25 set Cobertura vegetal da cidade ainda é boa
Florianópolis tem hoje mais vegetação do que nas décadas de 1950 e 1960, quando a agricultura e os engenhos de açúcar, aguardente e farinha de mandioca, eram a base da economia local. Em muitas áreas, como no Ribeirão da Ilha, as marcas desse tempo ainda estão presentes em manchas nas encostas dos morros, antigamente usadas nas atividades agrícolas. No Rio Vermelho, as áreas de restinga entre o aglomerado urbano principal e a praia eram imensos campos de plantios e tratos com o gado.
“Quantitativamente contamos com mais cobertura vegetal do que há 40 ou 50 anos”, afirmou o professor João de Deus Medeiros, do curso de Biologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Em linhas gerais, a Ilha está relativamente tranqüila. Não é um quadro que nos preocupe”, disse, enfatizando a questão da qualidade dessas florestas. “São raras as manchas de matas primárias e quase todas estão em fase de recuperação”.
Os fragmentos de mata atlântica que sobrevivem em Florianópolis, como na região da Lagoa do Peri, “são extremamente frágeis”, onde exemplares de madeiras nobres como a peroba, o cedro e canela preta são cada vez mais raras. “Encontrar uma canela preta no meio da floresta hoje em dia é um verdadeiro achado”, observou João de Deus. Além disso, muitas florestas em regeneração “encontram obstáculos para ter restabelecida a diversidade original”.
Uma dessas ameaças é em relação ao palmito, espécie que se desenvolve nos escalões intermediários das florestas, entre as copas das árvores mais altas e os arbustos, abrigado nas sombras. “Regiões como o Ribeirão da Ilha e Lagoa do Peri foram alvos da coleta de palmitos e hoje são raros os exemplares adultos existentes”, acrescentou Medeiros. Ele realizou um passeio na semana passada pelos morros da região da Vargem Grande e constatou que “os extratores de palmitos passaram a atuar nessas áreas”, apontou. A vegetação de restinga, que se desenvolve nas áreas planas entre as praias e as encostas do morros, também é alvo de predadores, segundo Medeiros. “No litoral catarinense e em Florianópolis nossas maiores dificuldades estão nas áreas de restingas”, reforçou a gerente de fiscalização da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Fatma), Luciane Dusi.
Entre março e agosto desse ano, a Fatma emitiu 464 autos de infração em todos o Estado, principalmente nas regiões de Tubarão, Joinville e Florianópolis, dos quais 145 se referem a crimes contra a flora – 31,2% do total. Esse percentual pode ser aplicado em Florianópolis, com pequenas diferenças, indicando a existência de uma ameaça permanente contra a cobertura vegetal da cidade.
Viajantes
“Está coberta de uma floresta de árvores sempre verdes, que, pela fertilidade do solo, são de tal maneira entremeadas de sarças, espinheiros e arbustos, que o todo forma um conjunto impossível de atravessar, a menos que se tome algum caminho que os habitantes fizeram para sua comodidade”. (Anson, 1740)
“Caso se queira penetrar lateralmente na espessa escuridão da floresta, abandonando o caminho estreito, encontra-se uma frente intransponível, tornando impossível o acesso ao cume das montanhas. Quase todas as formas arquitetônicas da botânica estão comprimidas na floresta em rica variação”. (Chamisso, 1815)
“As árvores frutíferas são excelentes em suas espécies, as laranjas são tão boas como as da China, existem muitas limeiras, limoeiros, goiabeiras, palmitos, bananeiras, cana-de-açúcar, melancias, melões, jerimuns e batatas melhores que as de Málaga, tão estimadas”. (Frézier, 1712)
“As espécies mais nobres e mais variadas de madeira próprias para a construção de navios e para a confecção de móveis domésticos, crescem nas matas próximas e teriam, de imediato, comércio considerável, se a exportação das mesmas não fosse proibida.” (Langsdorff, 1803)
Fonte: “Ilha de Santa Catarina – Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos 18 e 19”. Florianópolis: Editora da UFSC/Assembléia Legislativa de Santa Catarina, 1984.
Floram autoriza apenas metade dos pedidos
Entre cinco a dez pedidos de cortes de árvores chegam todos os dias à Gerência de Operações da Fundação Municipal do Meio Ambiente (Floram) para serem analisados pelos técnicos. Aproximadamente metade das solicitações são negadas ou recebem autorização apenas para podas. “É um problema cultural”, avaliou o agrônomo Edelbert Adams, referindo-se a alguns argumentos apresentados pelos pretendentes.
“É só cair um vento sul mais forte e as árvores começarem a balançar que aparece uma enxurrada de pedidos”, salientou. Uns alegam que as folhas estão sujando as calçadas ou os jardins das casas, enquanto outros argumentam que as flores de um flamboyant se espalham pelo chão. “Se aprovássemos todos os pedidos, em cerca de 10 anos a área central de Florianópolis não teria mais nenhuma árvore”, afirmou Adams.
Fenômeno cultural
Mas essa não é a única ameaça à cobertura vegetal de Florianópolis. Segundo a gerente de Fiscalização e Licenciamento da Floram, Elisa Rehn, “a supressão e o corte indiscriminado da mata nativa acontecem principalmente nas encostas, quase sempre por causa da implantação de loteamentos, regulares ou não”, salientou. “Muita gente desconhece que não é permitido o corte de qualquer árvore sem autorização e que isso é um crime”.
Também nesses casos, estamos diante de um fenômeno cultural. “Pelo fato de a árvore estar no seu quintal, às vezes plantada por ela ou algum parente, a pessoa se acha no direito de cortá-la para fazer alguma construção, erguer uma garagem ou algo parecido”, destacou Rehn. Quando o corte é solicitado à Floram e autorizado, os técnicos orientam para que outras árvores sejam plantadas num outro canto do terreno, visando manter o percentual de sombras.
“A cobertura florestal é importante para o clima, pois elimina ou diminui os efeitos das ilhas de calor que se formam na cidade”, acrescentou Elisa Rehn. Apesar da fiscalização e do aumento no número de denúncias apresentadas por populares, o desmatamento prossegue em Florianópolis. “Diminuiu um pouco, mas ainda nos preocupa”, complementou a técnica da Floram.
Saiba mais
· Cerca de 50% da cobertura vegetal de Florianópolis são constituídas de capoeirões (floresta em regeneração);
· Somente entre 2% e 3% são de florestas primárias;
· Nas encostas dos morros encontra-se a Floresta Ombrófila Densa ou Floresta Pluvial da Encosta Atlântica;
· Nas planíveis arenosas do quaternário ocorrem as restingas – arbustivas, sub-arbóreas e arbóreas;
· A vegetação das dunas está incluída na cobertura vegetal de Florianópolis;
· Os manguezais, ocupando uma área de cerca de 16,9 quilômetros quadrados, também integram as florestas da Capital
(Celso Martins, A Notícia, 25/09/2006)