Urbanização acaba com os rios

Urbanização acaba com os rios

Os cursos d’água da Ilha de Santa Catarina continuam sendo tratados como os primos-pobres dos ecossistemas, tendo suas margens ocupadas e sem a vegetação protetora, recebendo toneladas de sedimentos, esgoto e lixo todos os dias. A avaliação é da gerente de licenciamento e fiscalização da Fundação Municipal do Meio Ambiente (Floram), Elisa Rehn, associando a degradação dos rios, córregos e ribeirões ao avanço da urbanização.

“Sempre que há um rio preservado, com as águas limpas e a vegetação ciliar das margens intacta, não existe ocupação humana por perto”, salientou Elisa. Quando, ao contrário, o curso está poluído com esgoto e outros líquidos, as águas amareladas e com volume diminuído, sempre haverá por perto um núcleo de edificações, por menor que seja. “Fica até ruim para a gente explicar a necessidade de preservação das margens dos rios, pois há uma tradição cultural que não vê problemas em morar perto de um rio”, desabafou a gerente da Floram.

O Código Florestal de 1965, confirmando o anterior da década de 1930, já previa uma margem de proteção de cinco metros ao longo dos cursos d’água. Mais tarde, a faixa subiu para 15 metros e, a partir de 1989, para 30 metros, aumentando conforme a largura. “O rio pode ter pouca água ou mesmo ser temporário, surgindo durante as chuvas, mas continuará a ser um curso d’água e por isso protegido”, destacou a representante da Fundação.

As mudanças nos tamanhos da faixa de proteção, onde a vegetação não pode ser tocada, nem ser erguidas construções, “têm nos causado problemas”, reforçou o superintendente da Floram, Francisco Rzatki. “O fato de antes existir uma faixa de proteção de 15 metros e depois haver passado para 30 metros faz com que apareçam irregularidades nos alinhamentos das edificações próximas dos rios”, disse.

“Quando a gente vai autuar algum morador que chegou recentemente e está a menos de 30 metros, ele alega estar havendo discriminação, apontando a casa de um vizinho distante 15 metros da margem. A gente tenta explicar, mas eles não entendem”, complementou. Segundo Elisa Rehn, “as condições dos rios têm relação direta com a balneabilidade das praias, pois os pontos mais críticos sempre estão próximos de saídas de cursos d’água”.

Principais cursos d’água da Ilha de Santa Catarina

Bacias
· Ratones
· Saco Grande
· Lagoa da Conceição
· Itacorubi
· Rio Tavares
· Lagoa do Peri

Rios
· Naufragados
· das Pacas
· do Peri
· da Tapera
· Cachoeira Grande
· Tavares
· Itacorubi,
· do Sertão
· Büchele
· Araújo
· Pau do Barco
· do Mel
· Veríssimo
· Ratones
· Papaquara
· Palha
· do Braz
· Sanga dos Bois
· Capivari
· Capivaras

Ribeirões
· Vargem Pequena
· Vadik
· do Porto
· Sertão da Fazenda

Córregos
· do Passarinho
· do Ramos
· Arroio dos Macacos
· Ana d’Avila
Fonte: Instituto do Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf)

Problemas mais graves são encontrados nos rios pequenos

Os dois rios de maior porte na área insular de Florianópolis estão sob a responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que administra a Estação Ecológica de Carijós (bacia do rio Ratones) e a Reserva Extrativista Marinha de Pirajubaé (rio Tavares). Eles também sofrem com o lançamento de poluentes e sedimentos que aceleram o processo de assoreamento (Ratones), além de ocupações das margens (curso médio do Tavares).

Como a vigilância é maior sobre eles, os de menor porte sofrem ainda mais. É o caso do rio das Ostras, em Jurerê, onde a cor e mau cheiro denunciam que nele é despejado esgotos, situação semelhante a do rio Doca ou Morto, em Cachoeira do Bom Jesus. O rio do Braz, em Canasvieiras, compromete a balneabilidade da praia quando se rompe durante períodos de chuva, indicando a péssima qualidade das suas águas.

Outro exemplo é o rio Apa ou Riacho, com nascentes no morro da igreja da Lagoa da Conceição e foz na altura do condomínio Saulo Ramos, onde a Casan deu início à implantação de uma rede de coleta de esgoto. O rio Capivari nasce na dunas do Rio Vermelho e avança pelo Sítio do Capivarí, onde desaparece, ressurgindo mais à frente com o nome de Ingleses. “Ele some no ponto em que a Casan capta água de poços e isso é normal”, salientou a a gerente de licenciamento e fiscalização, Elisa Rehn.

No Sul da Ilha de Santa Catarina os problemas se concentram no rio Sangradouro, com nascentes na Lagoa do Peri e foz entre as praias do Matadeiro e Armação do Pântano do Sul, separadas recentemente por um molhe de pedras. O rio Quincas Antônio nasce no Pântano do Sul e desemboca no Sangradouro (afluente) – ambos transformados em depósitos de lixo e esgoto.

“Todos esses cursos têm uma característica comum. Suas margens estão quase todas sem cobertura vegetal, ocupadas por construções e recebendo diversos tipos de poluentes”, destacou Elisa Rehn. “Eles possuem seus afluentes, pequenos e sem nomes, mas que são contribuintes de cursos maiores, integrantes de uma rede hidrográfica que precisa ser preservada”, complementou a gerente.

Menos peixe a cada ano

Os problemas ambientais dos cursos d’água apontados pela Floram são sentidos de perto por Alcebíades da Silveira, 54 anos, residente nas imediações da ponte sobre o rio Tavares, no Sul da Ilha. “Quando tem maré alta aparecem grandes manchas de óleo e todo tipo de lixo”, disse, enquanto aguardava a chegada dos técnicos da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) que monitoram a região do aterro da Via Expressa Sul.

“Eu faço a coleta de amostras da água para eles analisarem em oito pontos do aterro”, explicou. Segundo Silveira, só existem dois pontos onde a água é de boa qualidade: nas imediações da Ilha das Vinhas, no bairro José Mendes, e no chamado Buraco da Draga, junto ao manguezal do rio Tavares. “Nos demais a qualidade é a pior possível”, revelou.

Independente das medições e análises feitas, o fato é que os problemas se refletem na mesa. Até cerca de 15 anos atrás, o rio Tavares estava repleto de tainhas e tainhotas, entre outros peixes, “mas de um tempo para cá elas estão raras”, constatou Silveira. Além da poluição, o assoreamento da foz do rio impede a circulação dos pescados, das águas e das embarcações. Com a maré alta, o canal de navegação chega a ter 1,5 metro, diminuindo para “não mais de 20 centímetros com a maré baixa”, explicou.

Silveira ainda se lembra de quando a foz do rio possuía de quatro a cinco metros de profundidade. Até mesmo o siri está desaparecido, assim como os caranguejos do manguezal do rio Tavares. Menos mal que os berbigões estão voltando no Buraco da Draga, onde havia um banco de areia usado no aterro da Via Expressa Sul.
(Celso Martins, A Notícia, 08/06/2006)