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Com as receitas da venda de petróleo, Abu Dhabi vai erguer a cidade mais ecológica do mundo

Os xeques do Oriente Médio, os executivos da indústria automobilística e os empresários do setor petrolífero ocupam um lugar de honra na galeria de vilões do aquecimento global. Pois imagine essa turma toda reunida para construir uma cidade-modelo de sustentabilidade, onde os carros movidos a combustível fóssil não poderão circular, os prédios comerciais e as residências funcionarão à base de painéis solares e toda a água utilizada e o lixo produzido pela população serão reciclados.
A história parece descrição de uma miragem, mas é real. Quem está à frente do projeto surpreendente (e cercado por uma grande dose de ironia) é o governo de Abu Dhabi, cidade-estado dos Emirados Árabes, dona de uma das maiores reservas de petróleo do planeta. A meta é construir uma metrópole com emissão zero de CO2 na atmosfera.
No time de parceiros envolvidos na empreitada encontram-se multinacionais do setor de energia, como a BP e a Shell, e duas montadoras, Mitsubishi e Rolls-Royce. Masdar (“fonte”, em árabe), como foi batizada a metrópole verde no meio do deserto, vai custar 4 bilhões de dólares e deve abrigar universidades, centros de pesquisa, 1 500 empresas e uma população de 50 000 pessoas. Cercada por muros, vai ocupar uma área de 6 quilômetros quadrados no centro de Abu Dhabi. Segundo previsão do governo local, tudo deve ficar pronto até 2016.
Num lugar como os Emirados Árabes, onde sobram petrodólares e falta modéstia a arquitetos e empreiteiros, Masdar parece apenas mais um projeto destinado a engrossar a lista de excentricidades da região. Mas o governo de Abu Dhabi acha que pode lucrar muito com sua cidade sustentável. Em tempos ecologicamente corretos, a iniciativa tem potencial para virar uma arma de marketing, ajudando a melhorar a imagem de um Estado que lucra alto com a venda de combustíveis fósseis.
Ainda há a perspectiva de outros tipos de ganho. Abu Dhabi tem um desafio comum a vários países do Oriente Médio: preparar a economia para o fim da era do ouro negro. A vizinha Dubai tenta resolver a questão concentrando os investimentos na construção de empreendimentos turísticos megalomaníacos. Abu Dhabi, por sua vez, quer se tornar um modelo e centro de desenvolvimento de projetos de sustentabilidade no Golfo Pérsico.
“O que poderia ser melhor do que investir o faturamento de nossa indústria de petróleo e gás em algo que pode nos garantir a liderança em energia também no futuro?”, perguntou num pronunciamento oficial o sultão Ahmed Al Jaber, presidente da Abu Dhabi Future Energy, empresa formada pelo governo para desenvolver projetos sustentáveis e tecnologias de energias renováveis. “No futuro, todas as cidades serão construídas como Masdar”, diz.
Capital ecológica
O governo de Abu Dhabi está investindo 4 bilhões de dólares para erguer no meio do deserto uma cidade que pretende ser um modelo de sustentabilidade.Abaixo, algumas de suas características:
Energia
Cerca de 1 bilhão de dólares serão investidos na instalação de painéis solares na cidade. O sistema deve representar a principal fonte de energia do lugar.
Refrigeração
Os materiais utilizados nas casas e nos prédios terão características térmicas que reduzirão ao máximo a demanda de energia para condicionamento de ar.
Reciclagem
Toda a água utilizada e o lixo produzido pela população serão reciclados.

Transporte

Os carros serão proibidos de circular dentro dos muros da cidade.Para percorrer grandes distâncias, a população terá à sua disposição uma extensa rede de trens elétricos

DINHEIRO PARA LEVAR A CABO TANTOS PLANOS
não é, definitivamente, um problema. Sentada sobre 90% das reservas petrolíferas dos Emirados Árabes, a cidade-estado tem visto sua riqueza se multiplicar nos últimos tempos graças, em grande parte, aos preços recordes do barril do combustível. Seu PIB evoluiu a uma média espantosa de 25% ao ano desde 2002 e a renda per capita da população de 1,4 milhão de habitantes é de 68 500 dólares (a média dos americanos é de 45 500 dólares).
Abu Dhabi também é dona do mais rico fundo soberano do mundo, com cerca de 875 bilhões de dólares em investimentos. A política atual de diversificação da economia começou a ser traçada em 2004, com a ascensão ao poder do xeque Mohammed bin Zayed Al Nahyan, de 46 anos, herdeiro de uma dinastia que controla Abu Dhabi há mais de três décadas. É do atual governante a idéia de colocar em prática o plano estratégico batizado de Abu Dhabi 2030.
Além da construção da cidade ecológica Masdar, ele contempla uma série de outras iniciativas de desenvolvimento e atração de investimentos estrangeiros. Ilhas naturais repletas de hotéis de luxo, campos de golfe, parques temáticos — incluindo o primeiro assinado no mundo pela grife automobilística Ferrari –, marinas e condomínios residenciais dividirão espaço com algumas das mais respeitadas universidades e museus do mundo.
O Abu Dhabi Tourism Authority, órgão governamental responsável pelo desenvolvimento do turismo, seduziu — com alguns meses de negociação e vários milhões de petrodólares — museus como Louvre e Guggenheim e as universidades Sorbonne, na França, e MIT, nos Estados Unidos. Nos próximos anos, essas instituições devem abrir sucursais na cidade-estado.
“Com os novos projetos, a maior preocupação de Abu Dhabi não é apenas trazer dinheiro, mas gerar empregos qualificados e diversificar a economia para além do petróleo e da indústria de base”, disse a EXAME o professor de ciências políticas Christopher Davidson, da Universidade Durham, na Inglaterra, um dos maiores especialistas em Oriente Médio e islamismo do mundo. Se depender da vontade dos xeques, a paisagem do deserto deve mudar radicalmente nas próximas décadas.
(Revista Exame, 20/03/08)

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