou te dar a maior taça! E tem que agradecer a mim que tu tás na presidência, se não tu e teu paraguaio (Amastha) tavam mortos.
Com o cunhado Renato Juceli, a conversa gira em torno da estratégia usada para a liberação do habite-se:
Juarez – Eu quero ver se vão deixar passar, desrespeitando as leis.
Renato – Eles não vão me pegar na volta, porque pra burro eu também não sirvo. Eu tenho 30 anos de serviço público na auditoria do Tribunal de Contas. Eu mandei o Mauro… ele foi lá e fez a auditoria lá. O… o Mário. Quando ele trouxer esse relatório de volta, pego tudo o que tem nesse relatório e bota mais uma linha embaixo: esta auditoria, esta fiscalização, esta vistoria não levou em conta o disposto na lei 175 de 2005. Aquela auditoria ali não levou em conta a lei, coisa que dever ser feita.
Renato – Eu acho que eles nem perceberam, porque tá numa linhazinha miúda, lá embaixo!
Juarez – (só escuta)
O vereador Juarez Silveira, em conversa com o vice-prefeito de Florianópolis, Bita Pereira, mostra-se duvidoso quanto à liberação do habite-se. O vice apenas ouve a conversa.
Juarez – O Amastha quer esse habite-se até o dia 28. Mas não tem como dar o habite-se, sabe. Eu tô te passando a verdade, não existe perseguição, não. Mas nem no Ipuf, nem na Susp e em lugar nenhum, os órgãos públicos. É bombeiro, ele precisa pegar bombeiro ainda. Não é assim. O Marcílio não tem noção das coisas, entendesse? Esse assunto habite-se, ele não conhece.
Em um trecho da gravação, o vereador Juarez, na época líder do governo na Câmara de Vereadores da Capital, conversa com José Nilton Alexandre, que respondia pela Comcap. Eles falam sobre o possível apoio da prefeitura para a liberação das licenças ambientais para o Shopping Floripa.
Juarez – O Dário só fez uma coisa pro Marcílio: deu o habite-se do shopping, que é uma coisa que não tem nem tratamento de esgoto!
José – Ahm, ahm!
Juarez – Entendesse? O Dário… Se quiser, Juquinha, a gente pede o afastamento do prefeito. Ele não cumpre a Lei Orgânica do Município, não responde nada.
Em conversa com um funcionário da Susp chamado Sebastião, Renato Juceli menciona a liberação do habite-se para o Floripa Shopping como assunto encerrado. E eles ironizam a situação:
Sebastião – Depois tu leva uma maçãzinha pra mim lá, né?
Renato – É capaz de nós dividirmos a mesma cela! (risos). Com um pouco de azar, nós vamos dividir a mesma cela!
Em uma conversa com um interlocutor não identificado, o vereador Juarez Silveira reclama da Casan por causa da falta de sistema de esgoto no Floripa Shopping. Audacioso, diz que sabe que está com o telefone “grampeado”:
Juarez – (…) E esse meu telefone é grampeado. Eu quero que a Justiça escute também. Precisa ser revista a diretoria da Casan. Dar 100 milhões um shopping, e o cocô tem que passar pela Beira-Mar e ir para Palhoça (…) se daqui a pouco o prefeito ou o presidente da Câmara (de Palhoça) resolve não querer, como é que vai ficar (o esgoto), vai para a Barra da Lagoa, para Canasvieiras?
Fonte: Autos da Operação Moeda Verde
O que dizem
Prefeito Dário Berger e o vice-prefeito Bitta Pereira
A assessoria da prefeitura informou que depois de analisar as gravações, nenhum deles entendeu que é o caso de se pronunciar.
Jaime de Souza
O procurador-geral da Capital estranhou a divulgação das gravações e disse que elas fizeram a população concluir coisas que não existiram. Sobre o trecho em que pede para desconsiderar a legislação, explicou que orientou para que não fosse obedecida a lei de junho de 2005, porque essa lei não diria respeito ao Floripa Shopping, que teria sido licenciado em 2003.
Marcílio Ávila
O presidente da Santur disse que não fez nada ilícito, e que suas intervenções ocorreram porque estavam prejudicando o Floripa Shopping. Marcílio disse que o único interesse seria impedir que o empresário por trás do empreendimento fosse chantageado.
Carlos Amastha
O ex-sócio proprietário do Floripa Shopping negou que o empreendimento tenha sido favorecido. Disse que Marcílio Ávila, em conversas com Juarez Silveira e Renato Juceli, tentou evitar que o Floripa Shopping fosse prejudicado pelos funcionários dos órgãos públicos.
– Queriam fazer barbaridades e não permitir a liberação – atacou.
Cláudio Gastão da Rosa Filho, advogado de Renato Juceli de Souza
Criticou o vazamento da investigação e afirmou que as gravações devem passar por perícia e não existe a constatação que as vozes são mesmo das pessoas envolvidas. O advogado não quis comentar as interceptações porque estava em Porto Alegre.
Rodrigo Silva, advogado de Juarez Silveira
Ele disse que entrou com um pedido para que o vazamento de informações fosse apurado. Não quis comentar as acusações alegando que o processo corre em sigilo de Justiça.
Sebastião David Machado, diretor de Arquitetura e Urbanismo da Susp
O servidor disse que a brincadeira sobre a maçã na cadeia ocorreu no início do processo, quando havia muitas pendências, e ,se a obra fosse liberada naquele momento, seria cabível de punição.
José Nilton Alexandre, secretário do Continente e ex-diretor-presidente da Comcap
Ele disse que lembra bem o tipo de conversa que teve com Juarez Silveira. O secretário afirmou que se limitou a ouvir Juarez, que, naquele momento, estava descontente com o prefeito.
Entenda o caso
No dia 3 de maio, a PF deflagra a Operação Moeda Verde e prende 22 pessoas suspeitas de envolvimento em negociações de licenças ambientais.
No dia 14, foram libertados os últimos quatro, que cumpriam prisão preventiva.
Nesta quarta-feira, a delegada Julia Vergara foi até a Câmara de Vereadores e pegou o Projeto de Lei Complementar Nº 642/2005 e a ata da sessão em que ele foi aprovado. A PF vai apurar a suspeita de alterações no texto da lei, o que dirige para a Câmara o foco das investigações.
(DC, 18/05/2007)