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Artigo de Valdete Daufemback — Mestre em história cultural e professora de sociologia em Joinville (A Notícia, 02/07/08)
Uma visita técnica em uma recicladora serviu de inspiração para escrever este texto. Na recicladora, passa pelas mãos habilidosas de mulheres e homens o material que constitui a base de sobrevivência de muitas famílias. Garrafas PET de cores variadas, caixinhas de leite de marcas diversas, latinhas de alumínio, cartões-postais, cartas, bilhetes, exames laboratoriais, papéis limpos, papéis sujos, trabalhos escolares, provas, flores secas, fotografias, certificados de garantia, embalagens malcheirosas, sacolas plásticas, mais sacolas plásticas, eletrodoméstico, fios, calçados, roupas, mais papéis, revistas, mais embalagens, vidros.
Enfim, um universo de materiais – impossível descrever todos – felizmente foi parar na recicladora para ser reaproveitado. Depois de selecionado e separado, os tipos de materiais passam por uma prensa, formando grandes fardos, prontos para serem vendidos.
Se for verdade que por meio do lixo produzido por uma família é possível estudar seus hábitos cotidianos, então, provavelmente os hábitos da população urbana possam ser entendidos a partir do conteúdo de um aterro sanitário ou de um lixão.
Lá, todos os dias, toneladas de materiais são depositadas. Nesse sentido, o elo entre os consumidores e o aterro sanitário são os incansáveis carros que transportam o lixo e que, nesse vaivém, constroem montanhas de lixo, parecendo ilhas coloridas. Esses materiais serão soterrados e lá permanecerão até se decomporem.
Pode-se afirmar, portanto, que o aterro sanitário é o cemitério daquilo que restou do produto desejado, mas, agora, sem a sua essência. É o lugar do descarte, completando o ritual da cadeia de consumo. A cadeia do consumo moderno de bens é uma combinação de esforços que envolvem a produção industrial, o design, a publicidade e o consumidor.
O lixo é uma invenção da sociedade urbana industrial. Nas áreas rurais, antes da modernização no campo, desconhecia-se o significado do “lixo”, pois na cadeia produtiva não havia desperdício. Os produtos para o consumo que não eram produzidos na propriedade eram comprados a granel no armazém. Sacolas de plástico não existiam. Para carregar as compras, bolsas de tecido ou cestas de vime, tudo confeccionado artesanalmente.
Praticamente tudo na propriedade era feito artesanalmente, mas nem por isso o consumo era chamado de artesanal, um conceito utilizado na atualidade para designar o consumo de bens produzidos pela própria pessoa. As poucas embalagens de produtos que a família adquiria eram aproveitadas nas lidas domésticas. A lata vazia de querosene virava recipiente para guardar a banha, o mel, as bolachas.
As sacas de adubo viravam pano de prato, lençóis, toalhas. Mesmo as roupas gastas pelo seu uso cotidiano vestiam pedaços de madeira, transformando-se em espantalho para proteger as lavouras do ataque de pássaros. Com a modernização do campo, mudaram-se os hábitos alimentares. Na substituição dos produtos in natura pelos industrializados, as famílias agricultoras também conheceram o significado do lixo. Houve uma metamorfose no estilo de vida.
Com a acentuada industrialização dos produtos alimentícios, novas profissões surgiram para garantir a sua qualidade e durabilidade. Inúmeros novos ingredientes e compostos foram inventados e adicionados aos produtos alimentícios para realçar a cor e o sabor, a fim de atrair o consumidor.
Essas inovações no mundo da alimentação precisam de um arsenal tecnológico de embalagens que, em parte, é responsável pelo aumento do lixo. E para tornar mais atraentes os produtos oferecidos aos consumidores, as embalagens foram se sofisticando. Assim, houve um deslocamento nas necessidades de consumo. A visão e o olfato, totalmente domesticados, empreenderam a atratividade dos bens de consumo moderno.
Para que um produto esteja na loja, no supermercado, é preciso que o fabricante – portanto, o seu dono – se desfaça dele, tendo cumprido um ritual de “desapego”, para ser transferido ao consumidor. Sendo assim, o consumidor, após ter comprado o produto por alguma significação, apropriando-se dele e dele fazendo uso, extrai as suas propriedades até o seu esvaziamento de sentidos, quando, por sua vez, segue também o ritual de “desapego”, transferindo-o para o aterro sanitário ou, na melhor das hipóteses, a uma recicladora. Lá, o produto transferido que chega completamente despersonalizado passará pelas mãos habilidosas para completar o seu ciclo no movimento de consumo.

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