23 abr Mercado Público alia tradição e modernidade
Identificado por recente pesquisa do Instituto Mapa como símbolo da cidade, o futuro do Mercado Público é pauta de discussões entre comerciantes e administradores. O grande desafio no local, visitado diariamente por cerca de 27 mil pessoas, é promover melhorias, manter o charme e a simplicidade do local e, ao mesmo tempo, atender as demandas de turistas e clientes cada vez mais exigentes. Atualmente, bares, peixarias, lojas de calçados, cafés e outros serviços dividem os espaços dos boxes, com visível diferença no padrão de qualidade, contrariando o potencial essencialmente turístico de Florianópolis.
Um dos comerciantes mais antigos, Alvim Spinoza, diz que o mercado é o termômetro da cultura do povo. Proprietário do bar e fiambreria Spinoza há 45 anos, ele diz que no seu balcão foram articulados partidos e alianças políticas, casamentos e separações. “O espaço é democrático e permite a observação da personalidade de qualquer tipo de pessoa”, avalia. Alvim diz que antigamente conhecia todo os freqüentadores. “Os clientes eram chamados pelos nomes, hoje é impossível saber quem é quem, somente identifico o pessoal mais tradicional”, complementa. Na opinião do comerciante, a atual administração trouxe mudanças significativas ao espaço. “Estão sendo promovidas melhorias que eram antigas reivindicações nossas”, afirma. Alvim ensina que é importante estar sempre em busca de novidades, sem descuidar dos itens já consagrados pelos clientes.
Quem passa pelo mercado não deixa de observar a figura simpática de Valdo Campos, 81 anos. Faça chuva ou sol, ele transita pelos corredores vendendo bilhetes da Loteria Federal com peculiar simpatia. “Aqui é como se fosse a minha família, tenho amigos de longa data, afinal há mais de 40 anos bato o ponto no mercado”, informa. O bilheteiro diz que muita coisa mudou no local nos últimos anos. “Antigamente não havia preocupação com segurança. Ninguém falava em assaltos, não tinha pessoas pedindo esmolas”, lembra. Valdo pensa que o progresso traz ganhos e perdas às pessoas. “Os pontos positivos são o fortalecimento e a diversidade no comércio. Você pode encontrar de tudo, para todos os bolsos no mercado” declara.
Exposição de fotografias registra visitas ilustres a bar sofisticado
Quando instalou o Box 32 na ala Sul há 24 anos, Beto Barreiros não tinha idéia de que seu empreendimento se tornaria o divisor de águas do patrimônio arquitetônico e histórico. Ao apostar em sofisticação de receitas gastronômicas e bebidas, o gourmet trouxe ao mercado um público diferenciado, tornando-se referência para artistas nacionais e internacionais, empresários e políticos. A galeria de famosos que passou pelo balcão do bar pode ser confirmada em fotografias tiradas pelo proprietário e penduradas nas paredes do local.
De caráter desenvolvimentista, Beto possui uma visão crítica a respeito da administração do mercado. “Para o conjunto entrar no futuro, a exemplo de outras capitais brasileiras, é preciso primeiro despolitizar as ações internas”, afirma. Na opinião do empresário, o patrimônio deveria deixar de servir como barganha partidária e passar a funcionar como empresa com planejamento estratégico de gerenciamento. “Existe um imenso potencial a ser explorado”, complementa.
Entre as ações necessárias à modernização do local, Beto destaca investimentos na qualidade de atendimento e de produtos e segurança alimentar. “É preciso olhar o mercado como sala de visitas da cidade para receber bem os turistas e moradores”, acredita. O empresário acha que falta cara de mercado no mercado. “Seria preciso mudar serviços, com inclusão de livrarias, engraxatarias, lojas de artesanato, especiarias”, complementa. Para ele, por meio de um gerenciamento otimizado, seria possível a transferência pacífica de atividades. “Os destinos do Mercado Público não podem mais estar atrelados às mudanças de prefeito na cidade”, conclui.
Iniciativa da administração combate a redução no movimento
Reverter a tendência de queda de público – em média 15% – registrada nos últimos anos fora da temporada de verão é objetivo do gerente do mercado, Jucélio Euzébio de Campos. O administrador, que assumiu o cargo em fevereiro deste ano, explica que a meta é atrair os moradores de volta ao espaço público por meio de atividades culturais. “O projeto piloto de uma feira de artesanato já está ocorrendo no vão central nas quartas e quintas-feiras”, informa. Para maio, estão previstos o resgate do samba de raiz, com apresentações do grupo Bom Partido todos os sábados de manhã, e shows com compositores de Florianópolis aos finais de tarde às sextas-feiras. “A idéia é atrair as pessoas ao espaço público, ofertando atrativos gratuitos”, complementa.
A administração do mercado é atrelada a Secretaria Municipal dos Transportes. O secretário Norberto Stroisch informa que estão sendo realizadas licitações para pequenas melhorias no espaço. A reforma da ala Sul demanda a captação de recursos pelo Executivo. “O projeto está pronto e aprovado pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf)”, afirma. No programa da obra estão previstas a modernização da cobertura, a revitalização dos sistemas hidráulico e elétrico, instalação de equipamentos de segurança e troca de reboco em alguns pontos.
Briga política é começo de tudo
A trajetória do Mercado Público se confunde com a história de Florianópolis. A origem do estabelecimento é vinculada ao comércio realizado em frente à Catedral Metropolitana desde meados do século 18. O primeiro prédio, de 1851, situava-se ao Sul da praça 15 de Novembro, junto ao mar. A edificação atual foi construída em frente ao largo da Alfândega no ano de 1898, em substituição ao antigo mercado, demolido em 1896, após 45 anos de funcionamento. Na época da transferência o prédio possuia apenas uma ala e ficava à beira do cais. A segunda ala foi construída sobre um aterro e entregue em 24 de janeiro de 1931, assim como as pontes de ligação e o vão central. O conjunto arquitetônico tem a sua configuração atual desde 1932, com a reinauguração da primeira ala. Com a construção do aterro da baía Sul, o edifício se encontra longe do mar.
Em 19 de agosto de 2005, um incêndio originado por uma fritadeira elétrica com óleo vegetal queimou de toda a ala Norte do mercado. Apesar do trabalho rápido dos bombeiros, não foi possível salvar o prédio, que foi reformada por um consórcio entre a Prefeitura e o governo do Estado. O mercado já havia sofrido um incêndio em 6 de junho de 1988, ocasionado por um vazamento de gás, durante um processo de reforma.
A história do primeiro mercado é um importante marco para a cidade. Foi o debate sobre a sua localização, entre os anos de 1791 e 1848, que deu origem aos dois primeiros partidos políticos de Santa Catarina. Em sua construção no ano de 1851, um bloco retangular de quatro faces com uma porta de cada lado, veio pôr fim a uma luta travada durante meio século, entre uma facção que desejava manter o mercado na praça em frente à Catedral, instalado em pequenas barraquinhas, os “barraquistas”, e os que desejavam transportá-lo para onde está localizada hoje a Capitania do Portos, os “judeus”.
Barraquistas e opositores se arregimentaram para um ajuste de contas pelas urnas, para firmar o seu princípio de liderança, no ano de 1847. De um lado, os que queriam o mercado na atual praça Fernando Machado, e de outro, os que queriam o mercado em Santa Bárbara ou em qualquer outro ponto da cidade, exceto na praça.
(Gisa Frantz, A Notícia, 23/04/2007)