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Licença ambiental, para quê?

Dizem que são nas pequenas atitudes que conhecemos as pessoas. Talvez isso valha para a administração pública por trás de discursos cada vez mais verdes. O governo de Mato Grosso nos presenteia neste Natal com um típico exemplo. Antes de mostrar programas e projetos estaduais na Conferência do Clima, em Copenhague, o governador Blairo Maggi determinou o início das obras de duplicação da estrada MT-251, que liga Cuiabá ao destino turístico mais procurado pelos moradores da capital, Chapada dos Guimarães.

Com todo apoio popular de uma obra de infraestrutura para a região sediar a Copa do Mundo de 2014, no dia 11 de novembro de 2009 Maggi assinou uma ordem de serviço dando aval para a empresa Cavalca Constutora e Mineração começar a obra, depois de ter vencido a licitação. No dia seguinte, os caminhões já circulavam pela estrada, revolvendo terra e derrubando árvores de Cerrado numa área perigosamente próxima a duas unidades de conservação estaduais, uma federal e uma reserva particular do patrimônio natural (RPPN). A opinião pública, é claro, apoia o empreendimento que facilitará o acesso à Chapada dos Guimarães, e que supostamente diminuirá os constantes acidentes de trânsito quase sempre motivados, segundo a Polícia Militar, por pura imprudência dos motoristas. A essas alturas, ninguém se preocupou em verificar se a obra tem licença ambiental. Não tem.

Depois de um mês e meio, e nenhuma atitude por parte da Secretaria de Meio Ambiente do estado para garantir que o empreendimento respeite a legislação ambiental, o Instituto Chico Mendes (ICMBio) embargou as obras e multou a empresa responsável em dois milhões de reais. A ação teve apoio do Ibama. Além de não apresentar uma licença válida ao órgão federal, conforme previamente solicitado, o empreendedor sequer havia pedido autorização do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães para executar obras no entorno de 10 quilômetros da unidade de conservação.

“Mais do que suspender a obra, queremos trazer ao zero a discussão sobre esta estrada. Antes que qualquer licença seja concedida, é preciso discutir alternativas locacionais e compensações ambientais, o que não foi feito. Ainda mais por se tratar de impactos diretos a uma unidade de conservação de proteção integral”, justifica Eduardo Barcellos, coordenador da Coordenação Regional 10 do ICMBio em Chapada dos Guimarães.

Interromper a obra sem licença neste ponto também foi uma ação preventiva, uma vez que alguns quilômetros adiante os tratores ameaçariam diretamente, além da vegetação de dentro do parque nacional, nascentes e paredões rochosos extremamente frágeis, que requereriam estudos aprofundados para que uma obra dessas seja ambientalmente viável. “Isso representaria um grande passo para a extinção de fauna de grande porte do parque. Hoje o índice de atropelamentos é alto, imagine com mais três pistas de rolamento para cada sentido da estrada sem as devidas mitigações, como limitação de peso, horários específicos para tráfego de alguns tipos de veículos”, acrescenta Barcellos.

Derrubando barreiras

Coincidência ou não, uma coisa o governo fez antes de autorizar o roncar dos tratores. Em agosto, o secretário de Meio Ambiente Luis Henrique Daldegan tratou de revogar o macrozoneamento da Área de Proteção Ambiental (APA) da Chapada dos Guimarães, único instrumento de gestão da unidade de conservação estadual que serve de zona tampão para o parque. O documento, elaborado há mais de dez anos, servia de diretriz para o manejo da área, muito próxima do local onde foram iniciadas as obras da estrada.

O governo não apresentou justificativa plausível para a revogação, mas a coordenação de unidades de conservação da Secretaria de Meio Ambiente ainda acredita que o documento tenha algum valor jurídico. Procurada pela reportagem, a Secretaria do Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema), responsável pelo licenciamento ambiental da obra, se limitou a informar que o processo está sendo conduzido em nome da Secretaria de Infra-estrutura do estado (Sinfra) e se encontra “em análise”. E se recusou a dar mais detalhes. “Não é possível falar sobre isso neste momento”, respondeu a assessoria de comunicação do órgão.

No site oficial da Sema, que abriga um sistema de consultas que teoricamente dá transparência às ações de licenciamento do estado, não existe nenhuma menção às obras de duplicação da estrada, nem à etapa de licenciamento ambiental em que ela está.

O projeto

A duplicação da estrada Cuiabá-Chapada dos Guimarães foi dividida em três etapas. A primeira, que efetivamente começou, compreende 17 dos 60 quilômetros da rodovia. Esta fase, conforme o estado, custará 17 milhões de reais, pagos com recursos do Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab) e do Fundo de Desenvolvimento do Estado Mato Grosso (Fundesmat). O governo de Mato Grosso anuncia que a obra ficará pronta em 2011 e, diante da imprensa, sempre garantiu que há licença. Já na primeira fase, a duplicação abarca o entorno do parque nacional e o início do trecho reconhecido como estrada-parque, categoria de unidade de conservação estadual.

Apesar de se tratar de uma estrada-parque, servidores da coordenação de unidades de conservação desconhecem qualquer preocupação no projeto com travessia de animais ou criação de pontos específicos para apreciação da beleza cênica, por exemplo. O segundo trecho da obra compreende a estrada-parque, cruza o interior do parque nacional e abrange parcialmente a APA estadual. E a terceira etapa está totalmente incluída nas três unidades de conservação.

Até o dia 8 de dezembro, praticamente um mês após o início das obras, o processo ainda não havia chegado à superintendência de biodiversidade da própria Sema para análise.

Ao longo deste mês foram organizadas reuniões entre a Sinfra, o ICMBio, e a coordenação de unidades de conservação da Sema para discussão do projeto. “Aparentemente tem bastante gente preocupada com o assunto, isso é bom. Assim o processo tem a chance de ser discutido e readequado dentro das limitações de uso das três UCs que serão afetadas diretamente pelo empreendimento”, disse Alexandre Batistella, coordenador de unidades de conservação da Sema, ainda esperançoso.

Infelizmente, só conversas não têm bastado. Esse tipo de “esquecimento” é reincidente em Mato Grosso. Há pouco mais de um mês, no dia 19 de novembro, a Sinfra foi multada pelo Ibama pelo mesmo motivo: obras de pavimentação de estrada no município de Santo Antônio do Leverger, no Pantanal, sem licença ambiental. Em vez do documento, a Secretaria de Infra-estrutura apresentou apenas uma ordem de serviço e um pedido de licença para a Sema, ainda não aprovado. Resultado: multa de dois milhões de reais.

De acordo com o ICMBio, os ministérios públicos federal e estadual serão informados oficialmente sobre a recorrência desta situação, para que sejam tomadas providências. “Percebemos que este acaba sendo um procedimento padrão no estado. Nossa intenção não é bloquear obra alguma, mas que consigamos fazer uma correção para evitar que outras áreas sofram impactos sem levar em consideração a legislação ambiental”, diz o coordenador Barcellos.

(O Eco, 23/12/2009)

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