16 out Entre tapas e beijos
Da coluna de Cacau Menezes (DC, 12,14,15 e 16/10/2006):
Centro de discussão, esta semana, a procuradora federal Analúcia Hartmann escreve à coluna para esclarecer algumas questões.
“Como sua leitora há muitos anos, não pude deixar de ver a nova nota publicada anteontem a respeito de meu trabalho. Não sou apenas uma profissional que acredita na importância da proteção do patrimônio público, seja ele natural ou cultural. Acredito, também, no trabalho sério e bem fundamentado da imprensa, e tenho lido, com admiração, suas matérias sobre os desmatamentos, poluição no mar, privatização de parques públicos e outras mazelas que destroem a qualidade de vida das pessoas.
Fiquei surpresa com a nota de ontem, embora, evidentemente, já tivesse entendido a ligação entre os fatos recentes e a crítica injusta dos protagonistas. Recebi inúmeras manifestações de apoio, o que também comprova que sua coluna tem muitos e diversificados leitores. Não pretendia entrar na discussão, mas não posso deixar de fazer um pequeno comentário essencial: o Ministério Público não decide, pois esta é a função do Poder Judiciário. O MP recebe informações e demandas e cumpre com seu papel constitucional, levando-as ao Judiciário, quando existirem elementos para tanto, em matéria cível ou criminal. Assim como não posso ter sido polêmica em decisões, pela simples razão de que estas nunca foram minhas, também, obviamente, não mandei aplicar multa alguma. As penas de multa são fixadas pelo juiz, que também decide sobre sua aplicação, nos casos concretos. Também não devo ter dito a metade das frases que me atribuem, mas isso não tem importância. Atenciosamente.”
Amanhã vamos conhecer as razões dos empresários para a ofensiva contra a procuradora Analúcia Hartmann.
As queixas
Com a palavra, o empreendedor Carlos Amastha:
“Cabe esclarecer aos seus leitores que considero, como a maior conquista da democracia brasileira, a independência e o poder que detêm hoje, tanto o MPF quanto o MPE. Ditos órgãos têm se tornado uma referência na denúncia e no combate à corrupção, que, infelizmente, infesta a sociedade nacional. Muito menos, sou a favor dos bárbaros crimes ambientais que já foram cometidos no município de Florianópolis. O rigor e o cumprimento da lei devem ser exemplares para garantirmos a única herança real que poderemos doar para os nossos filhos, um meio ambiente equilibrado, uma garantia de continuidade da raça. Porém, quando decidi representar contra a doutora Analúcia Hartmann foi motivado justamente por essas premissas. Ela age à margem da lei, decidindo o que pode ou não ser feito na cidade, e não baseada em argumentos técnicos nem de respeito ao meio ambiente. Mas apenas nos critérios pessoais. Alimenta, com seus posicionamentos, uma série de ONGs, que vivem de achacar e extorquir empresários em troca de favores, para não serem denunciados nem impedidos de construir, pelas falsas denúncias que podem ser imputadas em função da ação irresponsável de pessoas como a referida senhora.
Por que não pode ser construído o Costão Golfe ou a Marina da Barra? Pelo cumprimento da lei ou por caprichos da doutora? Por que pode ser construído um shopping sem respeitar os 30 metros de afastamento de um curso de água, imposto pela legislação federal? Pelo cumprimento da lei ou por capricho dela? A lei deve valer para todos. Anexo, cópia da representação apresentada contra ela na sede do MPF em Brasília.”
Um desabafo
Para o empresário Fernando Marcondes de Mattos, a procuradora da República Analúcia Hartmann e algumas ONGs querem paralisar o crescimento da nossa cidade. Para a coluna, Marcondes, enfim, desabafa:
“A procuradora esquece que temos de criar pelo menos 5 mil empregos por ano em Florianópolis, sem o quê os nossos jovens vão para as ruas por falta de atividade e ficam a um passo da marginalidade e do crime. Esquece que para termos um turismo compatível com as características naturais da Ilha necessitamos de equipamentos que qualifiquem essa atividade econômica, como parques temáticos, marinas, píeres, atracadouros, hípicas, campos de golfe e autódromos. Esquece que podemos produzir um desenvolvimento econômico de forma sustentável, com valorização dos nossos recursos naturais, históricos, artísticos e culturais, bem como promoção da mão-de-obra local, como acontece no Costão do Santinho.
Tenho sido vítima da procuradora Analúcia desde 1997, quando, sem motivo, obteve o embargo do Hotel Internacional Costão do Santinho, paralisando a obra por um ano e meio. Hoje o empreendimento vive sendo premiado no Brasil e no exterior.
Agora, vejo-me novamente perseguido injustamente pela procuradora, que não aceita as conclusões dos exaustivos estudos técnicos e comprovações científicas realizados quanto à total preservação, pelo empreendimento, do aqüífero dos Ingleses. E impede, assim, a conclusão do Costão Golf, iniciativa irrepreensível em todos os seus aspectos e de enorme relevância sócio-econômica para Florianópolis e Santa Catarina, especialmente quanto à geração de empregos.”
Fernando Marcondes de Mattos não tem dúvidas de que a coisa, com ele, é quase pessoal.
A cidade em discussão
“Querido Cacau, pessoas que, em relação ao atual cenário sócio-ambiental de Floripa, manifestam apoio a ‘todas’ as medidas da procuradora Analúcia Hartmann revelam, além de muita burrice, uma incontrolável vocação ao sectarismo retrógrado. O que, aliás, lembra a existência de um certo ‘aparelho’ de ‘ambientalismo melancia’ (verde por fora e vermelho por dentro), cujos militantes atuam com grande desenvoltura em Florianópolis. Camuflando sob ações de bom-mocismo ecológico aquele surrado modelito maniqueísta vermelho básico, agem como “pequenos donos da cidade”, embargando shopping, campo de golfe, residenciais, aeroporto, marina, beira-mar no Continente, subestação de energia, estação de tratamento de esgoto… Escudam-se na tal da relativização do Direito pela sociologia barbuda, que divide o mundo em bandidos e mocinhos: abaixo a burguesia, que invade espaços valiosos para satisfazer conforto e luxo; viva o proletariado, que ocupa espaços ociosos para realizar a justiça social.
Não conheço ‘todos’ os casos em que a procuradora atua. Mas tem dois que conheço bem: contra a prefeitura, por causa da favela do Siri sobre as dunas de Ingleses, e o do Costão Golf. Nem vou aqui me estender sobre minhas inúmeras razões para questionamentos e dúvidas, porque a argumentação seria longa demais. Mas não apóio as medidas da procuradora contra o residencial Costão. Eu e mais milhares de moradores do Norte da Ilha, que tiveram sua representatividade usurpada por meia dúzia de ‘lideranças de movimentos sociais’. Exorbitando da função de suas ONGs, entre outras coisas, elas pisotearam sobre moradores do Santinho, Ingleses e Rio Vermelho, e foram para o Centro da cidade colher duas mil assinaturas de ‘apoio’ para ‘legitimar’ a ação civil pública que pediu o embargo do Costão Golf. Um dos argumentos do convencimento dos passantes foi a falácia de que as criancinhas do Norte da Ilha iriam contrair câncer. Até hoje o assunto é tratado sob apenas dois pontos de vista antagônicos: o do empreendedor e o dessas ONGs. Entidades e pessoas favoráveis ao projeto? Parece que não existem. Sobre a recuperação das dunas, faz tempo que não se ouve falar no assunto. Beijos, Maria Aparecida Nery.”
O tema é bastante polêmico e, como pegou, amanhã vamos ouvir quem falta, os defensores da procuradora, ou, como prefere a leitora acima, “os pequenos donos da cidade”.
A parte que faltava
Há muito tempo sempre ouço, no meio em que circulo, reclamações a respeito da procuradora Analúcia Hartmann. Felizmente, agora tivemos oportunidade de conhecer, dos próprios envolvidos, inclusive dela, suas opiniões sobre ações e reações. Cada qual fazendo a sua parte. Inclusive o cidadão, que não deixou de se manifestar, até porque o assunto é da mais alta importância para todos nós, seja empresário, seja um motorista de ônibus. Muita gente contra ela, muita gente a favor dela, muita gente pensando na cidade, muita gente só querendo ver o circo pegar fogo. De Miami, Toronto e Armação, o que não faltou foi manifestação.
Cidadão norte-americano, jornalista em Nova York e ambientalista em Florianópolis, onde está morando há 10 anos, o leitor Jeffrey Hoff foi o meu escolhido para falar em nome de todos que defendem a procuradora nesta briga com os empreendedores.
“Caro Cacau, as decisões que embargaram o Costão Golf, a Marina da Barra e o shopping, citadas por Carlos Amastha na sua coluna de sexta-feira, foram tomadas por juízes federais e não pela procuradora Analúcia Hartmann.
No caso do Costão Golf e da Marina da Barra, tais decisões foram apoiadas na segunda instância da Justiça Federal. As determinações judiciais nas ações civis públicas da Procuradoria-Geral da República comprovam que o argumento de Amastha é totalmente sem consistência.
Nos três casos, os argumentos da Procuradoria, baseados nas leis brasileiras, foram acatados pelos juízes. Isto comprova, claramente, que quem agia ‘à margem da lei’ eram os responsáveis pelos empreendimentos e não a procuradora. Ela, há mais de uma década, vem tendo a seriedade de garantir que a cidade de Florianópolis e seus moradores sejam protegidos pelas leis, e a coragem de confrontar ataques irresponsáveis lançados por empresários gananciosos e pelos políticos que os servem.”