Emenda sem discussão muda zoneamento na Vila S. Rosa

Emenda sem discussão muda zoneamento na Vila S. Rosa

“Vamos correr atrás do que é nosso, o resto eles que se virem”. O desabafo é do líder comunitário Joaquim do Nacimento Filho, ao comentar a aprovação de uma lei pela Câmara de Vereadores, alterando o zoneamento no entorno da Vila Santa Rosa, no bairro da Agronômica, permitindo a construção de prédios com até 14 andares. A mudança inclui a área entre a sede da seccional de Santa Catarina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SC) e a rua Antônio Carlos Ferreira, onde existem atualmente casas de comércio e residências.

O impasse começou quando o prefeito Dário Berger encaminhou o projeto de lei complementar 740/2006, em setembro do ano passado, alterando a legislação que regulava o zoneamento nessa área da Agronômica. “A iniciativa foi tomada para permitir que os moradores da Vila Santa Rosa recebessem suas indenizações da empresa Tarumã, escapando da desocupação sem pagamento, previsto em sentença judicial”, explica a vereadora Angela Albino (PC do B).

O imóvel da empresa Tarumã, ocupado por dezenas de famílias há duas décadas, tem apenas 23 metros de largura e qualquer edificação no local teria que apresentar um recuo de 11 metros. O espaço reduzido inviabilizaria qualquer empreendimento no local e o conseqüente pagamento das indenizações a 23 das 146 famílias residentes na área. Visando garantir o pagamento, a Câmara se dispôs a aprovar um recuo de apenas quatro metros, tendo sido fechado o acordo e encaminhado o projeto ao Legislativo.

Tudo caminhava para uma solução positiva, visando satisfazer as partes e cumprir a sentença judicial que determina a desocupação do imóvel. No entanto, surgiu uma emenda do vereador Jaime Tonello (PFL), alterando o zoneamento previsto no Plano Diretor para outras áreas da região. Com isso, o empresário de Florianópolis que possui diversos imóveis no local poderia erguer edifícios com até 14 andares.

Um projeto semelhante ao que foi aprovado pelos vereadores na sessão de 20 de dezembro do ano passado, alterando todo o zoneamento da região, tramita no Legislativo. Ele foi apresentado pelo vereador João Itamar da Silveira, João da Bega, (PMDB) e aguarda a vez de ser apreciado. É possível que a Câmara não derrube o veto parcial do prefeito Dário Berger, preferindo aprovar o projeto de Silveira.

Vereadores defendem os interesses econômicos, acusa Ipuf

O presidente do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf), Ildo Rosa, acusa a Câmara de ter feito “uma gambiarra”. Segundo ele, a área não comporta esse gabarito, por ser um terreno de acrescido de marinha e bastante frágil. “Os que residem nos fundos dessas futuras construções vão perder a visão da paisagem da Baía Norte e terão a circulação de ar prejudicada”, salienta.

Foi com argumentos como esses que o projeto aprovado na Câmara acabou sendo parcialmente vetado pelo prefeito Dário Berger, medida que pode ser derrubada pelos vereadores quando as sessões do Legislativo forem retomadas, em fevereiro. “O que foi aprovado permite construções com até 44 metros de altura, o que não poderia ter acontecido”.

Enganados

Para Joaquim do Nascimento Filho, os moradores foram usados. “Eles se aproveitaram da comunidade para aprovar outras coisas que não nos interessam”, disse. O que preocupa o líder comunitário é o pagamento das indenizações no valor de R$ 72.500,00 para cada família, mais os juros e correção monetária de um ano. “O pagamento deveria ter sido feito 48 horas após a publicação no Diário Oficial, o que aconteceu na última segunda-feira, mas isso ainda não foi feito”.

As alterações propostas pelo projeto do Executivo foram discutidas durante audiência pública na Câmara de Vereadores no dia 14 de novembro do ano passado. Na ocasião, a emenda do vereador Jaime Tonello ainda não havia sido apresentada e, por isso, a matéria aprovada é ilegal, segundo Ildo Rosa. “A proposta deveria ter sido discutida em nova audiência pública, convocada especialmente para isso, o que não aconteceu”.

Além disso, teria que ter sido efetuado um Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), previsto no Estatudo das Cidades, o que também não foi realizado. “Começaram a promover mudanças numa área pequena, e estenderam as alterações para uma área bem maior”, salienta Rosa. “Os interesses econômicos estão predominando sobre os interesses da sociedade”, complementa o presidente do Ipuf.

O vereador Jaime Tonello, autor da emenda que levou à profunda alteração do zoneamento naquela região da Agronômica, não foi localizado. “Chegou a ser falado numa auto-convocação para apreciar o veto parcial do prefeito Dário Berger, mas isso foi deixado para as sessões ordinárias a partir de fevereiro”, explica a vereadora Angela Albino.

Decisão está nas mãos do Legislativo, que cobra fiscalização

O presidente da Câmara da Capital, vereador Ptolomeu Bittencourt Júnior (PFL), garantiu que o Legislativo vai agir no sentido de preservar os interesses da coletividade. “Disso eu não abro mão”, disse, sem antecipar se é favorável ou não à derrubada do veto parcial do prefeito Dário Berger, no caso das alterações de zoneamento na região da Vila Santa Rosa, na Agronômica.
Como presidente do Legislativo, “não decido pelo plenário, não sei o que os vereadores pensam sobre o assunto”, disse. “Não me cabe emitir juízo. Devo atuar como magistrado, e a decisão vai ser política, baseada em argumentos técnicos que serão levantados pela Comissão de Justiça”, assinalou. Segundo ele, o assunto vai ser tratado com prioridade quando terminar o recesso da Câmara.

Quanto as quase 500 alterações de zoneamentos do Plano Diretor do Distrito Sede de 1997, promovidas pela Câmara, Ptolomeu Júnior prefere não comentar a atuação dos colegas. “No meu caso, das alterações que eu propus, 95% foram mais restritivas”, diz. Ptolomeu acrescenta que as restantes incluem a legalização de situações sociais consolidadas, como a dezenas de famílias que foram mantidas em áreas antes não edificáveis no Saco Grande.

Sobre o fato de as alterações no Plano Diretor permitirem a presença de 1,7 milhão de habitantes a mais na região central de Florianópolis, o presidente da Câmara diz que a Prefeitura tem responsabilidade no caso. “A lei cria uma expectativa, mas o Executivo é quem vai expedir ou não a licença”, destaca, dependendo da disponibilidade de água tratada, energia elétrica, coleta de esgoto e lixo e do sistema viário, entre outros.

“O Plano Diretor de 1997 é bem melhor que o anterior”, avalia. “Mas devemos lembrar que o papel aceita tudo, o legal e o ilegal, o moral e o imoral, por isso devem existir mecanismos de fiscalização por parte do Executivo. Se isso não acontecer, de pouco vai valer o que está escrito”, diz. Ele teme que isso possa acontecer com o novo Plano Diretor em andamento, coordenado pelo Ipuf, “caso continue esse problema de falta de fiscalização”.
(Celso Martins, A Notícia, 22/01/2007)