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Controvérsia na ampliação de limites e recategorização do parque da Lagoinha do Leste, na Capital

A casinha branca com jardim integrado ao pouco que sobrou da mata atlântica era a única da praia, há 38 anos, quando Maria Aparecida Borinelli, 60, chegou ao Matadeiro. Ponto privilegiado para observação de baleias, o chalezinho hoje é passagem obrigatória na caminhada de cinco quilômetros pela trilha pedregosa e íngreme que deixa para trás o costão, que mais parece uma vila para aluguel de veraneio, até atingir os limites do Parque Municipal da Lagoinha do Leste. Caminho que “quando tinha força nas pernas” ela fazia em duas horas.

Faz tempo que Cida não sobe até a trilha. Pouco sai de casa e também não sabia da proposta de anexação de mais 950 hectares e recategorização da unidade municipal de conservação ambiental.  A ideia é transformar a Lagoinha em parque natural, com proteção integral para fauna, flora, bacia hidrográfica e áreas de preservação permanente do entorno demarcadas pelo atual Plano Diretor de Florianópolis.

“Estamos adequando à Lei 9.985/2000 para viabilizar o cadastro no SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação). Assim, será possível pleitear financiamento a projetos junto ao Ministério do Meio Ambiente”, diz Mauro Manoel da Costa, 50, coordenador da Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente) na comissão municipal criada há dois anos para recategorização dos seis parques municipais.

A proposta da Floram revisa limites e áreas de preservação permanente da Lagoinha e inclui, por exemplo, a planície entre Armação, Pântano, Açores e Costa de Dentro, viabilizando corredor ecológico integrado ao ecossistema do parque vizinho da Lagoa do Peri.  Prevê a anexação de propriedades particulares, como a área conhecida na comunidade como “castelo da família Schnneider”, no costão do Pântano, e terras do empresário paulista Regis Romano Maciel, ambas mapeadas para empreendimentos turísticos de nível internacional.

Sem entender direito o que está acontecendo lá fora, Cida tem tempo de sobra para esperar a chegada das primeiras baleias da temporada, e reflete: “O certo mesmo seria proteger isso tudo em volta”, aponta.

Empreendedor questiona na Justiça

Dono de 1,32 milhão de metros quadrados, com escritura pública, no morro entre Matadeiro, Armação e Pântâno do Sul, parte zoneada pelo Plano Diretor como área de preservação permanente, o empresário Regis Maciel, 52, se apega ao alto valor da indenização em caso de desapropriação, e avisa que recorrerá à Justiça contra os novos limites do parque.

“A proposta da prefeitura não tem respaldo jurídico, é baseada em Plano Diretor sem validade”, argumenta o empresário, que tem projeto para construção de resort com trilhas, teleféricos, mirante para observação de baleias e cais para embarcações turísticas e pesqueiras.

Conforme levantamento imobiliário na região, o valor venal em áreas de preservação permanente do Matadeiro, pelo carne de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) é de aproximadamente R$ 69 por metro quadrado.  “A desapropriação custará caro aos contribuintes, sem nada arrecadar ao parque, diante dos vícios jurídicos e ambientais de origem” argumenta.

A falta de plano de manejo, da demarcação física e de fiscalização permanente reforça os argumentos de Maciel.  A proposta dele é constituir consorcio para viabilizar o empreendimento imobiliário no entorno, com repasse de 25% da arrecadação para a prefeitura aplicar na manutenção do parque.

Consultor aponta erros jurídicos e ambientais

A falta de critérios científicos é a principal contestação do biólogo Pedro Simas, 48, à ampliação dos limites e remarcação do parque da Lagoinha. Morador e consultor técnico durante a elaboração do Plano Diretor do Pântano do Sul entre 2003 e 2004, ele alerta que a proposta da Floram é inconstitucional. “O atual Plano Diretor de Florianópolis não tem zoneamento ambiental, ao contrário daquele feito para o Pântano há pouco mais de dez anos e até hoje ignorado”, critica.

A exclusão de áreas de preservação permanente sensíveis, como dunas e nascentes que formam a planície e o aquífero do pântano que dá nome ao distrito, é um dos erros apontador por ele, que também questiona a inclusão de outras glebas de terra aos limites do parque sem os estudos científicos necessários.

A recategorização, segundo o biólogo que participou do tombamento e ajudou a criar a Associação dos Amigos da Lagoinha do Leste, é importante para adequar o parque à legislação federal. Mais do que mera etapa burocrática para mudança de nome, abre portas a financiamentos do Ministério do Meio Ambiente a projetos de gestão, plano de manejo, demarcação física, estrutura para fiscalização e ações contra vandalismo e geração de receita para financiar a manutenção do parque.

“É louvável o esforço do pessoal da Floram, mas, baseada no Plano Diretor atual e sem planejamento técnico, a proposta nasce equivocada. As imperfeições jurídicas e científicas superam a boa intenção”, emenda Simas, que aponta outra controvérsia: “Os novos limites espremem a comunidade do Pântano do Sul, ao mesmo em tempo que permitem construções em áreas importantes da encosta, nascentes e cursos d’água”.

Coleta de lixo em troca de surfe, peixes e sossego

Para eles, não faz diferença se no papel o parque é municipal, estadual ou federal; nem se a inclusão do termo “natural” implicará em mais proteção. O que importa para Roberto Fernandes, 37, e os parceiros Paulo Cesar Mendes, 40, e Marcelo Nolasco Rodrigues, 36, é que a recategorização do parque ampliará a abrangência da lei e os limites físicos da Lagoinha e áreas de preservação permanente do entorno – mesmo as reivindicadas na Justiça por particulares.

“É preciso proteger de verdade, não só no mapa. Não podem permitir construção de estradas, empreendimentos turísticos ou depredação e vandalismo”, diz Beto, manezinho do Pântano do Sul que tinha nove anos quando o pai o levou pela primeira vez ao ‘paraíso’. Agora, ele espera que o filho de quatro anos continue desfrutando das boas ondas e da pesca farta e não predatória nos costões e na lagoa.

O maior problema hoje, segundo Beto e Paulo Cesar, é o lixo deixado por visitantes predadores. Trapos, restos de barracas e fogueiras, lonas plásticas e garrafas pet, vidro e garrafões estão espalhados nas áreas de acampamento e enterrados nas dunas ou sob as árvores. Mas, nem sempre o mar permite atracação de embarcações para o transporte da sujeira até o Pântano do Sul.

Os amigos de barraca aproveitam férias e qualquer folguinha para se esconder e relaxar na Lagoinha. Lá, eles surfam, pescam, mergulham, percorrem as trilhas e, na falta do poder público, fazem o papel de fiscais: recolhem lixo acumulado, orientam visitantes sobre pontos de acampamento e captação de água, impedem desmatamentos, fazem salvamentos no mar e os primeiros socorros a vítimas de acidentes nas trilhas e nos costões antes de acionarem o helicóptero Arcanjo, do Corpo de Bombeiros.

Como é hoje

Parque Municipal

Criação: Lei nº 3.701/1992 (decreto municipal nº 8.701)

Área: 789,26 hectares

Extensão da praia: 680 metros

Passo a passo

1987 – decreto 1.543: tombamento da bacia hidrográfica como patrimônio natural e paisagístico.

1992 – lei 3.701: cria o parque municipal, com 453 hectares.

1999 – lei 5.500: amplia limites para fora da bacia e inclui áreas de preservação permanente do entorno, abrangendo parte dos morros da Armação, Matadeiro e Pântano do Sul, totalizando 789.26 hectares.

2015 – estudos para revisão dos limites e linhas de áreas de preservação permanente e bordas em volta, com base no Plano Diretor atual, com acréscimo de 950 hectares.

É proibido

Parcelamento do solo

Abertura ou prolongamento de vias e qualquer tipo de edificação

Uso de veículos automotores

Caça de animais

Coletas de plantas

Deixar lixo

Fazer fogueiras

Corte de vegetação

Pesca predatória

Fauna e flora

Mata Atlântica em estágio secundário, restinga, costões e estuários de córregos, cachoeiras, lagoa e praia.

Ecossistema preserva espécies em extinção no resto da Ilha, como o graxaim (cachorro do mato), gato selvagem, tatu, tamanduá-mirim, quati, gambá, aves costeiras e as comuns da mata atlântica.

Trilhas

Pântano do Sul: Saída a partir da SC-406, a 500 metros da praia.

Cerca de três quilômetros, muito íngreme e pedregosa, em sua maior parte em meio à floresta de encosta da mata atlântica. Há mirantes naturais para as praias da Lagoinha do Leste e Pântano do Sul. Caminhada de no máximo 1h30, com dificuldade alta.

Matadeiro: Mais longa e menos íngreme, de aproximadamente cinco quilômetros, com saída da Armação e passagem pela praia do Matadeiro, contorna o costão direito de Norte a Sul, onde se destaca a Toca da Baleia – pedra esculpida pela força do mar. Caminhada entre três e quatro horas, com grau alto de dificuldade.

Pelo mar: No verão, dependendo do vento e das ondulações, botes de pescadores são usados para transporte de passageiros, com saídas do Pântano do Sul e da Armação.

( Notícias do Dia Online, 17/07/2015)

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