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Contra desastres naturais, mais democracia no espaço urbano

Artigo escrito por Mônica Nogara, advogada com mestrado em urbanismo na área de ocupação de APPs urbanas (O Eco Cidades, 20/01/2011)

O início da urbanização ocorreu em beiras de rios e corpos d’água, por sua proximidade à fonte de alimentos, pela facilidade de abastecimento, de irrigação, de locomoção. Nas pequenas vilas, isso representava muitas vantagens, mas, nas grandes metrópoles essa gênese se tornou a causa de problemas incontáveis.

“É preciso saber também que existem anos mais complexos, mais anômalos. De 12 em 12 anos, de 13 em 13, ou de 26 em 26 anos, há períodos extremamente complicados do ponto de vista da dinâmica climática”, já dizia o geógrafo Aziz Ab’Saber, em entrevista para a revista Humanitas Unisinos On-Line – IUH (n°60), em 2003. “Basta lembrar o caso do nordeste de Santa Catarina, onde estudei com cuidado as épocas de mais chuvas. Lá, elas ocorrem exatamente de 13 em 13 ou de 12 em 12 anos. Publiquei um trabalho com conclusões bastante sérias. Nos próximos dez anos, antes que venha outro ano anômalo, se os governantes que conheceram a tragédia de Santa Catarina não fizerem obras e projetos adequados para minimizar os efeitos das grandes precipitações da serra catarinense — com descida das águas para Blumenau e para o Vale do Itajaí –, vão acontecer tragédias de maior consequência. E isso vale para outras áreas do país.”

Ele estava certo. Santa Catarina foi novamente atingida em 2008 e, agora, a região serrana do Rio de Janeiro sofreu mais uma tragédia previsível. Para preveni-las é preciso compreender o processo de ocupação de áreas protegidas e de risco e procurar evitá-lo, desmontando essa verdadeira bomba de efeito retardado.

Foi a disputa pelo espaço urbano que expandiu a ocupação para as áreas ambientalmente frágeis. Como coloca Maria Lúcia Refinetti, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, “os mais frágeis na escala social são empurrados para áreas desvalorizadas, por sua inadequação técnica, ou por se tratarem de áreas com restrições ambientais à ocupação, protegidas por lei e, consequentemente, excluídas do mercado formal. São assim, mais sujeitos à falta de saneamento, aos riscos ambientais e particularmente às enchentes e deslizamentos.”

A legislação que regula as APPs (Áreas de Preservação Permanente), com o objetivo de manter determinadas funções ambientais – preservar os recursos hídricos, a estabilidade geológica, a biodiversidade -, bem como assegurar o bem-estar das populações humanas, acaba por não atender a essa finalidade, já que os processos de proteção ambiental vão além da capacidade de normas e de fiscalização.

A alternativa para acomodar uma população crescente em uma quantidade de espaço finita é adensar a ocupação de áreas estruturadas da cidade, normalmente as mais ricas. É preciso ocupar os espaços vazios para evitar o espraiamento; democratizar seu uso e enfrentar os interesses de especulação imobiliária para acomodar também os mais pobres. Esse é o grande desafio. De outra forma, essa parcela da população avançará sobre o espaço natural.

Em casos de áreas já consolidadas, a legislação das APPs deveria ser reformulada e interpretada para permitir que elas sejam destinadas ao lazer, recreação, áreas verdes e parques. Isto é, quando já não puderem ser preservadas integralmente. Se fossem recuperadas como áreas verdes, as APPs reaproximariam as pessoas da convivência com a água e a natureza. É preciso também respeitar os direitos de seus ocupantes, cuja situação precária pode ser agravada se forem meramente removidos.

Mas não é esse o curso normalmente seguido pela prefeitura como, por exemplo, no caso do Jardim Pantanal, Zona Leste de São Paulo. O nome é referência às constantes inundações de verão que maltratam os moradores. ao que parece. Ao invés de sanar o problema, não só a prefeitura pretende remover os moradores como reinstalá-los em uma área de várzea do Tietê, que deveria ser preservada. Agride ao mesmo tempo dois direitos que concorrem, o da moradia digna e o do respeito ao meio ambiente.

Parte das catástrofes poderia ser evitada. Devemos caminhar para o melhor compartilhamento do espaço urbano, com melhorias na estrutura da ocupação e, especialmente, na drenagem urbana. Além disso, é possível reduzir as áreas impermeabilizadas e construir pequenos reservatórios para contenção de água. Por fim, precisamos de um sistema de defesa civil com plano de prevenção e gestão de risco, que seja ágil na resposta a crises, evitando a perda de vidas.

A natureza não se interessa por nossas necessidades. Ao contrário, nós é que precisamos estar atentos às dela e sair do caminho que traça sem nos consultar. Para isso, devemos enfrentar interesses que se interpõem à construção de cidades mais democráticas e ambientalmente justas.

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