Eles fazem a festa e nós pagamos a conta

(Por João Carlos Mosimann*DC, 19/05/2014)

A história da Aéropostale, atual Air France, está no Palácio Cruz e Sousa e conta com o apoio da Fapesc, da Santur e da Secretaria Municipal de Educação. Os franceses fazem a festa e nós pagamos a conta. E no pacote vem sempre Saint-Exupéry, que nunca participou da Linha da costa brasileira, da qual o Campeche fazia parte. Ele presidia a Aeroposta Argentina, sediada em Buenos Aires e voltada para a Patagônia. Pesquisadoras da Udesc e da UFSC concluíram que a lenda configura um processo de invenção de tradições, típica do pensamento de Eric Hobsbawm. Lucas Boiteux, comandante do Centro de Aviação Naval na época, e um dos mais profícuos historiadores catarinenses, faz referências a Paul Vachet em seus escritos, mas nenhuma alusão a Saint-Ex.

Nem Dona Josefa, esposa do pescador Deca, lembrava-se do piloto. Perguntada pela historiadora Kátia Regina Juncks em 1994 sobre “Zé Perri”, respondeu: “Peri, só lembro da Lagoa do Peri”. Lúcida, recordava, no entanto, o nome de outros pilotos da Linha. A fábula invoca gratuitamente um personagem renomado e, é óbvio, respaldada pelos franceses interessados comercialmente em sua difusão. Quanto mais festa, mais se vende O Pequeno Príncipe e seus produtos derivados, cujos direitos autorais pertencem a Succession Saint Exupéry, verdadeiro império comercial, representado em Santa Catarina pela curadora da mostra.

Os aviadores franceses merecem nossa reverência como partícipes de um período da história da aviação e da aventura humana do qual o campo de pouso do Campeche fez parte. Mas que a homenagem seja espontânea, natural, calcada na verdade. O que não pode é a Aéropostale fazer a festa e nós pagarmos a conta, com tanta carência de apoio cultural no Estado. E fica a pergunta: Por que os franceses não participam da restauração do casarão do Campeche?

*ESCRITOR. MORADOR DE FLORIANÓPOLIS