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Denominações de rua na Capital: a indústria da clandestinidade

Enquanto a nova administração de Florianópolis iniciou o mandato cumprindo uma de suas promessas de campanha – a revisão de alvarás concedidos pelo executivo no ano anterior e a revogação dos processos irregulares – um processo às avessas segue em curso no legislativo municipal: a denominação de ruas e servidões que acabam oficializando loteamentos privados e vias públicas sem a infraestrutura exigida em lei.
Um estudo encomendado pelo Sindicato da Habitação (Secovi) de Florianópolis à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) mostrou que, somente entre 2007 e 2010, foram aprovados pela Câmara dos Vereadores da Capital 261 denominações de ruas em 13 distritos – parte delas sem rede de águas pluviais, iluminação pública, rede elétrica e de telefonia, pavimentação e coleta de lixo. Aprovações essas que contavam com pareceres contrários da Prefeitura Municipal e do Instituto de Planejamento Urbano (IPUF).
“Sempre havia a percepção que a ocupação irregular e clandestina na cidade era muito grande, mas não existia nenhuma pesquisa a respeito e isso nos motivou a contratar o estudo”, explica Fernando Willrich, presidente do Secovi. O trabalho foi coordenado pelo Escritório Piloto de Engenharia Civil (EPEC) da UFSC e teve como ponto de partida a Câmara de Vereadores, responsável por apresentar e aprovar projetos de lei que dão nome às ruas da cidade. A maior parte delas está localizada nos distritos do Campeche (56 vias), Centro (37), Ingleses do Rio Vermelho (31), Cachoeira do Bom Jesus (27), Ribeirão da Ilha (24) e São João do Rio Vermelho (22). Uma análise in loco das condições de infraestrutura de 124 ruas das 261 aprovadas demonstrou que apenas 15 (pouco mais de 10% do total) têm rede de esgoto, 23 contam com drenagem pluvial e 40 eram pavimentadas. Metade dessas novas vias sequer tinha coleta de lixo e 37 não contavam com iluminação pública.
A avaliação da equipe do EPEC é categórica: “todo o processo de legalização de ruas e travessas pelo poder legislativo e executivo acaba se dando de maneira confusa, para não dizer absolutamente conflitante com a legislação vigente; não existe planejamento deficiente nesses casos, e sim uma burla pura e simples das leis que a própria Câmara aprovou acumpliciado com a leniência da fiscalização”, aponta o documento, que foi apresentado pelo Secovi ao presidente da Câmara, o vereador César Faria, e levado também para o conhecimento do prefeito Cesar Souza Junior e do secretário municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, Dalmo Vieira.
“Não queremos fechar a rua, nem derrubar casa. Mas existe uma verdadeira indústria do parcelamento de solo clandestino na cidade. Os loteadores abrem uma rua, começam a vender terreno por contrato particular e depois que há a ocupação vão à Câmara cobrar a nomeação da rua”, afirma Fernando. O professor da UFSC Roberto de Oliveira, que coordenou o trabalho do EPEC, vai além. “A maior irregularidade está na passagem para o poder público de uma área privada sem que tenha passado no cartório. Ninguém pode fazer um loteamento sem passar em cartório, isso dá até pena de prisão – e foi feito isso”, frisa.
Na avaliação da advogada Leila Lucchece, do escritório Borges & Bittencourt, a falta de infraestrutura de muitas dessas ruas aprovadas pela Câmara está em flagrante desacordo com a lei municipal 1215/74, que regulamenta o arruamento e o parcelamento de solo na Capital. “Quando um loteamento é aberto ou desmembrado em lotes, deve obedecer toda a metragem estabelecida pela lei. Além disso, o não cumprimento de obrigações como infraestrutura de arruamento, energia elétrica e água legitimam uma ação civil do Ministério Público”, explica. A lei 1215/74 estabelece, por exemplo, que os loteamentos destinem pelo menos 35% do total da gleba para equipamentos urbanos e comunitários, áreas verdes e recreação. As vias de circulação, segundo a lei, devem ter uma caixa mínima de dez metros e passagens para uso exclusivo de pedestres com caixa mínima de três metros. “O problema é que tudo isso está sendo deixado de lado, até mesmo os aspectos sanitários, que devem ser o primeiro critério de viabilidade para deferir ou não um loteamento”, lembra Leila.
Há duas maneiras de regularizar uma via irregular. Uma delas é a prefeitura entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) e ela mesma indenizar os proprietários dos terrenos para fazer os alargamentos necessários para cumprir a lei. Contudo, lembra a advogada, como o poder público não conta com recursos para fazer esse tipo de intervenção, “o ideal é ter uma atitude preventiva, dizer o que fazer daqui pra frente, dar um basta à Câmara e chamar o Ministério Público para firmar uma parceria e fazer ajustes de conduta”.
O estudo do Secovi/UFSC já chegou às mãos do Ministério Público Estadual, que tem conhecimento do assunto e está estudando uma forma de tornar a denominação de ruas mais criteriosa. “Dar o nome não é o problema, mas sim achar que a denominação torna regular aquilo que pela lei não é possível, pois em muitos desses casos são aberturas clandestinas sem autorização do poder público”, afirma o promotor Rui Arno Richter. As promotorias do meio ambiente e da moralidade administrativa do MP já fizeram várias recomendações sobre esse expediente, mas como lembra Richter, surtiu pouco efeito. “Houve uma promessa de alguns vereadores, mas que não sei se foi levada adiante, para retirar da Câmara essa atribuição de denominação de ruas. Alguns reconheciam que seria melhor deixar o executivo assumir as responsabilidades, pois ele é o poder responsável para fiscalizar e impedir a abertura de vias clandestinas”, cita o promotor, que reconhece a dificuldade da prefeitura em ser eficiente para coibir as irregularidades. “Depois das suspensões dos alvarás, a Prefeitura tem sido alertada pelo Ministério Público que não basta revisar os licenciamentos suspeitos de terem sido dados de forma errada, mas que tome procedimentos para impedir qualquer obra na cidade que não tenha o alvará de construção”.
Legislativo x Executivo
O presidente da Câmara Municipal, vereador César Faria, avaliou o estudo como “importante para debatermos o assunto e tomarmos decisões”, mas não vê irregularidade alguma nos projetos de lei que resultaram nas denominações de ruas e servidões. “A Câmara está cumprindo o seu papel. Ela não manda abrir uma rua para legalizar, ela dá um endereço para os cidadãos e eles têm todo esse direito. A falta de fiscalização histórica levou a uma situação que ninguém deseja, que é a ausência de infraestrutura e planejamento. Florianópolis precisa de uma política habitacional”, opina César. O vereador lembra que nem mesmo a principal rua do comércio da cidade está legalmente batizada. “Não existe a lei que deu o nome da Felipe Schmidt. Trata-se de uma questão de costumes. É impressionante, mas há inúmeras ruas consolidadas há mais de 100 anos mas que não existe oficialmente a denominação. Então elas são clandestinas também?”, questiona o vereador, que criou um grupo de estudo na Câmara para verificar e regularizar casos como o da Felipe Schmidt.
Enquanto o legislativo responsabiliza o poder executivo por uma omissão histórica, o atual secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, o arquiteto Dalmo Vieira, começa um trabalho para identificar o total de construções irregulares na cidade e, ao mesmo tempo, uma conscientização dos vereadores para frear o processo de regularização de ruas até o município ter seu novo Plano Diretor. Segundo ele, o volume de irregularidades é fruto de uma legislação desatualizada e da falta de um projeto urbanístico na cidade. “Estamos aproximando os debates do plano aos vereadores e fazendo um apelo para que medidas pontuais não sejam tomadas. O prefeito tem vetado todas essas medidas, mas os vetos acabam sendo derrubados na Câmara. O município precisa se reorganizar do ponto de vista urbano e esse processo não deve mais ocorrer”, aponta Vieira, que também acumula a presidência do IPUF.
Nessa jornada dupla, o secretário divide seu tempo entre debates técnicos relativos ao Plano Diretor – processo que se arrasta há mais de sete anos e que ele garante que será apresentado à Câmara ainda em 2013 – e uma estratégia de identificação das regiões onde há construções irregulares. “É impossível pensar em planejamento sem fiscalização e estamos tomando várias medidas nesse sentido, desde um convênio com a Polícia Militar, voos de helicóptero para identificar áreas e contratação de servidores, o que deve acontecer no segundo semestre deste ano”, resume Dalmo.
O promotor do Ministério Público Rui Arno Richter soma outros argumentos à preocupação do secretário, mas é enfático quanto à falta de fiscalização: “Não adianta fazer Plano Diretor, palestra, artigo no jornal ou campanha se no dia a dia não se impede o que é ilegal. Como é que o município vai planejar a coleta de lixo se a cada 60 dias aparecem do nada outras ruas? Como vai planejar pavimentação de vias se ele corre atrás enxugando gelo e até de certa forma chancelando a abertura de vias irregulares?”, questiona Rui.
Formais x informais
O estudo realizado pela UFSC deixou uma certeza ao presidente do Secovi: “a maioria dos problemas urbanos da nossa cidade que são atribuídos à construção civil formal na verdade se devem ao eminente descaso da prefeitura por parcelamento do solo clandestino, que depois acaba premiado pela Câmara de Vereadores com a regularização – uma indústria da clandestinidade”. O professor Roberto de Oliveira, da UFSC, diz que a lógica está invertida, pois “a dificuldade é muito grande e espanta o empreendedor regular. Alguns loteamentos demoram anos e, às vezes, o proprietário não consegue aprovação porque existe um patrulhamento ideológico contra o empreendimento legal”.
O Sinduscon Grande Florianópolis diz que vem denunciando essa situação há mais de dez anos. “Fico feliz porque o estudo comprova aquilo que falávamos há bastante tempo. O problema é que quando a rua é legalizada você já tem ocupação, casas, pessoas com sua vida já estabilizada. Não é justo que fiquem sem endereço. O importante é não deixar abrir essas ruas. O que condenamos é a falta de fiscalização”, destaca o presidente da entidade, Helio Bairros. Ele defende a reestruturação dos órgãos de controle, como o IPUF e a Floram, capazes de frear novas construções, já que “depois que a rua está aberta, a Câmara não tem outra alternativa a não ser legalizar essas vias”.
A advogada Leila Lucchece, da Borges & Bittencourt, sugere uma mobilização maior dos interessados – e até mesmo da população em geral – para questionar os responsáveis, poder legislativo e executivo, sobre irregularidades do tipo. “Quem está tratando do estudo pode preparar um parecer e pedir uma fala na Câmara; é mais um embasamento para uma eventual medida judicial. Também é possível entrar com uma ação popular para requerer que o legislativo cumpra aquilo que está na lei”, propõe.
(Construção SA, 08/08/2013)

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