Volta da ilha: Um roteiro completo, com todos os waypoints, para você desbravar com seu barco

Volta da ilha: Um roteiro completo, com todos os waypoints, para você desbravar com seu barco

O dia amanheceu com o sol brilhando, mar quase sem ondas e uma fraca brisa de nordeste, após uma noite de muita névoa, premeditando, enfim, um dia bem iluminado. Perfeito! Era o que faltava para transformar aquele longo programa de 120 milhas náuticas num agradabilíssimo passeio – daqueles que passam anos guardados na memória. O objetivo era audacioso e tentador!

Dar a volta completa na Ilha de Santa Catarina, onde fica Florianópolis e mais um montão de praias, vilas e atracões naturais, parando em quase todos os seus melhores pontos. Sim,
quase todos porque a região tem tantas atrações que seria impossível visitá-los todos num único dia (aliás, se você for fazer este nosso roteiro, considere a hipótese de dividi-lo em
vários passeios em dias diferentes, para poder curtir cada parada como se deve). Nós não fizemos isso, até porque já conheciamos a ilha – ou, pelo menos, pensavamos que a conheciamos bem…Mas como o intuito era só levantar um roteiro com todos os seus waypoints registrados, lá fomos nós.

Partimos do coração da ilha, a Marina Ponta de Areia (veja todos os waypoints, de todos os pontos citados nesta reportagem no mapa que a finaliza), perto da ponte que liga as duas partes da Lagoa da Conceição. Passava um pouco das oito da manhã e tínhamos duas lanchas Evolution, de 26,5 pés, uma a gasolina e outra diesel. A bordo, nove pessoas, incluindo eu e nosso guia turístico-gastronômico, o Chef Fedoca, que há anos mergulha na ilha e a conhece em detalhes, sob todos os ângulos, por cima ou por baixo d água.

Rumamos, então, para a entrada do canal da Barra da Lagoa, que está razoavelmente bem sinalizada entre dois bancos de areia e com profundidade de apenas um metro na maior
parte do trajeto. Aproveitamos para abastecer as duas lanchas no único posto de abastecimento em toda costa leste da ilha e seguimos, com cuidado, uma vez que o canal é raso, com pedras em alguns trechos e bancos de areia que mudam constantemente.

Por isso, o ideal é conseguir um navegador experiente para ir junto no canal, principalmente se a embarcação for de maior calado. Fiquei surpreso com o desenvolvimento imobiliário do canal, que tem cada vez mais casas de alto padrão, dividindo o espaço com a maior comunidade
pesqueira da ilha. Próximo à Ponte Pênsil, já quase na saída do canal da Barra, mais um ponto crítico e com muitas pedras exigiu nossa atenção, apesar da paisagem bucólica que lembra
um pouco a Grécia, com suas casinhas brancas e ruas estreitas. Finalmente, o último marco do canal: o pequeno farol sob os molhes, sinalizando a entrada no Atlântico. Agora era só virar para boreste e seguir costeando a ilha. O passeio estava só começando.

O vento, quase inexistente naquela hora do dia, permitiria dar a volta pelo norte ou pelo sul. Mas, como a previsão era de alguma brisa nordeste pela tarde, optamos pelo sul para pegar vento a favor no último trecho de mar aberto. Chef Fedoca logo nos apontou Ilha do Xavier, um pouco mar adentro, como bom lugar para pesca, mas julgou que haveria locais ainda mais atraentes em nossa extensa rota. No entanto, logo em seguida, fez questão de entrar no abrigado canto norte da Praia da Galheta e deu uma dica valiosa: com vento sul fraco e poucas ondas é dos melhores lugares da ilha para desembarcar direto na areia praia.

Logo seguimos na direção da pérola máxima da região de Florianópolis, a Ilha do Campeche, passando por Gravatá e pela famosa Joaquina e suas ondas perfeitas. O mergulho nas
águas transparentes (e põe transparente nisso!) da Praia da Ilha do Campeche, a mais caribenha das ilhas do sul do país, foi refrescante. E sempre é! A ilha é um dos pontos mais
recomendados para um pernoite a bordo ou, então, apenas passar um dia inteiro vagabundeando, com o suporte estratégico de dois bares, que servem refeições deliciosas.

Nossa alegria, porém, durou pouco. Logo estávamos rumando na direção da Vila da Armação, tomando o cuidado de desviar de uma perigosa laje submersa que há no meio do caminho. O trapiche da Armação é da comunidade pesqueira local, e para ser usado por mais tempo tem que ser negociado com os pescadores. Estes, no passado, pescavam baleias na praia ao lado, conhecida como Matadeiro, e depois as arrastavam até a Armação, onde eram beneficiadas. A vila tem infra-estrutura razoável e o passeio passando pelo rio até a praia ao lado é muito bonito. Já a Praia do Matadeiro, onde só se chega a pé, é bem tranqüila, com poucas casas e no lado sul um bom abrigo em dias de vento sul, quando surgem ondas. Próxima parada, a Praia de Lagoinha do Leste, que tem o mérito de ser a mais selvagem da ilha – e, para muitos, a
mais bonita de todas na ilha. Seu acesso é apenas por mar ou por uma caminhada na mata, de quase uma hora de duração. Mas o esforço vale a pena – e como vale! Até porque, para
quem está de barco, chegar lá é bem mais simples. Fomos conferir. E saímos satisfeitos com o belo visual.

Dali, avançamos mar adentro por uns 15 minutos, até as ilhas mais a leste em toda região. São as Moleques do Sul, uma surpresa que o Chef Fedoca reservou para todo mundo a bordo. Elas parecem um conjunto de pedras místicas brotando em pleno oceano, feito uma Ilha de Páscoa tropical. Mas sua surpresa maior está mesmo no mar que a banha. O lugar é riquíssimo em peixes de passagem, como anchovas, olhetes e olhos de boi, além dos tradicionais de costão, como garoupas, badejos e caranhas. À vontade de ficar horas por ali mergulhando
era grande, mas nosso apressado passeio tinha que seguir em frente, agora na direção da Praia do Pântano do Sul, um bom abrigo de nordeste, com infraestrutura de restaurantes e mercados. De lá, atravessamos até a quase vizinha Ilha do Papagaio, já além do extremo sul da ilha, deixando a través a preservada Praia da Solidão e sua agradável cachoeira na mata e passando pelas Ilhas das Três Irmãs (as de Fora, do Meio e de Dentro fazem parte do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro e têm restrições de pesca – atenção!) A ilha do Papagaio, que não passa de uma transada pousada, é outro bom abrigo para pernoite a bordo, embora a pousada mereça ao menos uma visita à terra-firme.

Depois, começamos a rumar para o norte, já contornando a ilha pelo lado oposto. Entramos pela Barra Grande, próxima ao Farol dos Naufragados, onde há mais calado, e fomos olhar
a bonita e abandonada Fortaleza da Barra Sul, de difícil acesso. Perto dali fica a Praia dos Naufragados, habitada apenas por pescadores e onde a ponta leste oferece ótimo abrigo de
vento norte e nordeste. Visitamos, também.

No canal, optamos seguir pelo lado mais raso, em direção a Ponta do Caiacangaçu e de lá direto para a vila de Ribeirão da Ilha, onde, ao longe já se vê a antiga igreja Matriz. Este lado da ilha é considerado o lado esquecido da ilha, com algumas casas preservando o estilo açoriano e dando ares de Parati a maior ilha de Santa Catarina. Seguimos direto para o trapiche
do famoso eestaurante Ostradamus, sedentos por desfrutar das deliciosas ostras que ali são servidas. O vizinho Rancho Açoriano também tem um trapiche para receber embarcações
e o A Comida do Francês, na vila, é igualmente uma ótima opção para um almoço de fim de semana, Mas ficamos no Ostradamos e não nos arrependemos.

Da mesa, seguimos reto para o Iate Clube Veleiros da Ilha, para um rápido reabastecimento da lancha a gasolina. O clube é a melhor opção em infraestrutura náutica da região, mas os barcos a diesel também têm a alternativa de abastecer no Pioneira da Costa, entre a ponte nova e a antiga. Dali, avançamos até a marina do novo condomínio Saint Barth e, em seguida, paramos na marina da vila de Santo Antonio, outro reduto da cultura açoriana na ilha. Ali não há a facilidade de trapiches, mas existem poitas para ancorar e bons restaurantes por perto, com destaque para o Bate Ponto, que tem uma ótima caldeirada e moqueca de frutos do mar.

A próxima parada foi na Fortaleza de Santo Antonio, na Ilha de Ratones Grande, mantida pela Universidade Federal de Santa Catarina e com trapiche e facilidades para visitação. O antigo forte está bem conservado e recebe um grande fluxo de turistas, que vêm de escuna, em passeios organizados, visitar a ilha. Perto dali, na direção da Ilha de Anhatomirim, fica a abrigada Praia de Tinguá, que tem um elegante hotel e serviços de bar na água. Atualmente é o lugar predileto dos lancheiros jogarem âncora nos fins de semana. Já a Ilha de Anhatomirim tem museu, restaurante e um bom trapiche, que faz todo mundo parar, nem que seja para uma simples olhadinha.

Nessa área há ainda uma infinidade de outros bons passeios, como a Baia dos Golfinhos, Armação da Piedade e a Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, este um paraíso para o mergulho e que fez os olhos do Chef Fedoca brilharem de vontade. Mas nosso tempo estava ficando escasso e, assim, passamos ao largo da Fortaleza da Ponta Grossa, na Praia do Forte, e só paramos na sub-sede do Iate Clube Veleiros da Ilha, em Jurerê (que, apesar do grande pontão e muitos barcos ao redor, não é o lugar mais abrigado do freqüente vento nordeste que assola a região). Bem diferente da praínha da Ilha do Francês, esta uma outra jóia de Florianópolis.

Seguimos nosso passeio vendo a Praia de Canasvieiras e seus muitos prédios, Ponta das Canas (outro bom abrigo de nordeste), a bonita Praia da Lagoinha e, por fim, a já densamente povoada Praia dos Ingleses, que no extremo leste tem uma marina bem simples, junto ao famoso resort Costão do Santinho.

Saindo deste último refúgio abrigado, voltamos ao mar aberto da costa leste, que normalmente tem bastante vento e ondas, mas como escolhemos a dedo o dia do nosso passeio, não havia nem um coisa nem outra. As poucas nuvens logo se desfizeram e pudemos apreciar um magnífico pôr do sol no través da Praia do Santinho. Passamos, também, entre as duas Ilhas das Aranhas, outro bom ponto de pesca e mergulho, e retornamos ao canal da Barra, onde o passeio começara, naquela manhã.

A volta foi ainda mais festiva do que a partida, já que não só o dia, mas também o passeio, foram perfeitos. E para que o mesmo aconteça com você também, aqui vão três conselhos:

1) Parta o mais cedo possível, para aproveitar melhor a luz do dia. Até porque, geralmente, o mar e vento pela manha são mais calmos. No verão, os dias são mais longos, mas o tempo é mais inconstante.

2) Esteja a bordo de uma lancha com capacidade de desempenho entre 25 e 30 nós, para poder percorrer toda a ilha num só dia. Ou, então, prepare-se para pernoitar a bordo, o que
pode ser melhor ainda, se tiver tempo. Veleiros não têm alternativa: precisam de dois ou três dias para fazer o percurso.

3) Estude bem a previsão do tempo para escolher o dia certo para o passeio. Se o tempo virar no meio dele, tudo pode tornar-se um tormento, apesar dos inúmeros pontos de abrigo ao longo da ilha. Que além de belíssima ainda é bem segura. Levante âncora e vá descobri-la, seguindo nossos waypoints, logo a seguir.

(Náutica Sul, 05/09/2005)