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Memória de Florianópolis: o progresso que matou o Miramar

(Por Carlos Damião, Notícias do Dia Online, 23/10/2015)

Incorporando-se ao debate sobre preservação do patrimônio histórico em Florianópolis, inclusive a conclusão das obras na Ponte Hercílio Luz, o leitor Alzemi Machado mandou email para a coluna lembrando que o dia 25 de outubro – este domingo – assinala os 41 anos de derrubada do Trapiche Municipal, conhecido popularmente como Miramar. Juntou à mensagem o texto do jornalista Adolfo Zigelli, lido no Vanguarda, lendário programa de rádio que era transmitido todos os dias, ao meio-dia, pela Rádio Diário da Manhã (hoje CBN-Diário). De fundo musical, o “Rancho do Amor à Ilha”, hino da cidade composto por Zininho.

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“Informe confidencial: ontem à tarde morreu o Miramar. Ainda bem que lhe pouparam de uma agonia lenta das mortes dolorosas e lhe desfecharam em um golpe só: rápido e certeiro. O progresso matou o Miramar. Foi em nome dessa palavra mística e incorporada ao pensamento médio vigente que o Miramar tombou. Sem um gemido e sem nenhum protesto destroçado pela máquina. Sobre as areias compurgadas do aterro espalharam-se os restos do seu corpo esquartejado, sem que ao menos as antigas águas amigas lhe lambessem as feridas sangrantes. Flores rubras se abriram no seu velho peito cansado e por elas jorrou o sangue de muitas gerações. Nenhuma lápide, nenhuma inscrição. Ontem, morreu o último símbolo da Ilha”.

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Fui ao meu arquivo buscar a entrevista que fiz com o ex-governador Colombo Machado Salles, em 6 de janeiro de 2005, publicada no jornal A Notícia em 15 de março do mesmo ano, quando a segunda ponte completou 30 anos de construção. Colombo foi o responsável pela construção da nova travessia, depois de ter implantado o aterro da baía Sul, que incluiu a demolição da Ilha do Carvão e do Miramar.

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Eis o trecho da entrevista em que Colombo Salles menciona o caso do Miramar:

“O fim do Miramar é motivo para lamentos na Capital. Como é que isso ocorreu?

Colombo Salles – Ali não dava para chegar, era lodo puro, não dava para usar. Quando a maré subia, chegava nas lojas. Sou muito criticado por causa do Miramar. Mas o Miramar caiu, não foi derrubado. Era um trapiche coberto, não tinha estilo, não tinha nada. Era frequentado por pessoas sem muito conceito. À noite ninguém ia ali. Cheguei a limpar o local, fiz várias exposições, não ia ninguém, porque quem frequentava não tinha bom conceito. Quando veio a draga, a estrutura foi abalada. Muitos dos que criticam o Miramar nem conheceram o trapiche”.

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O fato é que a derrubada do Miramar significou uma alteração significativa no cenário urbano, brutalmente agredido pela implantação do aterro, que afastou o mar do Centro e adulterou nossa identidade histórica, nossa vida marítima tão próxima da vida cotidiana durante séculos. Fosse hoje, e não nos tempos em que a ditadura militar impunha o que quisesse à administração pública, é muito provável que a segunda ponte não fosse construída ali, muito menos o aterro. E quem sabe o Miramar ganhasse uma revitalização completa, transformando-se num museu, restaurante, café ou centro cultural?

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É curioso, na entrevista de Colombo Salles, a justificativa da má frequência no Miramar para a derrubada do belo e estiloso trapiche. Fosse hoje, com certeza o governo e a prefeitura teriam que demolir os prédios do Ipase (Praça Pereira Oliveira), das Diretorias (Rua Deodoro), da Alfândega e muitos outros… Simplesmente para acabar com a frequência de moradores de rua e consumidores de crack.

 

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